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2008-11-24
Com o abalo causado pela crise econômica mundial, decorrente de um modelo de crescimento explorado há décadas, olhar o desenvolvimento a partir de uma nova perspectiva passou a ser uma atitude necessária para a sobrevivência financeira de países e empresas. Nesse contexto, o velho PIB começa a perder espaço para índices alternativos que compreendem não apenas questões econômico-financeiras, mas também sociais e ambientais. Hoje já se tem a experiência de um FIB (Índice de Felicidade Interna Bruta) e até de um RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano).

Segundo Michael Pennock, coordenador das Nações Unidas para o desenvolvimento do FIB no Butão e coordenador da colaboração internacional para a implantação do índice, repensar o modelo econômico predominante é inevitável neste momento de grandes dúvidas. “A crise realmente abalou esse modelo no qual tudo o que importa é a geração de riqueza. Se essa produção excessiva gerou bolhas financeiras e afundou é porque há algo errado com o que criamos”, avaliou Pennock, durante encontro de sustentabilidade, realizado na última semana de outubro, no Banco Real.

De acordo Karma Dasho Ura, membro da comissão do FIB do Ministério de Planejamento do Butão, muitas vezes a disputa entre setores e a diferença entre as diversas estruturas existentes impossibilitam a composição de um índice que englobe a sociedade como um todo, revelando o estado geral da população e suas expectativas. Indicadores como o PIB, além de não serem abrangentes o suficiente - destaca Ura - apresentam deficiências como a falta de índices quantitativos, a não mensuração do capital natural, humano e social, e a indiferença às desigualdades sociais.

Segundo Pennock, dados dos últimos anos indicam que o crescimento dos países não foi acompanhado pela satisfação geral de seus habitantes, o que contradiz a idéia de que prosperidade econômica está associada à felicidade, e evidenciam a relação frágil entre os dois aspectos.

Progresso coletivo
Para suprir as lacunas do PIB, novos indicadores têm sido criados considerando a opinião de pessoas e organizações da sociedade civil na concepção de políticas públicas.

Um exemplo é o Índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), que aposta em uma estrutura unificada e integra padrões subjetivos em seu cálculo. Criado há cerca de 30 anos, no Butão, o FIB recebeu forte influência da espiritualidade local e da integração comunitária em sua concepção. A experiência de sucesso nesse pequeno país, localizado entre a China e a Índia, vem estimulando outras nações a repensar os seus próprios valores.

De acordo com Susan Andrews, coordenadora do FIB no Brasil, para superar momentos de crise é necessário que as comunidades globais estejam unidas na busca de um ideal de colaboração. Do contrário, podem enfrentar grandes riscos. “Vários estudos sobre civilizações em crise indicam que dois fatores são fundamentais para superar essa situação: a visão de liderança e a cooperação popular. Acredito que os países que perderam a sua vitalidade comunitária terão sérios prejuízos”, aponta a coordenadora.

Segundo Rinzin Dorje, chefe de planejamento da comissão do FIB no Butão, o estimulo à integração da sociedade é uma ação básica para a disseminação de novos indicadores. “Os princípios da interdependência são muito importantes e tiveram grande influência no contexto do FIB. Não basta apenas falar sobre felicidade, mas sobre compartilhar valores”, ressalta Dorje.

Outro método de avaliação inovador, que está sendo desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH). O PNUD pretende elaborar um documento útil para a tomada de decisões e a gestão de diversos setores, uma espécie de instrumento para suscitar a discussão dos temas que mais afetam a vida dos brasileiros.

Um dos objetivos do RDH consiste em superar a chamada cultura de gabinete que persiste no Brasil, segundo a qual todas as decisões são tomadas por poucos indivíduos – que, na maioria das vezes, não compreendem de forma ampla os problemas das comunidades.

“O que estamos tentando com o relatório é passar a idéia de que o desenvolvimento precisa de informação, comunicação e uma estratégia para estimular o debate público. O desenvolvimento humano precisa de uma direção normativa, que tem a ver com valores considerados importantes pelas pessoas”, avalia Flávio Comim, coordenador do RDH PNUD.

No último dia 10 de novembro, realizou-se a primeira audiência pública do programa Brasil Ponto a Ponto para a elaboração do relatório. Entre novembro e dezembro, ocorrerão encontros semelhantes em outras regiões, incluindo as principais capitais e os dez municípios com o pior de IDH do País.

Por meio de consulta pública, a equipe do RDH elegerá um tema que dará origem a várias publicações. Com o intuito de estimular a discussão brasileira sobre como se pode melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o material abordará desde um diagnóstico geral até as possíveis soluções para a questão selecionada.

O papel do setor privado
O envolvimento das corporações com a qualidade de vida da comunidade é uma questão diretamente relacionada ao desempenho dos negócios. De acordo com Pennock, as finanças e a satisfação geral são aspectos que geram impactos recíprocos. “As condições econômicas obviamente afetam o bem-estar coletivo. Por outro lado, o bem-estar impacta a economia porque pessoas mais felizes, que se sentem bem, são muito mais produtivas, criativas e trabalham melhor do que as outras”, destaca o coordenador.

Ações focadas na preservação de locais de trabalho, voltadas para a saúde dos funcionários e das comunidades, constituem importantes ativos intangíveis. As parcerias com empresas, segundo Comim, são imprescindíveis no processo de formulação e expansão dos novos conceitos. “O setor sempre ousa, é um laboratório de idéias, faz projetos que muitas vezes governos não realizam por falta de condições. Devido a esse elemento de inovação, as companhias representam uma parceria fundamental”.

Além disso, a governança corporativa também tem se mostrado um aspecto central nesse cenário. De acordo com os pressupostos do índice de Felicidade Interna Bruta, lideranças de todos os setores devem buscar o bem-estar geral por meio da promoção dos direitos humanos e da equidade social. O equilíbrio entre aspectos como trabalho, lazer, educação e um padrão de vida mais igualitário gera melhores profissionais e líderes de negócios.

Para Pennock, cabe às empresas oferecer apoio aos seus funcionários e às suas comunidades. “As corporações podem olhar para a criação de políticas e programas que dêem suporte aos empregados e à sociedade, promovendo a satisfação geral”, destaca.

Repensando o modelo econômico
Para Karma Ura, da comissão do FIB no Butão, o atual desafio para aqueles que buscam a implementação de novos índices está em expandir os conceitos para outras regiões, de modo que a combinação entre valores externos e internos - com o respeito a todas as opiniões - possa se revelar a medida ideal para o progresso. Essa necessidade de encontrar um modelo econômico alternativo focado em pessoas já mobiliza diversos setores.

Segundo Susan, o trabalho do FIB no Brasil, já em andamento, será desafiador. No entanto, os resultados obtidos até agora mostram um interesse crescente na organização de um novo pensamento. “Muitas pessoas, prefeituras e empresas estão interessadas na novidade. O velho paradigma de consumo, competição e materialismo não serve mais para um planeta em processo de autodestruição, que precisa de algo novo. Pelo progresso do FIB no Brasil, acredito que o País possa ser o segundo do mundo a implementar o medidor.”, ressalta a coordenadora. O próximo passo do programa será sua aplicação em uma prefeitura e uma empresa para a formulação de um case completo nos próximos seis meses.

Na opinião de Comim, coordenador do RDH, o processo de comunicação é uma etapa fundamental para a elaboração do relatório e dos indicadores do programa. Por meio de uma campanha informativa eficiente, o RDH pretende disseminar uma nova consciência participativa. “É claro que vamos encontrar dificuldades. Alguns vão dizer: ‘por que sair de casa para colaborar com um relatório? Não faz diferença nenhuma’. Mas é exatamente esse o desafio: mostrar que o RDH pode ser um instrumento para transformar idéias dos indivíduos e, posteriormente, tornar prático o conhecimento”, diz.

A próxima etapa do projeto, após sua publicação -enfatiza Comim- será encontrar formas de traduzir a linguagem acadêmica para que qualquer indivíduo tenha acesso aos resultados.

Preceitos básicos para o bem-estar segundo o FIB:

Acesso à cultura

Proteção ambiental

Vitalidade comunitária

Boa saúde

Educação de qualidade

Boa governança

Bom padrão de vida econômico

Gestão equilibrada do tempo

Etapas do Relatório de Desenvolvimento Humano:

1º caderno

Experiência de consulta pública, com as diversas opiniões obtidas durante as audiências pelo Brasil.

2º caderno

Diagnóstico do problema

3º caderno

Agenda positiva, propondo a reflexão sobre soluções para a questão selecionada.

4º caderno

Apresentação de Indicadores com o objetivo de estimular uma discussão brasileira sobre como melhorar o IDH.


(Por Cristina Tavelin, para a revista Idéia Socioambiental, Envolverde, 22/11/2008)


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