O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, não conseguiu, em audiência na Câmara dos Deputados, convencer a maioria dos deputados da necessidade de portarias recentes que criam grupos técnicos para identificar e delimitar terras indígenas supostamente pertencentes aos índios guaranis em Mato Grosso do Sul. As áreas englobadas pelas portarias do órgão somam aproximadamente 7 milhões de hectares, abrangendo 26 municípios, localizados, em sua maioria, na fronteira com o Paraguai. Cerca de 40 mil indígenas viveriam na região.
Meira, que participou nesta quarta-feira de debate promovido pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, informou que os estudos respondem a uma reivindicação antiga dos guaranis de ampliação de suas terras tradicionais. "As portarias dizem respeito apenas aos estudos necessários para a demarcação. Elas não demarcam", disse o presidente.
Porém, para os deputados Dagoberto (PDT-MS) e Waldir Neves (PSDB-MS), que sugeriram a audiência, as portarias ameaçam a economia de Mato Grosso do Sul. "Esses 26 municípios bancam o estado com o agronegócio. Existem poucos índios nessa região e agora há índios do Paraguai que já estão indo para lá", afirmou Dagoberto. Já Waldir Neves disse acreditar na existência de interesses internacionais nas jazidas de fosfato existentes na região.
As opiniões dos dois deputados foram reforçadas por participantes do debate. O economista Normann Kalmus, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Economia e Finanças (Ibecon), afirmou que a economia do estado será diretamente prejudicada se houver a demarcação da região. Isso porque a área concentra a produção de oleaginosas e também a produção pecuária, além de abrigar fontes de água mineral e jazidas de minerais.
Por sua vez, o secretário-executivo da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul, José Alexandre Tranin, informou que as portarias abrangem região que corresponde a 21,48% do território de Mato Grosso do Sul, reunindo 1 milhão de hectares das plantações de soja do estado. As populações dos municípios afetados estão preocupadas e já se percebem efeitos como fuga de capitais, redução do emprego, suspensão do crédito e desvalorização da terra, segundo ele.
Legislação
O deputado Dagoberto já propôs a suspensão das seis portarias da Funai, editadas em julho, por meio do Projeto de Decreto Legislativo 797/08. Ele argumenta que elas não atendem às normas do processo administrativo de demarcação das terras indígenas, previstas no Decreto 1.775/96, e violam a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública.
Dagoberto diz que o processo de demarcação das terras indígenas deveria iniciar-se pela elaboração de laudo antropológico e pela identificação do grupo étnico que será beneficiado pelo processo de demarcação. Só após essa etapa é que a Funai poderia, segundo ele, instituir o grupo técnico especializado.
Já o presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários e Indígenas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Leôncio de Souza Brito Filho, argumentou que o Decreto 1.775/96 não trata de demarcação de terras particulares (no caso, as fazendas da região), mas de terras que povos indígenas tradicionalmente ocupam. "Com verbo no presente", ressaltou.
Segundo Márcio Meira, no entanto, as portarias não serão anuladas. O presidente explicou que a Funai está agindo conforme a legislação brasileira e, caso não tomasse essa atitude, poderia ser ajuizada pelo Ministério Público Federal. De qualquer forma, o trabalho dos grupos técnicos está suspenso até que a Funai apresente à comunidade um detalhamento dos objetivos do estudo, conforme foi acordado com o governo do Mato Grosso do Sul.
(Por Noéli Nobre, Agência Câmara, 19/11/2008)