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poluente orgânico persistente poluição industrial
2008-11-21

Tenho falado muito sobre a zona costeira (ZC) em minhas colunas no site O Eco e quanto aos impactos humanos associados a sua ocupação desordenada. E ainda sobre a degradação de seus habitats e a perda irreparável e crônica de sua biodiversidade tropical. Um ambiente dinâmico, com alterações topográficas constantes devido a circulação da maré e às ações do vento, das ondas e do Homem. Sobre o transporte de sedimentos que provoca mudanças naturais na linha de costa. A ZC é uma fronteira geográfica formada por vários biomas, cujos recursos físicos, energéticos, biológicos e paisagísticos sustentam centenas de atividades industriais e comerciais. E que, mal e porcamente, mantém milhares de famílias que exploram seus recursos pesqueiros cada vez menos abundantes e, pior ainda, cada vez mais…contaminados!

Existem vários tipos de contaminação ambiental: química; sonora; estética e luminosa. A poluição química na ZC tem sido divulgada e discutida em diversas instâncias da sociedade, principalmente porque afeta a maioria da população brasileira que ocupa as bacias litorâneas. Infelizmente, é a regra da pimenta no “fiofó” dos outros. A contaminação no meio do oceano, lá na Latitude dos Cavalos, ou em Mar del Plata, fica longe da minha porta. Eu não tenho nada a ver com isso. Pensar assim não ajuda a resolver a contaminação marinha em escala global e de longo prazo. Vai nos afetar cedo ou tarde.

Acidentes com vazamentos de óleo e a contaminação crônica com pesticidas, nutrientes, detergentes e metais pesados oriundos de atividades industriais, agrícolas e urbanas ao longo de bacias de drenagem costeira parecem ser os mais comuns. Parecem, mas não são! O elenco de compostos químicos orgânicos usados na indústria farmacêutica e cosmética é tão prejudicial para nós quanto para a biodiversidade marinha.

Existe um coquetel de moléculas orgânicas com fórmulas complicadas, criadas e reproduzidas em laboratório, com nomes estranhos e complexos, que são tão ou mais diversos do que os compostos naturais que a bioquímica da natureza conseguiu evoluir. Esses POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes) formam um exército com mais de 10 mil substâncias patenteadas e usadas só na indústria cosmética. Na indústria médica e farmacêutica, o número deve ser muito maior. A maioria delas nunca foi testada pela vigilância sanitária de qualquer país e os poucos testes são resultado de políticas voluntárias das próprias empresas cujos resultados em seus laboratórios privados nunca foram contestados por órgãos reguladores do governo. Os POPs que não se degradam facilmente e acumulam-se na teia alimentar do ambiente contaminado.

O problema todo começa nas privadas e nos ralos das casas. Acontece, sobretudo, nos ambientes urbanos, com muita gente excretando moléculas orgânicas sintéticas. Tudo vai pro esgoto. Uma ligação oculta, subterrânea, mas muito eficiente entre as cidades e os lençóis freáticos adjacentes. Dependendo da declividade, após alguns anos as moléculas chegam no mar através da bacia de drenagem, que nada mais é do que a dimensão geográfica de um processo natural de escoamento da água dos continentes para suas margens costeiras, devido à ação constante da gravidade terrestre.

O sistema de abastecimento é um desvio artificial do ciclo hidrológico, feito para atender a demanda do uso doméstico, público e industrial. O passo seguinte é o sistema de esgotos, originalmente criado como uma tentativa de diluir o que não deve e que não pode ficar concentrado, por uma questão de saúde e mau cheiro.

Entretanto, nosso potencial de contaminação marinha vai mais longe do que isso. Elevados teores de cafeína foram detectados na água do mar em fiordes da Noruega, com certeza como resultado do consumo de café e chás por populações costeiras do norte da Europa. Do mesmo modo, a contaminação crônica com remédios e cosméticos do nosso quotidiano é cada vez mais preocupante uma vez que urinamos anualmente toneladas desses excessos de moléculas orgânicas não-metabolizadas.

Medicamentos
Os remédios mais consumidos nos grandes centros urbanos são antibióticos, antiinflamatórios, anticoncepcionais e antidepressivos.  Essas são as principais fontes de princípios ativos não metabolizados e que são expelidos pela urina e fezes. Espalham-se pelo sistema de esgoto, podendo retornar para o consumo humano. A contaminação de lagos e de rios com princípios ativos da indústria farmacêutica tem sido avaliada nas últimas décadas. Mas mesmo as tecnologias mais modernas de tratamento de efluentes municipais não são capazes de livrar a água da contaminação com coquetéis de POPs industriais. Os resultados são alarmantes.

Um artigo da revista Discover Magazine , publicado em dezembro de 2003 denunciou os altos níveis de fluoxetina, o princípio ativo do antidepressivo Prozac, em bagres e outros peixes de rios afetados por afluentes municipais próximos a cidade de Dallas, Texas (Estados Unidos).

No início desse ano, saiu um artigo no jornal americano Los Angeles Times  mencionando pesquisas nos Estados Unidos e Canadá sobre o alto nível de concentração de hormônios femininos (estrógeno), oriundos de anticoncepcionais, em tecidos de peixes. Mais de 90% dos machos de uma espécie de lingüado começaram a ovular (coisa de fêmea, certo?!). A “feminilização” dos machos é grave do ponto de vista ambiental e sócio-econômico, pois a população pára de se reproduzir com quantidades mínimas do princípio ativo. O artigo menciona a impossibilidade de tratamentos de esgoto em nível primário eliminar a maior parte desses compostos.

Quase todo mundo toma ou já tomou alguma dessas categorias de remédios. Como o tratamento de esgoto em nível primário é o principal (pra não dizer o único) nível de tratamento de efluentes municipais no Brasil, me pergunto como será que está o grau de contaminação da costa brasileira com POPs? Pense bem, cerca de 60% de nossa população, algo em torno de 100 milhões de pessoas, vive na zona costeira com enorme potencial de contaminação crônica pelo consumo e eliminação diária de resíduos desses produtos através da urina.

Cosméticos e higiene pessoal
Você já ouviu falar em Tetradibutyl Pentaerythrityl Hydroxyhydrocinnammate? É um composto orgânico usado no sabonete que você usa todos os dias. De acordo com a base de dados do Grupo de Trabalho Ambiental americano SkinDeep, é uma substância de baixo risco para a saúde humana. No entanto, de acordo com a mesma base de dados essa aparente baixa periculosidade esta mais associada à falta de pesquisa sobre o produto.

E o Dióxido de Titânio? Esse pode causar câncer, provocar alergias e deficiência imunológica, além de prejudicar o metabolismo digestivo, respiratório e cardiovascular. Diariamente, milhões de pessoas consomem toneladas de pasta de dente, sabonetes e xampus cuja composição, normalmente escrita com letrinhas pequenas e em inglês, sempre tem um produto com propriedades cancerígenas e persistência ambiental, com capacidade de acumular na teia alimentar. São substâncias com ação cancerígena.

O crescimento populacional demanda muitas coisas além de energia, comida e habitação. Somos seduzidos por uma infinidade de produtos cosméticos dispostos nas prateleiras dos supermercados. Nos lavamos, nos perfumamos e nos lambuzamos diariamente com sabonetes e xampus (que nada mais são do que sabão perfumado), pasta de dentes e cremes hidratantes com abrasivos microscópicos, alvejantes químicos e essências cuja origem natural do produto é duvidosa, para não dizer caluniosa.

Eu não confiaria em nada que diga “manter fora do alcance das crianças”. Os produtos de limpeza alertam pra isso. Mas os cosméticos e produtos de higiene pessoal também. Nas embalagens sempre está escrito que o produto vem de essências naturais, que vai deixar sua pele macia e hidratada etc. Mas no fim está sempre escrito em letras bem miudinhas que é pra “manter fora do alcance das crianças”. Ora, que hipocrisia é essa?! Se é essa maravilha toda, porque manter fora do alcance das crianças? Se é perigoso para as crianças é perigoso para qualquer um, certo? Sem falar do potencial de contaminação ambiental. Ou seja, compre e leve pra sua casa. Daí em diante, o problema é seu. Todos somos responsáveis por aceitar essas regras, do mundo civilizado e contaminado.

Sim, individualmente somos responsáveis por todo essa contaminação com princípios ativos testados apenas parcialmente em ratinhos de laboratório, sem saber seus reais efeitos na natureza ao nosso redor. Coletivamente, o resultado é preocupante. Tudo está se contaminando à nossa volta e o ponto final desses resíduos orgânicos artificiais é o mar.

Diariamente, chega na ZC o maior elenco de substâncias derivadas da presença humana no planeta. Todo resquício de substâncias dissolvidas na água doce, que a força da gravidade pode levar em direção à costa. Uma solução paliativa e perigosa quando se pensa em escalas ambientais de tempo e espaço veja o artigo Diluição não é solução. A drenagem envolve milhões de metros cúbicos de água que passam pelas cidades anualmente. Esse volume, assim como o dos oceanos, nos dão a falsa sensação de nos livrarmos do problema. Isso até poderia ser verdade, não fosse pelas propriedades persistentes e reativas desses compostos, aumentando as chances de serem adsorvidos em partículas orgânicas e em micro-organismos da base da pirâmide alimentar. Pouco a pouco vão subindo de nível, estacionando em animais no topo da pirâmide alimentar, dissolvendo-se em suas gorduras, alterando seus hormônios, seu metabolismo e sua capacidade reprodutiva. Sem falar nas inúmeras possibilidades de doenças imunológicas, câncer e má formação congênita de seus descendentes.

A tabela acima é apenas um amostra irrisória de todos os POPs usados em cosmética e higiene pessoal. Sem querer preocupá-lo (a), eu sugiro que após ler esse artigo você perca um pouco do seu tempo e acesse o banco de dados do SkinDeep. Vá até o banheiro e selecione qualquer produto de higiene pessoal. Faça uma lista com o nome dos compostos químicos descritos na “composição” do seu sabonete, xampu ou pasta de dente preferidos. Veja a capacidade que cada um tem de produzir algum mal à saúde e seu potencial de acúmulo no meio ambiente.

São todos produtos que eu, você e todos nós usamos indiscriminadamente todos os dias desde a Revolução Química Industrial, após a Segunda Guerra. São décadas de uso constante. Talvez os POPs não sejam as causas diretas de muitos problemas de saúde que nós e os animais marinhos sofrem, ou que ainda sofrerão. Mas com certeza são mais uma herança que deixaremos para o banco de contaminantes da biodiversidade marinha. Corremos o risco de nos tornar uma sociedade intoxicada por nosso próprio veneno em frascos fálicos e potes cheirosos, marcando diariamente nossos territórios com urina contaminada.

(Por Frederico Brandini, OEco, 20/11/2008)


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