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extinção de espécies
2008-11-24

Depois de encomendar a cerca de 300 pesquisadores brasileiros a elaboração de uma lista vermelha com espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, o Ministério do Meio Ambiente resolveu retirar um grupo delas da edição oficial do levantamento, o que provocou revolta na comunidade cientifica.  Concluído há cinco anos, o inventário sobre os peixes, moluscos e invertebrados tinha sido inicialmente definido em uma instrução normativa ministerial de maio de 2005, modificada por outras duas decisões do governo - em julho e novembro do mesmo ano.  As alterações foram feitas para atender a demanda da indústria pesqueira (veja abaixo).  O levantamento sobre a flora em risco, concluído há dois anos, também foi modificado.  De um grupo com 1.495 espécies identificadas pelos pesquisadores, apenas 472 foram consideradas oficialmente ameaçadas.

Há pouco mais de duas semanas, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, convocou uma solenidade para lançar a edição impressa dos dois volumes do Livro vermelho das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção.  O que não foi divulgado é que a publicação não contemplou todo o estudo feito pelos especialistas.  Foram excluídos da relação peixes em risco, como tubarões, ciobas e alguns crustáceos.

O governo prepara agora a edição de um segundo livro, sobre a flora ameaçada.  Elaboradas sob a coordenação da Fundação Biodiversitas, contando com a participação de especialistas com reconhecimento internacional, as listas foram inteiramente desfiguradas pela cúpula dos ministérios do Meio Ambiente e da Secretaria Especial Extraordinário de Abastecimento e Pesca (Seap).  "O Ministério contratou o trabalho, desconsiderou o resultado de muitos cientistas e jogou fora o diagnóstico.  Não é essa a nossa lista", protesta Glaucia Drumond, diretora técnica do Biodiversitas e uma das autoras do levantamento.

Critérios não reconhecidos
Apesar de ter em mãos um trabalho minucioso sobre os animais e plantas brasileiros ameaçados, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e os principais assessores do Ministério do Meio Ambiente criaram suas próprias regras para considerar o grau de risco de cada espécie.  O ordenamento oficial do governo não é reconhecido pela comunidade científica brasileira nem pode ser utilizado na discussão e elaboração de acordos internacionais de preservação da natureza.

A lista de plantas brasileiras ameaçadas de extinção seguindo os critérios da União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN) contém 1.537 espécies.  O trabalho da Biodiversitas analisou mais de 5 mil espécies vegetais, muitas delas encontradas em unidades de conservação.  Para definir a retirada das plantas em risco, os técnicos do governo demoraram um ano.

Entre as plantas apontadas pelos cientistas como ameaçadas está o gravatá (Aechinea gustavoi).  Localizada com dificuldade na Mata Atlântica da Região Nordeste, a planta de regeneração difícil foi encontrada pelos pesquisadores em locais degradados.  Por isso, foi classificada como em perigo de extinção.  O governo, no entanto, considerou que não havia informações suficientes para enquadrá-la nesta categoria.  Outra planta ignorada na relação oficial é a orquídea catléia (Cattleya walkeriana), considerada "vulnerável" pelos pesquisadores.

No caso da flora, o governo também criou uma nova categoria para classificar as plantas supostamente sem informações precisas sobre a sua incidência na natureza e a sua reprodução, mas em risco de extinção.  Essa classificação também não é reconhecida pela comunidade científica internacional.  Os pesquisadores da Biodiversitas estranham que as informações colhidas em campo tenham sido desprezadas pelo MMA sem maiores explicações.

Para os cientistas, a retirada de plantas ameaçadas de extinção da lista oficial vai dificultar a definição de políticas de preservação das espécies e pesquisas universitárias.  Sem saber se uma planta está ou não em extinção, os institutos científicos e o próprio governo não podem elaborar seus projetos de manejo e de recuperação de espécies em risco.  Essa indefinição sobre as plantas pode provocar o desaparecimento de muitas delas, que correm o risco de acabar submersas em reservatórios de usinas ou destruídas por estradas e empreendimentos privados, como mineração ou atividades de agropecuária.  (LR)

Opção por monitoramento
A retirada de cinco espécies de peixes da lista de animais brasileiros em risco de extinção atendeu os interesses do setor pesqueiro privado e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca(Seap).  Um parecer do professor Fábio Hazin, titular da Universidade Federal Rural de Pernambuco, reforçou os argumentos da então cúpula do Ministério do Meio Ambiente, que aceitou excluir a cioba, três tipos de tubarões e o búzio-de-chapéu da relação.  Convidado oficialmente em 2004 pelo governo para participar da reunião do comitê técnico que definiu a retirada dos peixes do inventário elaborado pela Fundação Biodiversitas, o professor não revelou que sua família é dona de uma empresa de barcos de pesca no Rio Grande do Norte.

O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação(ICMBio), Rômulo Mello, participou das reuniões que definiram a retirada dos peixes, crustáceos e mariscos considerados importantes na atividade pesqueira da lista.  As espécies foram colocadas em uma categoria chamada de sobre-explotados (apanhados em grande quantidade).  A classificação não é reconhecida pela comunidade científica internacional nem pela Fundação Biodiversitas.  Na ocasião, Mello era presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e um dos principais assessores da ex-ministra Marina Silva, responsável pela instrução normativa que modificou o inventário inicial feito pelos cientistas.  "Reconheço o problema, mas o tratamento a ser dado à situação não é a criminalização do pescador e sim o controle do estoque", explica Mello.

Caranguejo
Segundo ele, a capacidade de recuperação da população foi um dos argumentos para a retirada de crustáceos como o guaiamum e o caranguejo-uçá da lista dos ameaçados.  A opção do governo foi monitorar a reprodução.  Mello acredita que a decretação de períodos em que a pesca fica suspensa é suficiente para evitar a extinção.  A exploração de alguns mariscos como o búzio-de-chapéu, por exemplo, continua permitida.  Segundo a Seap, não havia informações científicas suficientes para que o animal fosse considerado em risco de extinção.

No caso da cioba, também conhecida como caranha ou vermelho, a decisão de permitir a pesca foi porque a situação da população não era crítica.  No caso dos tubarões, o monitoramento da capacidade reprodutiva da espécie foi considerado suficiente pelos técnicos.  "O governo deixou de aplicar o princípio da precaução, fundamental quando os pesquisadores têm dúvida ou pouca informação sobre o comportamento de determinado animal", critica o professor Ricardo Rosa, da Universidade Federal da Paraíba, um dos maiores especialistas no assunto.  (LR)

(Por Leonel da Rocha, Correio Braziliense, FGV, 24/11/2008)


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