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trabalho escravo
2008-11-19
Salários não eram pagos regularmente e ninguém tinha carteira assinada nas duas propriedades fiscalizadas no interior do estado. Numa delas, houve flagrante de servidão por dívida e isolamento geográfico dos trabalhadores

Libertações do grupo móvel da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE-MT) tiraram 80 pessoas de situação análoga à de escravos. Três empreiteiras mantinham 69 operários de construção civil numa propriedade em Tapurah (MT), que fica a 320 km de Cuiabá. Os outros 11 libertados - incluindo um adolescente de 15 anos - estavam na Fazenda Santa Rita de Cássia, que fica em Juara (MT), a 700 km da capital do estado.

A ação na Fazenda Santa Rita de Cássia, propriedade de pecuária, teve início em 27 de outubro e foi motivada por uma denúncia de um trabalhador à SRTE/MT. As 11 pessoas faziam o "roço de juquira" (preparação do pasto para a criação extensiva de gado), além de montar cercas, operar motosserras para o desmatamento e exercer a função de boiadeiros. Eles vinham de regiões próximas à fazenda, e o funcionário mais antigo estava no local desde março deste ano. Os outros estavam há 15 dias no local.

Na propriedade, houve flagrante de servidão por dívida, prática prevista como crime no Artigo 149 do Código Penal: alimentação, ferramentas de trabalho e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) eram descontadas dos salários. Ninguém tinha carteira assinada. O pagamento era feito no final do serviço e, em conseqüência dos descontos, não chegava a um salário mínimo. A dificuldade de acesso ao local fez com que os fiscais também caracterizassem o isolamento geográfico dos trabalhadores.

Os empregados dormiam em barracos de lona e em uma pequena casa de madeira, ambos com chão de terra batida. Eles utilizavam a água de um poço para consumo diário. No local também não havia banheiros.

O empregador Fabiano Queiroz pagou os direitos trabalhistas dos libertados, incluindo dano moral individual. Fabiano assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT), proposto pela procuradora do Trabalho, Fernanda Estrela Guimarães, e pagou R$ 100 mil por dano moral coletivo, além de se comprometer a regularizar a situação.

Construção civil
A operação em Tapurah durou de 21 a 31 de outubro e também foi motivada pela denúncia de um trabalhador. Os fiscais flagraram 16 funcionários em um galpão, sem paredes laterais, com chão de terra batida. O local que abrigava as pessoas não tinha instalações sanitárias e as camas eram improvisadas. "Nem todos dormiam em beliches, alguns usavam um pedaço de madeira com um colchão para dormir e um pedaço do isopor como travesseiro", detalha Leonardo César Lima, auditor fiscal e coordenador da operação. "Eles tinham que dividir dois chuveiros e um banheiro. O outro grupo nem banheiro tinha".

A água consumida por todos vinha de um poço e há relatos de gente que ficou doente após consumi-la. A cantina fornecia as refeições para todos. "Alguns recebiam marmitas no alojamento para não perder tempo indo até a cantina", conta a procuradora Thalma Rosa de Almeida.

Os locais para alimentação não eram adequados, sem abrigos para proteção do sol ou da chuva. Alguns sentavam no chão para comer. "Os funcionários relataram que a comida era insuficiente para a quantidade de pessoas e muitos acabavam ficando com fome. Não eram feitos descontos nos salários pelo fornecimento da comida", adiciona Leonardo.

A maioria dos trabalhadores era do Maranhão. Eles estavam há um mês na fazenda e ainda estavam sem receber salário algum. Teriam o desconto da passagem até Tapurah efetuado no pagamento, o que é ilegal. Outros eram de regiões próximas e tinham recebido adiantamentos de modo irregular. Nenhum trabalhador tinha registro na carteira de trabalho. O contratante também não tinha a certidão liberatória, documento exigido pelo MTE para o transporte de trabalhadores de um estado para outro.

Foram lavrados 23 autos de infração e os trabalhadores receberam as verbas rescisórias devidas, que somaram R$ 130 mil, incluído o pagamento de indenização por danos individuais. A procuradora Thalma promoveu ainda a assinatura de três TACs entre as empreiteiras envolvidas. "Mas o dono da fazenda também foi autuado pelas condições de trabalho do local. A responsabilidade também é do proprietário que contratou a obra".

(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 19/11/2008)

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