Nada de novo se espera da audiência pública desta quarta-feira (19), na Assembléia Legislativa, sobre a implantação da mega-siderúrgica Baosteel e Vale, em Anchieta, sul do Estado. A própria programação do encontro deixa claro que o debate vai mostrar o que já tem sido divulgado: a viagem à China. A maioria dos convidados é a favor do empreendimento.
Proposta pelo deputado Reginaldo Almeida (PSC), que preside a Comissão de Defesa do Consumidor e Proteção ao Meio Ambiente da Casa, a audiência acontece no plenário Dirceu Cardoso.
Entre os convidados estão o governador Paulo Hartung, o vice-governador Ricardo Ferraço, todos os secretários de Estado, dirigentes de autarquias e órgãos, Ministério Público Estadual (MPE), prefeitos, vereadores, secretários dos municípios vizinhos a Anchieta e os membros das duas comitivas que estiveram na China.
Participam ainda a secretária estadual de Meio Ambiente, Maria da Glória Brito Abaurre; a diretora-presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Sueli Passoni Tonini, e representantes da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) e da Igreja Católica.
As entidades do sul do Estado não se dispuseram a comparecer em massa, devido ao fato de que já estão acostumadas a ver nesse tipo de encontro. Muito espaço para a empresa e os defensores do projeto, e quase nada de tempo dedicado aos moradores e ONGs.
Fora isso, existe um movimento pela participação de algumas pessoas de Anchieta, do grupo do prefeito Edival Petri (PSDB) – que defende o projeto -, com o intuito de mostrar que a comunidade não é contra o empreendimento, o que não condiz com a realidade.
Portanto, das principais ONGs que acompanham o desenrolar do processo desde o início, a presença somente de poucos membros do Fórum de Entidades do Sul do Espírito Santo, para defender os interesses dos moradores.
“Não tem como essa audiência debater o que realmente importa para a região. É a repetição do que já estamos acostumados a ver. Os membros das comitivas que foram à China falam mil maravilhas da Baosteel. E nós somos obrigados a apenas ouvir, já que não há e nunca houve diálogo com a comunidade”, ressaltou Ilda de Freitas, presidente do Programa de Apoio e Interação Ambiental (Progaia).
Para ela, as questões primordiais sempre deixam de ser respondidas. “Se o governo realmente tivesse interesse em estabelecer uma conversa com os moradores, teria criado instrumentos para isso, como o conselho de meio ambiente em Anchieta, que é uma reivindicação antiga, inclusive com conhecimento do Ministério Público Estadual (MPE), e que até hoje não existe, por nenhum motivo aparente, apenas falta de vontade”, apontou.
O Pólo de Ubu é mais um dos desejos pessoais do governador Paulo Hartung, que após receber críticas e sofrer pressões da Igreja Católica, recuou e tirou do principal defensor do empreendimento, o secretário de Desenvolvimento, Guilherme Dias, a responsabilidade de tratar o assunto, entrando no circuito o vice-governador, Ricardo Ferraço.
Foi Ferraço, inclusive, que comandou a primeira comitiva que esteve na China, formada por membros do círculo de relações de Hartung, e que voltou tecendo inúmeros elogios à empresa, sem sanar as dúvidas de moradores e nem apresentar os impactos ambientais, sociais e econômicos que o pólo causará à região.
Em seguida, outro grupo esteve no país, coordenado pela secretária Maria da Glória Brito Abaurre, com o mesmo intuito. Conhecer as instalações da Baosteel e tecnologias de controle ambiental usadas pelos chineses. O resultado dessa visita talvez seja a única novidade da audiência.
Há cinco anos a Vale e a Baosteel negociam a implantação de uma siderúrgica no Brasil. Fracassaram em duas tentativas iniciais, no Maranhão e em Volta Redonda (RJ), pois houve forte resistência da sociedade organizada local. Aqui, ao contrário, o governo do Estado recebeu de braços abertos o projeto de implantação, sem qualquer ressalva.
A meta dos chineses é produzir 5 milhões de toneladas/ano de placa de aço em sua primeira fase, com uma possível expansão da usina para assegurar a produção de 10 milhões de toneladas.
A região vivenciará os mesmos problemas registrados na Grande Vitória, com os projetos da ArcelorMittal (CST e Belgo) e Vale, que geram riqueza somente para as empresas, deixando miséria e degradação ambiental para a população. E nada vai deixar em impostos, pois goza de isenção fiscal. Em dez anos, a previsão é que o número de moradores de Anchieta passe de 21 mil para 45 mil habitantes. A região perderá sua principal vocação, o turismo.
(Por Manaira Medeiros, Século Diário, 19/11/2008)