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passivos de hidrelétricas mab hidrelétrica de estreito
2008-11-20
Após o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB) denunciar os responsáveis pela construção da Hidrelétrica de Estreito por violação dos direitos humanos, o Ministério da Justiça firmou o compromisso de enviar, no fim deste mês, uma comissão à fronteira entre os estados de Maranhão e Tocantins para verificar a procedência das acusações.

A informação é da coordenadora do movimento no estado do Tocantins, Valéria Pereira Santos, que acusa o governo de ter sido omisso quanto ao seu papel de cobrar o Consórcio Estreito de Energia (Ceste), responsável pelo projeto hidrelétrico de Estreito, pela garantia de suporte e compensação à população atingida pelas obras.

"O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e o Ceste têm falas muito parecidas.  É como se as empresas ditassem o que deve ser feito, não o governo", desabafou Valéria.

Ela ainda informou que os estudos usados como base para a permissão da construção das usinas hidrelétricas foi realizado por empresa ligada à corporação Camargo Corrêa, que faz parte do consórcio responsável pelo empreendimento.

Essa afirmação foi confirmada pela própria diretora de Socioeconomia do Ceste, Norma Pinto Villela, segundo a qual o Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da obra foi efetivado pela CNEC Engenharia S/A, mesma empresa criadora do Projeto Básico Ambiental do consórcio.

Valéria diz que o estudo que possibilitou a liberação das hidrelétricas é incompleto, enquanto o ideal seria que fosse realizada uma análise abrangente da bacia hidrográfica de Araguaia-Tocantins, capaz de avaliar com profundidade quais os reais impactos socioambientais do aproveitamento energético dessas águas.

Norma, do Ceste, admitiu que a construção das barragens vai gerar diversos impactos ambientais, mas garante que o consórcio planejou um conjunto de medidas compensatórias, que vêm sendo cumpridas.

As audiências públicas para decisão sobre a viabilidade das obras de Estreito, de acordo com a coordenadora do MAB, foram um processo de participação popular maquiado, em que só se fizeram presentes políticos e acadêmicos.  "A população diretamente interessada porque seria atingida pela obra não teve informação sobre as audiências", afirmou.

O MAB participou das audiências e fez manifestações contrárias à obra na época, mas o governo federal tem se posicionado, claramente, a favor dos empreendimentos hidrelétricos.  Diante disso, Valéria disse que seu movimento abandonou a luta impossível contra a obra para se dedicar à fiscalização de seu processo de construção até a conclusão, de modo a evitar que se violem os direitos humanos da população impactada.

"Concluímos que já não vale a pena tentar fazer parar uma obra que é apoiada pelo governo e, agora, tentamos animar o povo e mobilizar pessoas e organizações para que lutem por seus direitos", afirmou.  O movimento também pretende sensibilizar o governo para que enxergue a necessidade da participação popular na construção de um modelo de desenvolvimento econômico sem expropriação e exclusão.

Impactos da obra às aldeias indígenas
A obra de Estreito afeta indiretamente comunidades indígenas da região.  A cerca de 40 km do local da usina, no estado do Tocantins, vivem os povos Krahô (44 km) e Apinajé (40 km), no estado do Tocantins.  Já no Maranhão, as populações indígenas Gavião e Krikati estão há 150 km e 70 km da obra, respectivamente.

De acordo com Valéria, a principal conseqüência da construção da usina hidrelétrica de Estreito aos índios, que não terão suas terras alagadas, será o fim de suas formas de subsistência, atualmente baseadas na caça e na colheita decorrentes da fauna e da flora de áreas do cerrado certamente inundadas com a construção das barragens.

De acordo com Valéria, os indígenas próximos ao município maranhense de Carolina hoje se organizam numa associação de aproveitamento dos frutos colhidos no arredor da obra e terão essa alternativa de obtenção de renda arruinada pelo alagamento das áreas arborizadas.

"A obra também tirará os índios do convívio com animais cujo habitat será alagado, fazendo com que tais povos fiquem ilhados e impedidos de caçar", afirmou a coordenadora.  Ela também destacou que os povos indígenas terão de deixar de utilizar as águas do rio Tocantins, que serão poluídas com a implantação da hidrelétrica.

O consórcio responsável pela obra não inclui os indígenas entre os atingidos pela obra, no seu estudo de impactos ambientais e sociais.  A coordenadora do MAB afirma que, embora já se tenha alertado sobre a situação de povos excluídos do EIA/RIMA da obra, como índios, barraqueiros e pescadores, o consórcio nada fez a respeito.

Segundo a representante do Ceste, Norma, embora não existam povos indígenas nas proximidades da obra, foi criado um programa ambiental específico para a questão indígena, já submetido à Fundação Nacional do Índio (Funai) para apreciação.

"O Ceste também se prontificou a colaborar com a Funai para a criação de Grupos de Trabalho Timbira, visando à revisão dos limites das Terras Indígenas Kraolândia, Governador e Apinajé", garantiu a diretora de Socioeconomia do consórcio.

Compensações insuficientes
As comunidades reconhecidas pelo Ceste como impactadas pelo projeto de Estreito são: ribeirinhos e habitantes das cidades que serão, em parte, alagadas pela construção das barragens.

Ainda assim, a avaliação das pessoas afetadas foi feita com base em cadastro da população local datado de 2004, sendo que a partir dos anos de 2005 e 2006, muitas novas famílias passaram a viver na área, sem que fossem incluídas no plano de compensação.  "Isso não se justifica, já que a licença para o início das construções de hidrelétricas no rio Tocantins foi expedida em 2006, pedindo estudos que levassem em conta dados desse mesmo ano", afirmou Valéria.

Além disso, segundo a coordenadora, as indenizações já concedidas às famílias desalojadas por causa da obra variam entre 35 e 45 mil reais, quando deveriam valer muito mais.  "O cálculo das indenizações tem utilizado metodologia que só beneficia o consórcio.  Não se pode avaliar uma propriedade de cerca fechada, sem levar em conta os currais nela construídos, nem a produtividade de cada árvore existente no seu pomar", afirmou Valéria.

A preocupação se deve ao fato de que a mudança de uma família para nova propriedade implica em sua falta de rendimentos por um período considerável até que novas plantações rendam frutos.  De acordo com a coordenadora do MAB, o valor pago pelas empresas não tem levado em conta esse fator e as compensações financeiras tem sido insuficientes e impostas pela ameaça de que, caso os moradores da área não aceitem tal proposta, sua única saída será recorrer à Justiça.

"As comunidades são humildes e têm medo de recorrer ao Poder Judiciário.  As grandes empresas se aproveitam dessa fragilidade e não aplicam metodologia para cálculo de compensações igual para todos os atingidos.  O valor pago é proporcional ao grau de esclarecimento do indenizado", explica Valéria.

Norma, do Ceste, rebateu as acusações, dizendo que a avaliação das propriedades das famílias deslocadas é feita por meio de metodologia desenvolvida com base em normas brasileiras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).  Segundo ela, tais mecanismos possibilitam a avaliação de benfeitorias das propriedades como se fossem novas.

"Resultado disso é que, das negociações concluídas, aproximadamente 70% dos proprietários optaram pela indenização.  Os demais se dividem entre outras opções previstas pelo Plano de Remanejamento da População: cartas de crédito e reassentamento", argumentou.

Prejuízos da obra não se restringem às barragens
Valéria lembra que as comunidades locais não são impactas somente pela construção da hidrelétrica, mas também por outros empreendimentos decorrentes da demanda de modificações na infra-estrutura local gerada pela obra.

Ela ilustra a situação mencionando o dano atualmente sofrido pela comunidade maranhense de Farinha por causa do levantamento de uma rodovia que liga as cidades maranhenses de Estreito e Carolina, feito com o objetivo de se evitar que a estrada seja submersa, após as inundações provocadas pela hidrelétrica.  Outros impactos à população decorrem de mudanças nos sistemas de transmissão de energia e abastecimento de água da região, outras exigências da construção das barragens.

Segundo Valéria, há duas semanas, moradores da comunidade de Farinha ocuparam o escritório do Ceste e pararam as máquinas dos trabalhadores das obras na rodovia Estreito-Carolina em protesto.  A coordenadora informou que as famílias deslocadas de suas terras pela modificação da estrada foram indenizadas em apenas 2.800 reais por lote desapropriado.

Conseqüências à água e à ictiofauna do Tocantins Outro efeito da obra, segundo Valéria, é a poluição das águas do rio Tocantins.  O consórcio responsável pela usina se dispôs ao tratamento da água do lago que será formado pela construção da barragem durante alguns anos, o que, de acordo com ela, não resolverá a situação dos pescadores, que passarão a ter de pedir autorização para pescar nas águas, cuja propriedade passa a ser do Ceste.  Segundo a coordenadora, o processo para a liberalização da pesca em águas privadas pode levar até cinco anos.

Além disso, os peixes que poderão ser pescados após a alteração do fluxo das águas não serão os mesmos.  "Muitos peixes deixarão de existir porque não mais poderão se locomover até a cabeceira do rio para realizar a desova", afirmou Valéria.

Norma, do Ceste, afirmou que as hidrelétricas de Estreito não impedirão a continuidade da pesca na região e que o empreendimento mantém um Programa de Conservação da ictiofauna que, dentre outras ações, prevê a adequação da pesca profissional à nova realidade.  Ela diz que, por enquanto, o consórcio vem realizando pesquisas com vistas à caracterização da atividade pesqueira local e à avaliação do efeito da criação do reservatório aos estoques pesqueiros.

Mudanças para fauna e flora locais
A construção de barragens já levou ao deslocamento das áreas alagadas animais silvestres que ali viviam.  Quanto a esse aspecto, Valéria disse que a Universidade Federal do Tocantins (UFT) tem feito o remanejamento das espécies impactas para a reserva de Serra das Mesas, próxima ao empreendimento hidrelétrico de Estreito.

Além de ladeada por essa unidade de conservação do lado maranhense, a obra guarda proximidade com um sítio de árvores fossilizadas no Tocantins.  Indagada a respeito de eventuais ações do Ceste para amenizar os impactos que a construção da hidrelétrica pode causar a tais áreas, Norma disse que a usina não causará impactos e, pelo contrário, possibilitará o investimento em regularização fundiária, demarcação das terras, gestão e proteção das unidades de conservação, bem como desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo das reservas.

Quanto à informação da coordenadora do MAB de que as matas ciliares do Tocantins vêm sendo destruídas, Norma informou que o planejamento ambiental de Estreito prevê a recuperação ambiental de áreas degradadas pelas obras, a revegetação da faixa de proteção do reservatório e, ainda, inventário, resgate e conservação de recursos genéticos vegetais.

Desenvolvimento para uns, retrocesso para outros
De acordo com Valéria, muitas das pessoas que tiveram suas terras desapropriadas não conseguiram comprar novas propriedades com o valor pago pelo consórcio e se mudaram para a favela da cidade de Araguaína (TO).  "A maioria dessa população é de pescadores, que migraram para o espaço urbano após perderem seu emprego baseado na pesca", acrescentou.

No que diz respeito aos impactos a pescadores, extrativistas e camponeses que vivem na fronteira entre os dois estados, a diretora de Socioeconomida do Ceste afirmou que os estudos ambientais realizados pelo consórcio visam à manutenção do emprego e da renda de tais categorias, por meio do fomento às atividades produtivas locais.  "É importante esclarecer, entretanto, que a pesca, o extrativismo e a agropecuária continuarão sendo desenvolvidas na região sob influência da Usina de Estreito", deixou claro.

Em Estreito, onde cresceu o fluxo de pessoas, devido ao movimento migratório de trabalhadores empregados pela obra, segundo Valéria, aumentaram os casos de violência, uso de bebida alcoólica e problemas de saúde, que hoje tornam os serviços municipais, de atendimento médico e segurança, insuficientes.

Também conforme a coordenadora, a obra não trouxe emprego à população local, já que a maioria da mão-de-obra empregada na construção das hidrelétricas vem de estados, como: São Paulo, Bahia e Mato Grosso, onde há profissionais qualificados que se deslocam à região por período determinado.  "Há reclamações de desrespeito aos direitos trabalhistas desses trabalhadores temporários e, inclusive, os operários já fizeram uma greve neste ano", afirmou.

Valéria nasceu em Tocantins e assistiu às mudanças ocorridas na região desde o início da construção da ferrovia Norte-Sul.  Segundo ela, quando se compara o estado há dez anos com o seu cenário atual percebe-se que o ecossistema mudou e não houve melhoria de vida para a comunidade local.

O empreendimento hidrelétrico de Estreito
Um dos maiores projetos hidrelétricos atualmente desenvolvidos no Brasil, as usinas hidrelétricas de Estreito são construídas no rio Tocantins, entre os estados de Maranhão e Tocantins, no município de Estreito.

Prestes a completar seu segundo ano em fevereiro de 2009, a obra avança cada vez mais, sob a condução do consórcio responsável pelo empreendimento, o Ceste, formado pelas empresas: Camargo Corrêa (4.44%), ALCOA (25.49%), Vale (30%) e a belga Suez-Tractebel (40.07%),

A estimativa para o custo total da obra é de 2,5 bilhões de reais e a energia que se pretende gerar é de 1.087 MW.  As barragens no rio Tocantins devem ultrapassar 50 unidades entre grandes e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH's), sendo que 13 deles já foram concluídos.  O término da obra é previsto para 2010.

As cidades diretamente afetadas pela obra são: Estreito e Carolina, no estado do Maranhão, e Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Filadélfia, Goiatins, Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins, no Tocantins.

(Amazonia.org.br, 19/11/2008)

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