A audiência pública realizada na Assembléia Legislativa sobre a mega-siderúrgica da Baosteel e Vale, em Anchieta, sul do Estado, como era de se esperar, não apresentou nenhuma informação nova ou relevante para o futuro da região. O tempo foi praticamente todo concedido a defensores do projeto, ficando a cargo de apenas duas pessoas mostrar os impactos negativos.
Com uma mesa composta em sua maioria por deputados governistas, o encontro se resumiu a relatos semelhantes entre membros que estiveram na comitiva que viajou à China, como já apresentado anteriormente.
Para o vice-presidente da Companhia Siderúrgica Vitória (CSV), Marcos Chiorbi (foto), foi destinado tempo de 20 minutos, usados para apresentar o projeto e as intenções dos chineses. Tempo igual tiveram a secretária estadual de Meio Ambiente, Maria da Glória Brito Abaurre, e o vice-governador Ricardo Ferraço (PSDB). Já os demais só puderam falar por cinco minutos.
A falta de um formato democrático já havia sido alertada pelo presidente do Grupo de Apoio ao Meio Ambiente (Gama), Bruno Fernandes, ao deputado Reginaldo Almeida (PSC), que propôs o encontro, mas sem providências. Permaneceu o modelo de sempre, que beneficia as indústrias poluidoras e o Executivo estadual, deixando os moradores sem o espaço devido para questionar.
De todas as pessoas que palestraram, coube apenas ao representante do Fórum de Entidades da Sociedade Civil Organizada do Litoral Sul, Carlos Humberto de Oliveira, e ao ambientalista e médico naturalista Marcos Ortiz demonstrar o real sentimento dos moradores e a tragédia ambiental, social e econômica que está programada para a região, com a chegada do Pólo de Ubu.
Carlos Humberto, que é vice-presidente do Programa de Interação e Apoio ao Meio Ambiente (Progaia), falou logo após o prefeito de Anchieta, Edival Petri (PSDB), rebatendo as afirmações favoráveis ao projeto colocadas por ele. É que o prefeito não só disse que o município está bem preparado para receber tal empreendimento, como afirmou que a população está um pouco ansiosa, defendendo veementemente a chegada da Baosteel, sempre apontando a parceria com o governo do Estado no processo.
“Os moradores de Anchieta não estão ansiosos, e sim desesperados. Basta ir a qualquer comunidade para saber. Essa situação é exatamente resultado da falta de transparência. O projeto vai somente potencializar os problemas que já existem na região, com a presença da Samarco, que quando chegou disse que contrataria 3 mil pessoas, e no final, foram 7 mil. A Baosteel está anunciando 15 mil pessoas, podemos colocar aí 60 mil, muito mais do que a população do município, de 24 mil moradores”, ressaltou.
Dos deputados estaduais, apenas dois expuseram sua opinião. O primeiro deles, Rodrigo Chamoun (PSB), que, como morador de Guarapari, se disse a par do processo, e defendeu a presença da Samarco. Em sua fala, chegou a comentar que a Baosteel teve chances de se instalar no Maranhão, e que o Estado não poderia perder essa oportunidade. Foi interrompido com um grito do público, que o informou corretamente da história: “Foi rejeitada!”
Já o petista Cláudio Vereza discordou do deputado e deixou claro que ainda tem muitas dúvidas sobre o projeto. Recordou como se deu o processo de instalação das grandes empresas na Grande Vitória, com o incômodo pó preto, que, devido à direção nordeste dos ventos, chegava à sua casa, em Vila Velha. Situação que permaneceu por décadas, e só recentemente, o Ministério Público Estadual (MPE) cobrou da Vale que instale medidas de minimização das emissões.
Vereza alertou que o Estado ainda não tem estudo epidemiológico que identifique os reais danos causados à saúde dos moradores, e nem há legislação específica sobre critérios para emissão de partículas, não tendo, então, como ocorrer fiscalização.
“Projetos como esse atraem a população, pois vendem idéia de emprego. Nossa capacidade de formar trabalhadores é insuficiente. Anchieta vai encher de gente, que vai acabar engrossando as favelas. Além disso, a siderúrgica vai produzir para exportação, portanto, o Estado não terá os recursos do ICMS, devido à Lei Kandir, que isenta as empresas exportadoras. Como a casa vai ser arrumada? Não estamos na China”, ponderou.
O ambientalista Marco Ortiz (foto) convidou os presentes a fazer uma reflexão. “São manobras para atropelar a vida. Emissões de enxofre, que vão causar chuva ácida, benzeno, que é cancerígeno, tudo que altera o sistema nervoso. Até quando o homem vai ser o rei do planeta? Quando será que certos governantes deixarão de ser prepotentes? Não há nação com desequilíbrio ambiental e social, que altera o ambiente e causa desordem. A paz não chegará por nenhum acordo de governo”, destacou.
Embora o vice-presidente do projeto tenha afirmado que a planta industrial da CSV, criada em outubro de 2007, esteja na fase de licenciamento ambiental, a secretária Maria da Glória Brito Abaurre (foto abaixo) fez questão de frisar que o processo ainda não começou. “O processo de licenciamento começa com o Termo de Referência, que o Espírito Santo submete à consulta pública. Nem isso começamos a fazer”.
Ela também elogiou os mecanismos usados pela Baosteel e a participação da comunidade, em sua visita à China. Segundo a secretária, o governo está na fase de fechamento da Avaliação Ambiental Estratégica, e que, posteriormente, serão realizadas quantas audiências públicas forem necessárias, junto à população.
Promessa reiterada pelo vice-governador. “Não repetiremos os erros do passado. A partir do momento em que tomarmos conhecimento formal do projeto, daremos início às conversas e debates com as comunidades”.
Na mesa de autoridades estiveram presentes, além do proponente, os deputados Paulo Foletto (PSB), Doutor Hércules (PMDB), Rodrigo Chamoun (PSB), Elcio Alvares (DEM), Claudio Vereza (PT), Dary Pagung (PRP), Paulo Roberto (PMN) e Doutor Wolmar (PDT). E ainda o vice-governador Ricardo Ferraço; os secretários de Estado Maria da Glória Abaurre (Meio Ambiente), César Colnago (Agricultura) e Givaldo Vieira (Trabalho e Assistência Social); o prefeito de Aracruz, Edival Petri, e o promotor de Justiça Marco Antônio Nogueira.
A CSV está orçada em R$ 10 bilhões. A Baosteel e a Vale são sócias no projeto, com 60% e 40%, respectivamente. A siderúrgica produzirá, inicialmente, 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano, destinadas a países com a própria China, Estados Unidos e Europa.
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Século Diário, 21/11/2008)