Não chega a ser rara a queixa de setores produtivos segundo a qual os rigores da legislação ambiental estariam a impedir o exercício de suas atividades.
Agora, porém, a queixa inclui um item no mínimo curioso. Entidades que representam criadores de animais silvestres se agregaram em um manifesto onde afirmam categoricamente que vêm sendo vítimas de impedimentos não só contrários à legislação vigente no país, mas também à proposta de livrar várias espécies da extinção.
O manifesto foi construído no dia primeiro passado e batizado de “Carta de Jundiaí”, em alusão à cidade paulista onde ocorreu o encontro. Traz seis entidades signatárias - Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos (Abrase), pela Associação dos Criadores de Animais Silvestres do Centro-Oeste (Acasco), pelo Consórcio Brasileiro de Criatórios de Aves (CBRAS), pela Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos (Cobrap), pela Federação Brasileira dos Criadores de Pássaros (Febraps) e pela Federação de Criadores de Passeriformes Canoros do Estado do Rio de Janeiro (Feparj).
“A situação está muito difícil e por isso estamos criando um movimento organizado de todos os segmentos de fauna”, disse a AmbienteBrasil o advogado Allan Helber, que representa criadores e atua como um porta-voz do grupo.
O manifesto registra que, antes mesmo da colonização, os índios utilizavam várias espécies silvestres como animais de companhia, citando o livro Viagem pelo Brasil – 1817-1820, de Spix e Martius, viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil colonial, em que se lê: “Encontra-se freqüentemente o mutum domesticado nas casas dos índios”.
O manifesto coloca ainda que o brasileiro contemporâneo é culturalmente herdeiro dessa tradição e que a Constituição de 1988 vislumbrou aspectos ambientalmente desejáveis na criação de espécies da fauna nativa, daí estipular em seu art. 225: “incumbe ao Poder Público: [...] prover o manejo ecológico das espécies”.
“Enquanto diversos ecossistemas são degradados pela ação incessante das motosserras e dos pesticidas, uma parcela de brasileiros e de brasileiras atua anonimamente, no interior de suas casas e de seus ambientes de trabalho, para decifrar os hábitos alimentares de espécies da fauna nativa, para identificar as características de seu comportamento e, sobretudo, para descortinar a forma de seu acasalamento”, colocam as entidades.
“Esse trabalho tem produzido resultados. Há inúmeras espécies de psitacídeos que podem ser poupadas da extinção porque o homem hoje domina as técnicas de sua reprodução ex situ. O mesmo acontece com quelônios, passeriformes, serpentes, primatas, felídeos, falconiformes e outras espécies, que são proficuamente reproduzidas em criatórios legalizados por todo o País”, completam.
A Carta de Jundiaí prossegue afirmando que “numa absoluta inversão de valores, a entidade estatal - o Ibama - que deveria primar por garantir que a fauna nativa seja poupada da extinção vem, a cada dia, tornando mais difícil a sobrevivência desses criatórios. Os estorvos são tantos e tão variados, que os criadores passam, eles próprios, a correrem risco iminente de extinção...”.
O manifesto coloca ainda que a burocracia é incrementada ao extremo durante os trâmites dos processos administrativos para aprovação de projetos junto ao Ibama, “de modo que o incauto candidato a criador desista definitivamente de seu propósito”. As entidades classificam como “afirmação vergonhosamente falsa” a de que possuir consigo animais da fauna nativa é algo reprovável, criminoso.
Segundo elas, o ordenamento jurídico prevê a criação legalizada da fauna brasileira. “Aliás, a Constituição impõe ao Poder Público – obviamente inclui-se aí o IBAMA - o dever de prover o manejo ecológico das espécies nativas”, diz o manifesto, queixando-se de uma campanha nacional de proteção à fauna que, ao associar a criação de animais pelo homem ao tráfico de exemplares silvestres, “faz com que crianças e adolescentes confundam a atividade legal e o crime ambiental”.
Por fim, o manifesto antecipa que “este movimento organizado irá lutar em todas as frentes, usando todos os caminhos institucionais, extrajudiciais ou mesmo judiciais, para a defesa e a continuidade de suas atividades”.
Para as entidades signatárias, a criação legalizada é aliada fundamental da causa ambiental. “É preciso trazer à tona o entendimento da própria CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção - para quem a atividade comercial legalizada de animais da fauna nativa “puede favorecer la conservación de especies y ecosistemas y/o el desarrollo de la población local si se efectúa a niveles que no perjudiquen la supervivencia de las especies concernidas” (Resolução da 8ª Reunião da Conferência das Partes, Kyoto, 1992).”
E conclui: “É preciso recordar que o próprio Congresso Nacional Brasileiro, no relatório final da CPI do Tráfico de Animais e Plantas Silvestres, concluiu: “a criação e comércio de animais silvestres, como uma atividade regular, que observe todos os requisitos das normas ambientais e a legislação como um todo, deve ser incentivada pelo Poder Público”.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 19/11/2008)