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carcinicultura
2008-11-21
Com o objetivo de denunciar a atividade de cultivo de camarão em cativeiro, movimentos sociais, fóruns, redes e articulações lançam nota que explicita 13 razões para dizer NÃO à carcinicultura

Porque a carcinicultura...

1. Propaga um falso discurso de emprego e renda: a chegada da carcinicultura é sempre acompanhada de promessas de geração de emprego e renda. No entanto, isso não se configura como realidade, uma vez que os empregos gerados são precarizados pela falta de formalização e exposição dos/as trabalhadores/as a jornadas de trabalho exaustivas. No Ceará, no máximo 1 pessoa é empregada para cada hectare de viveiro de camarão (mesmo assim, esse emprego é sazonal e precarizado).


2. Viola os direitos humanos: diante da resistência à expansão da carcinicultura, as comunidades sofrem violência física e psicológica. Casos de assassinatos e torturas, relacionados à atividade, já foram denunciados à justiça no Ceará e em outros estados.

3. Ameaça à saúde dos/as trabalhadores/as: o metabissulfito de sódio é um produto químico amplamente usado na despesca do camarão. Ao reagir com a água, o metabissulfito libera dióxido de enxofre (SO), gás que causa irritação na pele, nos olhos, na laringe e na traquéia. Esse é considerado um agente de insalubridade máxima pela Norma N. 15 do Ministério do Trabalho. Doenças respiratórias, de pele e óbitos provocados pela exposição ao produto já foram identificados no Ceará.

4. Ameaça à integridade dos manguezais: a carcinicultura é responsável por inúmeros impactos ambientais vinculados ao ecossistema manguezal, dentre os quais destacamos: desmatamento de mangue em mais de um quarto (26,9%) dos empreendimentos existentes no Ceará, artificialização dos canais de maré e das gamboas e bloqueio dos fluxos das águas, comprometendo o equilíbrio ecológico deste ecossistema.

5. Destrói os meios de trabalho das comunidades tradicionais: por afetar diretamente o ecossistema manguezal, a carcinicultura inviabiliza o exercício das atividades tradicionais como a mariscagem, a cata de caranguejo e a pesca, impactando fortemente as mulheres que realizam a mariscagem. Enquanto 1 hectare de fazenda de camarão emprega, no máximo, 1 pessoa, em cada hectare de manguezal preservado trabalham 10 famílias.

6. Ameaça à segurança alimentar: a implantação de viveiros em áreas de manguezal reduz a capacidade de produção de alimentos associada a esse ecossistema que funciona como berçário da vida marinha, local de alimentação, abrigo e reprodução para 75% das espécies pesqueiras que colaboram para a soberania alimentar e sustentam a produção de pescado do Brasil. Além disso, para produzir 30 toneladas de camarão, a carcinicultura consome 90 toneladas de peixes marinhos para fabricação de ração. Esta produção de camarão é destinada, em sua grande maioria, ao mercado internacional e, mais recentemente, para abastecer os mercados dos centros urbanos.

7. Agrava o racismo ambiental: a atividade gera lucros exorbitantes para uma minoria (formada, principalmente, por homens brancos e ricos) e danos para a população mais pobre (composta em sua maioria por descendentes de negros e indígenas) que vivem em comunidades tradicionais. Enquanto uma minoria se apropria dos benefícios do "crescimento", são externalizados ou transferidos à sociedade altos custos sociais e ambientais. Ou seja, a atividade proporciona luxo para os ricos e deixa para os pobres o lixo, os custos e os riscos da degradação ambiental.

8. Descumpre a legislação ambiental: a maior parte dos empreendimentos de carcinicultura, no Estado do Ceará, apresenta situação de irregularidade frente ao licenciamento ambiental, já que 51,8% dos empreendimentos em instalação, em operação ou desativados são irregulares.

9. Ocupa Áreas de Preservação Permanente - APP´s (Código Florestal Lei 4771/65 e Resolução CONAMA 303/02): a ocupação de APP´s é observada na maioria dos empreendimentos estabelecidos no Ceará, representando 79,5% das áreas onde esta atividade é desenvolvida.

10. Privatiza Terras da União: a implantação de viveiros de camarão normalmente é realizada em áreas que eram utilizadas para a pesca, mariscagem e uso de produtos da flora do mangue (cascas, tanino) por parte das comunidades tradicionais. No lugar destas atividades, a carcinicultura se introduz, tendo como marca principal a colocação de cercas em torno dos viveiros, impedindo o acesso de pescadores/as, agricultores/as, índios/as e marisqueiras às áreas ainda disponíveis para o extrativismo.

11. Contamina a água: o lançamento de águas, provenientes dos cultivos, no solo, nas gamboas e nos estuários é responsável pela contaminação do lençol freático e alteração da qualidade da água, ocasionando a mortandade de peixes e caranguejos. No Ceará, 77% dos empreendimentos não utilizam bacia de sedimentação (tratamento de água) e 86,1% não reciclam água. Além disso, muitos viveiros são construídos sobre aqüíferos, causando a salinização das águas, inutilizando-as para o consumo humano e destruindo as possibilidades da pequena agricultura ser desenvolvida pelas comunidades.

12. Privatiza e gera conflitos pelo uso das águas: segundo a FAO, para cultivar 1 Kg de camarão em cativeiro são necessários pelo menos 50 mil litros de água. Estima-se que as fazendas situadas no rio Jaguaribe consomem, anualmente, 58.874m/ha de água doce, vale dizer que essa demanda hídrica representa mais do que o consumo das principais culturas irrigadas do Baixo Jaguaribe (arroz e banana). No entanto, o valor cobrado aos carcinicultores pelo uso da água é de apenas 2% do valor real. Mesmo pagando tão pouco pela água, os empresários deste setor somam, atualmente, uma dívida de aproximadamente R$735.950,00 com a COGERH, alcançando um índice de 98% de inadimplência junto a este órgão.

13. Utiliza inadequadamente os recursos públicos: recursos que deveriam ser investidos na melhoria da qualidade de vida das populações são destinados ao desenvolvimento de uma atividade altamente predatória e socioambientalmente insustentável .Instituições financeiras como o Banco do Nordeste, Banco do Brasil e BNDES já disponibilizaram milhões de reais para os empreendimentos de carcinicultura. Em 2005, o Banco do Nordeste investiu R$ 59,4 milhões nesta atividade. Além do financiamento, os carcinicultores ainda recebem subsídios de água e desconto de 73% na tarifa de energia elétrica de 21h30 às 06h do dia seguinte.

POR ESSAS E OUTRAS RAZÕES, DIZEMOS NÃO À CARCINICULTURA

Atualmente, a carcinicultura vive uma grave crise econômica agravada por problemas ecológicos como o surgimento de doenças virais nos camarões cultivados, a exemplo da mionecrose muscular (Myonecrosis Infectious Vírus - IMNV). Esta crise reflete um ciclo produtivo de desenvolvimento caracterizado pela insustentabilidade, o que fez com que a atividade, antes apresentada como uma das mais lucrativas da economia brasileira, entrasse em colapso, num processo de decadência e falência, expresso, dentre outros fatores, no abandono dos viveiros: no Ceará, 70% das fazendas de camarão foram abandonadas. Mesmo diante dos fatos, o discurso hegemônico dos governos e poderes econômicos continua alardeando esta atividade como "motor de desenvolvimento".

* Assinam esta nota:

Articulação de Mulheres Pescadoras - AMP
Coletivo de Jovens Feministas - CJF
Escritório Frei Tito de Alencar
Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição das Águas do Rio São Francisco
Frente Popular Ecológica de Fortaleza
Fórum Cearense de Meio Ambiente - FORCEMA
Fórum Cearense de Mulheres - FCM
Fórum dos Pescadores e Pescadoras do Litoral Cearense - FPPLC
Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará - FDZCC
GT de Racismo Ambiental da Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Mangrove Action Project - MAP
Movimento Nacional dos Pescadores - MONAPE
Movimento dos Conselhos Populares
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra - MST
Rede de Advogados Populares - RENAP
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede de Educação Ambiental do Litoral Cearense - REALCE
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede MangueMar Brasil
Associação de Catadores e Marisqueiras do Cumbe, Aracati
Associação de Marisqueiras e Pescadores de Curral Velho, Acaraú
Associação dos Geógrafos Brasileiros - Fortaleza - AGB/Fortaleza
Associação Missão Tremembé
Centro Escola Mangue
Conselho Pastoral dos Pescadores - CPP/CE
Instituto Brasil Cidadão
Instituto Salsa-de-praia, ONG ambientalista da Praia do Francês - Marechal Deodoro - ALAGOAS
Instituto Terramar
Movimento cultural Arte Manha
Movimento Proparque
Organização de Desenvolvimento Sustentável e Comunitário - Barroso - MG
Projeto Historiando
Rede Cultural Bahia ao Extremo

(Adital, 19/11/2008)

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