Governo desiste de restringir investimento de estrangeiros em um momento de escassez de crédito.
Por conta da crise financeira internacional, o Palácio do Planalto determinou à AGU (Advocacia Geral da União) que mantenha na gaveta as propostas de mudanças na legislação para restringir a compra de terras por estrangeiros no país.
O argumento para segurar pelo menos por ora essas medidas é que, num momento de escassez de crédito e de contenção de recursos, o governo não pode vetar ou restringir a entrada de qualquer tipo de investimento internacional.
Urgentes até outro dia, quando a chamada "estrangeirização" das terras do país era apontada como uma espécie de ameaça à soberania nacional, as medidas estão prontas e paradas na mesa do ministro José Dias Toffoli (AGU) desde o início de setembro, dias antes do estouro da crise internacional.
O que preocupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não são apenas os efeitos técnicos e práticos dessas medidas mas o simbolismo de, neste momento, ser visto no exterior como um país que despreza investimentos estrangeiros.
Nas mãos de Toffoli, há dois mecanismos jurídicos. O primeiro deles, e que cabe diretamente ao advogado-geral da União, é a revogação de um parecer emitido em 1997 pelo órgão. Ele diz que, na lei nº 5.709, de 1971, o parágrafo que faz restrição às pessoas jurídicas brasileiras controladas por capital estrangeiro não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e, portanto, estaria revogado.
Agora, a AGU mudou de opinião. O consultor-geral do órgão, Ronaldo Jorge, concluiu que esse parágrafo foi recepcionado pela Constituição de 1988 e que o parecer de 1997 é que precisa ser revogado. Essa canetada de Toffoli, porém, depende do aval de Lula.
Desde que a crise econômica veio à tona, Lula tem se mostrado resistente a mudanças antes dadas como certas e que poderiam inibir investimentos. Além da medida da terra, ele adiou o anúncio das regras do zoneamento da cana, mecanismo acordado entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente para impedir o avanço da cultura na Amazônia.
Segundo a legislação em vigor, a aquisição de terra está vedada a pessoa física estrangeira não residente no país e a pessoas jurídicas não autorizadas a funcionar no Brasil. Além disso, a compra está limitada a pessoas físicas estrangeiras residentes no país e a pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.
Com o parecer de 1997 da AGU ainda em vigor, não há limite para pessoas jurídicas brasileiras com a maioria de suas ações com direito a voto controlada por estrangeiros.
Não há como quantificar o volume de recursos que deixará de entrar no país caso esse parecer seja de fato revogado. Um dos setores que poderiam ser atingidos é o de celulose, com suas vastas plantações de eucaliptos, em que é grande a atuação de estrangeiros.
Reportagem de julho da Folha mostrou que, segundo dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), fazendeiros e investidores estrangeiros compram ao menos 0,5 quilômetro quadrado de terras brasileiras a cada hora, o que, ao final de um dia, significa 12 quilômetros quadrados legalmente em mãos de pessoas físicas ou jurídicas de outras nacionalidades. Na época, havia 40,3 mil quilômetros quadrados legalmente sob o controle de estrangeiros -o que não inclui as empresas brasileiras controladas por pessoas de outros países.
O segundo mecanismo jurídico, parado no governo, é um projeto de lei sobre o tema a ser encaminhado ao Congresso. Ainda incipiente, o texto trataria não apenas da compra de terras por estrangeiros mas também de limites fundiários para brasileiros.
(Folha de São Paulo, Página Rural, 24/11/2008)