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impactos mudança climática
2008-11-19

Além de ter sofrido 60 anos de ocupação militar, a comunidade karen no sul da Birmânia agora também está em risco de perder seu patrimônio cultural e ambiental, alertam ativistas. A incrível riqueza e enorme biodiversidade deste país tem indicadores surpreendentes, como 11.700 espécies de plantas, entre elas uma coleção de 800 orquídeas, cem bambus, além de mil aves e 145 mamíferos que estão em risco de extinção no resto do mundo. Grande parte dessa biodiversidade fica no Estado de Karen, na fronteira com a Tailândia, agora assolado pelo confronto entre o Conselho de Estado para a Paz e o Desenvolvimento, nome oficial da junta militar, e os rebeldes separatistas da União Nacional Karen.

O conflito obrigou cerca de 500 mil pessoas a abandonarem suas casas nesse Estado. A maioria teve de fugir para a selva. A população civil é alvo do exército birmanes porque a junta tenta enfraquecer os separatistas restringindo suas provisões e o apoio que recebe da comunidade étnica karen. O meio ambiente também sofreu danos, segundo Paul Sein Twa, diretor da Rede de Ação Social e Ambiental Karen. As pessoas que fugiram para a selva dormem no chão em barracas de campanha. Não recebem assistência medica nem educacional e em sua maioria sofrem de desnutrição.

No distrito karen de Um Traw, cerca de 200 aldeias foram incendiadas ou destruídas desde 1997 e as terras agrícolas minadas, por isso cerca de 37 mil pessoas tiveram que procurar abrigo nas montanhas, segundo o informe “Diversidade degradada”, elaborada por pesquisadores dessa comunidade para a Rede. Além disso, cerca de cem mil pessoas tiveram de se esconder na fronteira tailandesa e há “literalmente milhões de refugiados econômicos na Tailândia, Malásia, Índia e em outros lugares”, disse o advogado ambientalista norte-americano Marty Bergoffen, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em Bangcoc. A Rede é uma organização de ativistas karen com sede na cidade tailandesa de Chiang-Mai, que trabalha com essa comunidade nos dois lados da fronteira.

As mulheres são as mais afetadas pelo conflito, do ponto de vista físico e por falta de trabalho no contexto das frágeis condições de segurança na fronteira, ressaltou Bergoffen. “A Tailândia não tem nenhum programa de longo prazo para os refugiados, por isso é muito difícil para os karen prever seu futuro”, afirmou. Para este advogado, a biodiversidade dos karen é o “eixo” de sua sobrevivência, agora ameaçada pela guerra. O exército colocou minas nos campos cultiváveis dos refugiados, por isso estes não podem voltar a trabalhar sua terra.

Há séculos os karen sobrevivem com um ciclo de rotação da terra de sete anos. Mas com as minas e a ocupação militar os agricultores devem se contentar com solos pobres que levam à superexploração da biodiversidade e do terreno. “Antes não plantava nas ladeiras nem na selva velha. Mas agora não sobrevivo se não fizer isso. Sei que não são lugares bons, mas tenho alternativa”, afirmou Ta Paw Der, um aldeão entrevistado para o estudo da Rede. Além da junta militar, os separatistas também são responsáveis por práticas não sustentáveis que atentam contra a biodiversidade: vendem madeira para comprar armas porque perdem terreno diante das ofensivas do exército.

O aumento da militarização já afetou muito o rinoceronte de Sumatra, em risco de extinção, disse a Rede. Além disso, os conhecimentos indígenas, transmitidos de forma oral de geração para geração, também poderiam desaparecer por causa desse conflito. Na aldeia de Ta Paw Der podia-se encontrar mais de 150 produtos florestais, entre eles mel, bambu, fungos, gengibre, raízes, tubérculos, nozes e frutas, mas agora não é fácil encontrá-los. Há mais de 40 espécies de animais e plantas em perigo de extinção pelo conflito na zona do rio Salween, diante da província tailandesa de Mãe Hong son, segundo outra pesquisa da Rede.

Mais de 20 espécies conhecidas, incluídas oito de peixes, foram identificadas pelo médico Chavalit Vidthayanon, do escritório tailandês do Fundo Mundial para a Natureza. O rio Salween mantém uma assombrosa biodiversidade e deveria ser mais estudado pelos cientistas internacionais, segundo o informe da Rede. Mas, um acordo entre Tailândia e Birmânia para construir uma represa de grande escala sobre o rio Salween poderia deixar muitas pessoas sem ter onde morar, além de apresentar conseqüências negativas sobre dezenas de milhares de pobres e marginalizados de suas comunidades étnicas.

Há cinco projetos de construção de hidrelétricas no rio Salween dos quais participam os governos da Birmânia, China e Tailândia. O que agrava as conseqüências acumulativas das represas. “Os karen dependem do ecossistema saudável do rio, incluídos peixes, produtos florestais, vegetação em volta da margem e transporte”, disse o ativista Ko Shwe, da Rede. “As represas projetadas arruinarão o ecossistema e o livre curso do iro, o que matará a selva e destruirá a vida de milhares de pessoas”, ressaltou.

A Birmânia tem vários projetos em curso e outros em fase de criação para construção de hidrelétricas, outros de exploração mineira e gás natural, em diferentes pontos de seu território, em associação com vários países como China, coréia do Sul, Índia e Tailândia. Um projeto chinês para construir uma central hidrelétrica de 600 megawatts no distrito de Shan apenas fornecerá à Birmânia 15% da eletricidade gerada. O restante será vendido à China a um preço não divulgado. Existem cerca de 69 multinacionais chinesas envolvidas em 90 projetos acabados, em curso e em preparação de represas, exploração mineira, gás natural e petróleo, segundo a organização EarthRights International.

“Vimos como muitas empresas estrangeiras vêm à Birmânia e não têm consideração com a população local nem com o meio ambiente”, afirmou o diretor-executivo dessa organização, Ka Hsaw Wa. “Pelos conhecimentos que temos no desenvolvimento de projetos neste país e devido à situação atual, nos preocupa esse aumento acentuado na quantidade” de construções de grande envergadura, disse. A organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, exortou outros países a boicotarem pedras preciosas birmanesas, cujo lucro vai para a junta militar. Além disso, ambientalistas denunciam que a extração indiscriminada de jade e rubis destrói a ecologia e os ecossistemas do norte do país. Mas, apesar desse chamado e da proibição dos Estados Unidos sobre as importações de rubis e jade da Birmânia, os traficantes alguém que seu lucrativo negócio tem compradores na China, Índia, Rússia, Tailândia e nos Estados Unidos, além de alguns paises do Golfo Pérsico ou Arábico.

(Por Keya Acharyha, IPS, Envolverde, 18/11/2008)


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