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gestão ambiental mata ciliar sustentabilidade
2008-11-25

Em atividade de campo, estudantes do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) conhecem de perto as dificuldades para implantar transformações numa comunidade rural que em pouco tempo será a “conservadora” das águas que chegam à metrópole.

Originário da África, ele pertence à categoria de insetos coprófagos, isto é, que se alimentam de excrementos. Ao fazer o que é próprio de sua natureza – alimentar-se de excrementos bovinos –, o popularmente conhecido pelo engraçado nome de besouro “vira-bosta” africano exerce como nenhum outro inseto o importante controle biológico da mosca-dos-chifres, uma praga que ataca a bovinocultura. Ele perfura o solo para levar seus rolinhos de fezes ao futuro ninho, construído a até 3 metros de profundidade, onde serão depositados seus ovos. Ao eclodirem, suas larvas se alimentam das fezes, por sua vez infestadas das larvas da mosca-dos-chifres. Nessa tarefa de sobrevivência, o inseto promove também a aeração do terreno, permite que as raízes das plantas penetrem mais profundamente para buscar a umidade, melhora a fertilidade do solo como um todo e, por fim, colabora para a “limpeza” da pastagem, evitando seu subaproveitamento, pois o gado não se alimenta no lugar onde defeca.

O besouro “vira-bosta” foi o personagem mais pedagógico e o que mais arrancou risadas das duas turmas de alunos do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, que participaram de uma atividade de campo realizada nos dias 8 e 9 de novembro na região de Joanópolis, cidade ao norte do estado de São Paulo, próxima à divisa de Minas Gerais. A visita integra as atividades externas da disciplina de Gestão Ambiental, ministrada pela professora e coordenadora do curso de Gestão Ambiental, Neli Aparecida de Melo.

Os 127 alunos do segundo e do terceiro ano se revezaram nos dois dias de visita para conhecer de perto a implantação do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC) da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo. Conversaram com agricultores, técnicos e consultores e viram na prática alguns dos conceitos aprendidos em sala, especialmente os relacionados a técnicas de manejo e uso do solo, e articulação de lideranças em políticas ambientais.

“A disciplina de Gestão Ambiental foca mecanismos de controle e uso do solo, gestão territorial e novas atividades menos impactantes ao ambiente. Nesta fase do curso os alunos já aprenderam conceitos básicos e agora é hora de ver no campo como um gestor poderia ajudar nesse tipo de trabalho. Esse projeto da SMA vem sendo implantado na região desde 2005 e por suas características achei que seria um meio de mostrar aos alunos a forma de participação existente nas comunidades, a articulação entre os atores locais, técnicos, governo e organizações não-governamentais. Também quis mostrar o ‘tempo’ do meio ambiente e o ‘tempo’ do campo, e as dificuldades de implementação de projetos do tipo”, diz a professora Neli.

Para Ana Paula Gouveia, do segundo ano de Gestão Ambiental, que assim como a maioria dos alunos do curso conhece o meio rural “só de longe, a partir de leituras e outras fontes”, ficaram claras as pressões que o pequeno agricultor sofre pela dependência e os altos preços dos insumos, e de que forma as técnicas alternativas podem ajudar no aumento da produtividade e na recuperação dos sistemas. “Vi também o papel crucial do gestor na articulação dos atores e a importância do monitoramento constante para corrigir falhas e melhorar o projeto”, afirma.

“A uréia estava rachando o solo e os gastos com insumos não estavam mais compensando a produção do leite. Estão reaparecendo minhocas e outros bichos que tinham sumido do pasto. Os capins não crescem com tanta rapidez como quando se usa uréia, mas agora possuem maior teor de proteína”, atesta um dos produtores visitados na região, Sebastião Moraes.

Bacia estratégica

O besouro “vira-bosta” e outros importantes animais da fauna e macrofauna do solo, como minhocas, grilos, centopéias e uma variedade de insetos, voltaram a habitar as pastagens não só da propriedade do “seu” Sebastião, mas também de outros agricultores locais, que substituíram o sistema agrícola convencional baseado no uso intensivo de insumos por técnicas alternativas propagadas pela agroecologia. Em algumas propriedades de Joanópolis, os engenheiros da SMA propuseram o Pastoreio Racional Voisin (PRV), método rotacional de pastos muito difundido no Sul do Brasil e assim chamado em homenagem ao pesquisador francês André Voisin.

O retorno do equilíbrio ecológico converte-se em maior capacidade da natureza de prover serviços ambientais, tais como a produção de água. Mas o dito é melhor aprendido com exemplos. “Há 30 anos, aqui era um córrego e agora virou este alagado por conta do assoreamento causado pelas pastagens”, mostrou “seu” Orlando Fernandez Silveira aos estudantes. O produtor possui em sua propriedade um piloto do projeto da SMA que, segundo afirma, “já está dando resultados na produtividade do leite”.

O PRMC tem o objetivo de “desenvolver instrumentos, metodologias e estratégias para viabilizar um programa de restauração de matas ciliares de longo prazo e abrangência estadual”, afirma Roberto Ulisses Resende, gerente técnico do PRMC e diretor do Departamento de Proteção da Biodiversidade da SMA.

Criado em 2004, o PRMC vem sendo implantado através de 15 projetos demonstrativos na região da bacia hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). A idéia é apoiar a conservação da biodiversidade, reduzir a erosão, perda de solo e assoreamento dos rios, apoiar o uso sustentável dos recursos naturais e criar alternativas de trabalho e renda, além de contribuir para a redução de gases de efeito estufa.

A pequena Joanópolis, de relevo acidentado e com incontáveis nascentes e cachoeiras – inclusive a conhecida Cachoeira dos Pretos –, está inserida numa grande área cuja vocação natural é a produção de água. As muitas nascentes do sul de Minas Gerais e do norte paulista geram os corpos d´água que irão formar a importante bacia hidrográfica do PCJ e, em especial, o sistema Cantareira, responsável por 57% do fornecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

Por sua importância estratégica para produção de água, as bacias formadoras do sistema Cantareira tornaram-se foco de importantes políticas de recuperação ambiental. Só na visita de dois dias à microbacia de Joanópolis, a reportagem do Jornal da USP conheceu outros dois trabalhos ambientais realizados em parceria por universidades, empresas, ONGs e comunidades locais.

A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, por exemplo, há três anos vem plantando eucaliptos em seis pequenas propriedades de Joanópolis, em módulos que agrupam diferentes variedades da planta.

Intitulado “Experimentação Participativa em Agrossilvicultura”, o projeto criado pelo Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental da Esalq tem o objetivo de “utilizar áreas não aptas a outras culturas e a pastagens, para promover a diversificação das atividades produtivas onde os plantios dos eucaliptos podem ser uma das opções para geração de renda”, afirma o pesquisador João Dagoberto dos Santos, da Esalq. Com as diferentes variedades dos eucaliptos, o produtor pode obter madeira, mel e óleos essenciais, por exemplo.

Ao contrário do que muita gente pensa, se não for cultivado como monocultura e se for plantado em topos de morros e meias-encostas, o eucalipto, como qualquer outra árvore, irá promover a infiltração da água no solo, colaborando para equilibrar ou mesmo aumentar o volume de água de qualidade nos corpos hídricos. “Pastagem em áreas declivosas aumentam a erosão, pois permitem que o solo seja carregado pela enxurrada das chuvas, assoreando os rios. Ao contrário, a presença de vegetação promove a infiltração de água no solo e impede a erosão e o assoreamento”, diz Santos.

Os módulos de variedades de eucaliptos em Joanópolis compõem as centenas de áreas de Teste do Uso Múltiplo de Eucaliptos (Tume), distribuídas em todo o país para experimentar sistemas agroflorestais na recuperação de Áreas de Proteção Permanente (APPs), afirma o pesquisador da Esalq.

Matas ciliares e nascentes são definidas pelo Código Florestal como APPs. Nesse sentido, o projeto do núcleo da Esalq tornou-se parceiro não só do PRMC em Joanópolis, mas também de uma importante e inovadora iniciativa de recuperação e preservação ambiental, também encabeçada naquela região pela SMA. Trata-se do programa Produtor de Água, criado pela Agência Nacional de Águas (ANA) para proteger mananciais estratégicos do país.

Ganhar para conservar 

O Produtor de Água começou a ser implantado em escala experimental nas microbacias do Ribeirão Cancã, em Joanópolis, do Ribeirão Moinho, em Nazaré Paulista (SP), e do Ribeirão das Posses, em Extrema (MG). O programa busca a adesão voluntária de pequenos produtores rurais a práticas adequadas de manejo e uso do solo, e recuperação e conservação de matas ciliares e vegetação nativa. Tais práticas conservacionistas ajudam a natureza a recuperar sua capacidade de produzir água de qualidade, equilibrando a recarga nas bacias hidrográficas.

Assim como as matas ripárias exercem funções essenciais na natureza – como proteger o solo e a água, reduzir o aporte de sedimentos e poluentes e formar corredores de biodiversidade, além de absorver e fixar carbono –, da mesma forma todas as práticas conservacionistas adotadas na propriedade rural acabam produzindo serviços ambientais igualmente importantes para a capacidade de resiliência dos sistemas.

Nesse sentido, o produtor rural conservacionista acaba exercendo o papel de agente dos serviços ambientais. No caso dos proprietários inseridos no Produtor de Água, o programa prevê a remuneração desses agentes pelo benefício proporcionado à coletividade, no caso, a produção de água em quantidade e qualidade.

Os recursos do Produtor de Água vêm da cobrança pelo uso da água já implantada em algumas localidades da bacia do PCJ, dos financiamentos governamentais e da ONG The Nature Conservancy. A experiência piloto já está bem adiantada no município de Extrema, onde a prefeitura já remunera em R$ 159,00 por hectare de propriedade ao ano, pagos em parcelas mensais. A remuneração depende do tamanho da terra e em algumas propriedades o pagamento pelo serviço ambiental (PSA) chega a cerca de R$ 1 mil por mês.

“A mecânica do PSA é uma nova política ambiental. A idéia é que seja complementar aos instrumentos de comando e controle previstos na legislação. Não pode substituí-los porque a fiscalização e o licenciamento ambiental, por exemplo, possuem seus papéis. A abordagem de mecanismos econômicos na conservação ambiental deve ser complementar ao que já existe na legislação ambiental”, afirma Resende, da SMA.

Ecologia e produtividade

A mata atlântica do norte do Estado de São Paulo historicamente foi aberta para a produção do café, que em seguida foi substituído por pastagens de capim-gordura. A ocupação com braquiárias ocorre há cerca de 30 anos. O relevo pouco apto à mecanização e a terra barata favorecem atualmente a eucaliptocultura. “Os capitalistas arrendam ao mesmo tempo muitas propriedades pequenas e a região vem se tornando um ‘filé’ para a expansão das indústrias florestais, expulsando os pequenos proprietários de suas terras”, afirma o pesquisador João Dagoberto dos Santos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, ao ressaltar a necessidade de projetos de diversificação produtiva e de conservação ambiental na região.

Entre as técnicas de manejo propostas pelo Programa de Recuperação de Matas Ciliares da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo, o método de Pastoreio Racional Voisin (PRV) subdivide a propriedade em cercamentos chamados piquetes. Cada piquete pode ter diferentes gramíneas, dependendo das variações do tipo de solo. O gado é rotacionado de acordo com as condições ótimas das pastagens, garantindo alimentação no momento em que a gramínea possui o maior acúmulo de reservas energéticas e protéicas.

A água deve ser abundante nos piquetes. Ela geralmente fica nos bebedouros expostos ao sol para que permaneça morna. Assim o animal bebe em maior quantidade, pois não sentirá dor de dente pelo contato com a água fria do rio, já que gado leiteiro não possui esmalte nos dentes. Ao comer melhor, gastar menos energia na busca por alimento e beber mais água, o gado produz mais leite.

Os excrementos e a urina fertilizarão o terreno e permitirão a importante atuação do besouro “vira-bosta”. Além disso, na troca de piquete, o gado terá um terreno que já estará livre de excrementos e isso é um fator de otimização da pastagem, pois o gado não se alimenta nos locais onde defeca.

Todo o sistema reduz os custos de produção, atesta o produtor Moraes. “Eu gastava em torno de R$ 21,00 por dia com insumos e adubo e esses custos não estavam mais pagando a produção do leite”, fala “seu” Sebastião, que conta apenas com a ajuda da esposa, dona Nair. Os filhos preferiram outra vida. Viviane, de 24 anos de idade, trabalha no comércio da cidade e Marcos Roberto, de 22 anos, na indústria madeireira.

Com a diversificação proporcionada pelo cultivo de variedades de eucalipto, os ganhos com o gado leiteiro e a criação de pombos brancos que vende para eventos e festas, seu Sebastião vem conseguindo sobreviver da atividade rural. A remuneração pelo serviço ambiental prevista no Produtor de Água, futuramente, será mais uma fonte de renda.

“Houve grandes dificuldades para inserir os produtores que conseguimos arregimentar na microbacia do Cancã. Falta inserção das entidades representativas e há desarticulação dos agricultores. Batemos de porta em porta apresentado o projeto e a entrada de alguns puxou outros. As propriedades são pequenas e em geral os agricultores não querem abrir mão do terreno que deve ser destinado à mata ciliar e cabeceira de nascente. Mas com o tempo percebem que estão ganhando produtividade e não perdendo”, afirma Leila Pires Bezerra, engenheira responsável pela supervisão da bacia hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), no que diz respeito ao projeto de matas ciliares da SMA.

Segundo Edwaldo Luiz de Oliveira, diretor da ONG Terceira Via, responsável pelo plantio e conservação de mudas e cercamentos, entre outras tarefas, a recuperação de aproximadamente 10 hectares envolvendo 16 pequenos proprietários da região já representa uma vitória diante das dificuldades. “Os resultados têm sido notáveis e percebidos pelos próprios agricultores”, afirma.

Ao conseguir diversificação produtiva e maior produtividade, o caminho natural para os pequenos agricultores que adotam técnicas alternativas e mais sustentáveis provavelmente será agregar valor ao seu produto através, por exemplo, da produção orgânica, assinala o geógrafo Dagoberto Meneghini, um dos técnicos de campo do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC) da SMA.

(Por Sylvia Miguel, Agência USP, 22/11/2008)


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