O Ministério Público Federal (MPF) em Uberlândia entrou com ação civil pública pedindo a interdição da mina de zinco da Votorantim Metais (antes Companhia Mineira de Metais) em Vazante, no noroeste de Minas Gerais. O caso será analisado pelo Judiciário, que poderá determinar ou não a suspensão das licenças do empreendimento, que opera há décadas no município.
Na ação, impetrada pelo procurador Cléber Eustáquio Neves na 3ª Vara Federal de Justiça, são citados como réus a prefeitura municipal, o estado de Minas Gerais, a União, a mineradora, o Departamento Nacional de Produção Mineral, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, além de João Bosco Silva e do empresário Antônio Ermírio de Moraes, ambos da Votorantim. O procedimento pode ser conferido aqui.
O município é afetado por impressionante rebaixamento de lençol freático que levou ao surgimento de mais de duas mil dolinas, uma espécie de cratera, esgotamento de nascentes, poços e córregos, além de apresentar elevados índices de contaminação de suas águas, que acabam no Rio São Francisco e tocam a área de influência do Aqüífero Guarani clique aqui e confira mapa.
Na ação, Neves pede a invalidação das licenças expedidas pelo Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais e de autorizações do Departamento Nacional de Produção Mineral, usadas para a extração de minério de zinco. Espera, ainda, o “pagamento de indenização pelo dano moral e material causado pela grave degradação ambiental e pelos danos à saúde decorrentes da atuação dolosa da Cia. Mineira de Metais e da Votorantim Metais Zinco, responsáveis pelo empreendimento”. O metal é usado basicamente para revestir chapas de aço de carrocerias de automóveis.
Procurada pela reportagem, a empresa alegou não ter sido comunicada oficialmente e não se pronunciou sobre sobre a ação civil pública.
Pelas ruas de Vazante
Mas essa história, como tantas outras, tem seus meandros. Quem chega ao pequeno município de Vazante, a 370 quilômetros de Brasília ou 580 quilômetros de Belo Horizonte, encontra ruas tranqüilas e limpas, gente acolhedora, festas e comidas interioranas. É o tipo de lugar onde ainda se avistam moradores conversando em frente às residências ou nas esquinas. Mas para acabar com qualquer roda de conversa, basta perguntar sobre os “buracos” que surgem há anos por lá, engolindo o chão e o que estiver acima dele. O assunto é tabu, talvez porque parcela significativa, cerca de mil empregos diretos, dos 19 mil habitantes trabalhe ou tenha parentes ou conhecidos na empresa.
Ambientalistas e pesquisadores indicam como principal causa do fenômeno o bombeamento de enormes quantidades de água subterrânea pela Votorantim Metais Zinco S.A., operando na região desde 1969. Nos anos 1990, as escavações chegaram fundo demais e a mina foi invadida pela água do lençol freático. Para desafogar o empreendimento, a saída foi bombear água. Atualmente, entre 5 mil e 6 mil metros cúbicos (m3) por hora, ou entre 5 e 6 milhões de litros a cada hora, são jogados para fora da mina. Uma piscina olímpica tem 2 milhões de litros de água. Sobre o espaço vazio deixado pela água, o chão sucumbe. A outorga do bombeamento é do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Palavra de cientista
Acompanhando o caso há duas décadas, o doutor em Engenharia de Minas pela École Nacional des Mines de Paris (França), Antônio Barboza de Oliveira, não tem dúvidas sobre o que está ocorrendo no município. Ele explica que o solo regional é rico em calcário (cárstico) e propício ao surgimento de dolinas. No entanto, o bombeamento de água acelerou e amplificou o problema, disse.
“Dolinas são um processo natural, mas aconteceriam de forma diferente do que ocorre na região, onde há um rebaixamento muito brusco do lençol freático. Não tenho dúvida de que o problema é provocado pelo bombeamento excessivo de água”, ressaltou o professor da PUC-Rio.
Ele também põe na ponta do lápis a quantidade de dolinas avaliadas em Vazante, onde elas podem aparecer em qualquer lugar. “Entre pequenas, médias e grandes, já passam de duas mil na região. Algumas não chegam a abrir um buraco no solo, apenas apresentam ondulação ou rebaixamento do terreno. Podem surgir a qualquer momento e em qualquer lugar”, explicou.
Nos dias em que a reportagem de O Eco circulou pelo município, logo após a eleição do candidato pró-mineradora Orlando Fialho (PP), dolinas foram avistadas no chão de várias fazendas e propriedades rurais. Também foram registradas por moradores em locais bem próximos do centro urbano. Na imagem logo acima, dolina foi registrada em dezembro de 2005, hoje coberta com terra.
Prejuízos no meio rural
Como a região é favorável ao fenômeno das dolinas, nada melhor do que falar com quem vive por lá há tempos. O fazendeiro Lázaro Ribeiro dos Santos, por exemplo, nasceu há 59 anos em Vazante, mas não lembra de tanto buraco no chão. “Via dolinas desde criança, mas agora elas surgem até na seca. Dos anos 90 para cá, piorou e muito”, disse.
Santos também reclamou de nascentes, poços e pequenos cursos d´água secando na região, como o Córrego Barroquinha. “Lá dava tocar uma roda d´água, agora faz anos que só tem água perto da nascente. A água não corre mais”, disse. “Até pastos estão secos, deixando os produtores rurais em prejuízo. Quando secar tudo, vou abandonar a fazenda e pronto. Esses grupos fortes dominam tudo, né?”, comentou, com seu jeitão mineiro.
Durante a ampliação da atividade mineradora em Vazante, ao menos dois cartões postais desapareceram. A Lagoa do Sucuri e o Poço Verde, pontos turísticos e de lazer para famílias do município, secaram.
Regiões de solo calcáreo costumam apresentar cavernas. Em Vazante não é diferente. Depois de Máquine, é o município mineiro com as maiores formações desse tipo. No entanto, muito pouco é aproveitado pelo turismo.
Produtores rurais ouvidos pela reportagem também comentaram sobre queda no valor da terra e até sobre vacas sumindo dentro da buraqueira. Conforme o advogado e produtor rural Marciano Borges de Melo, imóveis esburacados perdem preço e o trabalho no campo está ficando arriscado. “Meu filho estava 'campeando' a cavalo e deu de cara com uma, com 17 metros de profundidade. Quase caiu. E quando o gado cai dentro de uma dolina, se não morre na queda, pode morrer de fome ou de sede”, disse.Em sua fazenda, rampas têm sido feitas nas dolinas para facilitar a saída do gado. Vários fazendeiros acionaram a Justiça em busca de indenizações.
Poluição das águas
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) analisa águas na Bacia do Rio Paracatu desde 1997. No entanto, em junho de 2006 instalou medidores antes e depois do ponto onde a Votorantim Metais Zinco S.A. despeja rejeitos industriais.
As análises oficiais têm demonstrado índices de cádmio, zinco e outros poluentes em índices bem acima dos recomendados pela Resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Também há muita poluição por esgotos, já que Vazante ainda não trata esse tipo de resíduo. As medições ocorrem apenas com água superficial. Não são feitos testes com águas subterrâneas, de onde o município se abastece. O Rio Santa Catarina deságua no Paracatu, um dos afluentes do Rio São Francisco.
“Minas Gerais inteira está nessa situação (poluída). Todas as nascentes do São Francisco estão comprometidas, tanto do ponto de vista da cobertura florestal quanto do rebaixamento do lençol freático. O volume de água bombeada do subsolo já é maior que o previsto para as obras de transposição (do São Francisco)”, afirmou Antônio Barboza de Oliveira, doutor em Engenharia de Minas pela École Nacional des Mines de Paris (França) e professor da PUC-Rio.
Na ação civil pública, o procurador Cléber Neves destaca que a água bombeada do subsolo “é depositada em tanques para decantação e posteriormente lançadas no Rio Santa Catarina”. E ainda, “a Cia. Mineira de Metais, atualmente incorporada pela Votorantim Metais Zinco S/A, deu início a processo de degradação ambiental mediante o lançamento de água subterrânea no Rio Santa Catarina, com alto índice de turbidez, restando constatada a presença de chumbo, ferro, alumínio, manganês, cádmio, arsênio e zinco em quantidades bem acima do permitido pela legislação ambiental e por normas de proteção de proteção à saúde”.
A fada madrinha
A Votorantim Metais Zinco S.A. tem história longa e profunda com Vazante. É a maior empresa da região e principal fonte de impostos para o município, reconhecido como Capital do Zinco. Uma placa com essa informação está plantada às portas da cidade, logo à frente da imagem de Nossa Senhora da Lapa.
Reginaldo Alves Ferreira, da Associação Vazantense de Ecologia (Ave) conta que desde pequeno perambulava de bicicleta pela região e nunca topou com tantas dolinas. Ele usa como exemplo uma área de pastagem, onde quase 50 buracos surgiram nos últimos anos. “Passei a infância rodando de bicicleta e afirmo que as dolinas se intensificaram com a extração de zinco. Estão (a empresa) acelerando o processo”, disse.
Ele critica o emaranhado de laudos técnicos, documentos e autorizações oficiais usados pela mineradora para perpetuar aquela situação. “As autoridades não se interessam pelo problema. Em dois anos, passaram 12 promotores, seis delegados e quatro juízes por Vazante. Já fizemos (Ave) 48 denúncias contra administração pública, mas aqui não existe lei, não tem regra, não tem nada. A Votorantim é a fada madrinha da cidade”, comentou.
Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Vazante tem PIB (Produto Interno Bruto) girando em torno de R$ 210 mil. Desse total, mais de R$ 150 mil vêm da atividade industrial e do setor de serviços. Vazante e a mineradora cresceram juntas, em uma espécie de simbiose. Quem sobreviverá? A holding Votorantim Metais é a maior produtora de zinco das américas.
O procurador Cléber Neves, em sua ação civil pública, ressalta que “A Cia. Mineira de Metais foi, por diversas vezes, fiscalizada pelo IBAMA e outros órgãos ambientais, várias autuações foram lavradas, contudo, nada surtiu efeito. A empresa, movida por cupidez, promoveu o rebaixamento do lençol freático, com a conseqüente secagem de lagos e charcos. Ademais, essa empresa lança no ar grande quantidade de sólidos particulados que são lançados pela chaminé da área de processamento de calamina. Ou seja, sequer se demonstraram motivados em adquirir filtros eletrostáticos”.
Além disso, Neves comenta que “A situação é de tamanha gravidade que a fauna e a flora local estão irremediavelmente contaminadas por partículas de zinco e chumbo e outros materiais nocivos, fator causador da morte de centenas de animais, com reflexos irremediáveis para a saúde dos munícipes de Vazante”.
Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em maio de 2002, o gerente de Meio Ambiente da Votorantim Metais Zinco, Ricardo Barbosa dos Santos, afirmou, entre outros pontos, que "A empresa tem grande responsabilidade socioambiental na região de Vazante junto à comunidade. (...) Sobre o impacto ambiental, toda mineração causa, por si só, algum impacto. Acreditamos ser possível a convivência com a mitigação dos efeitos dos impactos. É assim que a mineração sobrevive. Não podemos partir do princípio de estar lavrando sem pensar no ambiental e no social. Tudo está muito ligado. Existe o problema ambiental. No entanto, a empresa tem envidado todos os esforços para resolvê-los, mitigá-los e até compensar os prejuízos causados". A transcrição da audiência, capitaneada pelo deputado Fernando Gaberia (PV/RJ), pode ser conferida aqui.
Vista como desastre ambiental de proporções bíblicas por ambientalistas e pesquisadores, a problemática de Vazante virou livro, Crateras da Cobiça, pelas mãos do jornalista José Carlos de Assis, e mereceu uma página na Internet, mantida por contrariados cidadãos vazantinos.
Na poeira dos fatos
Para conhecer um pouco da história e entender a situação de Vazante, deve-se mergulhar em Da visão da lapa ao minério, livro publicado em 1977 por Antônio de Oliveira Mello. Nas cerca de 200 páginas, descobre-se que o município nasceu atrelado à visão de Nossa Senhora da Lapa no interior de uma das muitas cavernas regionais, ainda pouco exploradas turisticamente. Caravanas religiosas anuais até hoje recorrem ao local. Já a descoberta dos minérios recai sobre o chileno Ângelo Custódio Solis (à esquerda na imagem ao lado, clique), chegado em Vazante em 1925. Ele despertava a curiosidade dos locais ao percorrer a região com sacos e ferramentas às costas. Em 1933, localizou as primeiras amostras de zinco. Tudo seguia no lombo de cavalos para ser testado em centros urbanos. O primeiro geólogo a confirmar o veio de zinco no município foi Alberto Inchausti Vellasco, do Grupo Votorantim. O subsolo regional também oferece chumbo, prata, cádmio, cobre e outros minerais. Hoje, um dos netos de Solis é advogado e ajuda a mover ações judiciais contra a mineradora.
(Por Aldem Bourscheit, OEco, 19/11/2008)