Está consumado. Ministério do Meio Ambiente e Ibama liberaram o início das obras da Usina Hidrelétrica de Jirau, a segunda no Rio Madeira, em Rondônia. O sinal verde só foi possível com uma “licença parcial”, emitida pela Agência Nacional de Águas (ANA), dividida em duas partes. A primeira permite a construção de ensecadeiras, obras de contenção das águas do rio durante o processo de instalação da usina. A outra, a retirada de água do Rio Madeira para atender às necessidades do canteiro de obras. As autorizações foram publicadas no Diário Oficial da União.
“Autorizar o barramento do rio com seis paredões de aproximadamente 28 metros (ensecadeiras) para a instalação do canteiro de obras é, de fato, permitir o início da construção. Ou seja, o filho já está para nascer. Depois de tanta confusão, resta saber quem assumirá a paternidade de figura tão estranha ao ordenamento jurídico ambiental brasileiro", diz o advogado Gustavo Trindade, ex-assessor jurídico do Ministério do Meio Ambiente.
A anuência da autarquia é só mais um capítulo de um empreendimento cercado de desvios legislativos, no estilo dois pra lá, dois pra cá de Carlos Minc (Meio Ambiente). Não se pode esquecer da mudança de seu local em nove quilômetros rio acima, algo no mínimo sui generis no mundo dos licenciamentos. Na lei que criou a ANA, não se vê competência para que a autarquia autorizasse tal tipo de ação em um empreendimento.
Como se não bastasse o imbróglio em torno da mudança do local da obra, o andamento do processo só foi possível devido à criatividade de Carlos Minc. Para consolidar as incongruências na Usina de Jirau, ele inventou a figura da “licença parcial”, uma espécie de arremedo entre licença prévia e de instalação. Até então, os licenciamentos no Brasil sempre ocorreram com três etapas bem distintas: prévia, de instalação e de operação. "Inexiste na legislação brasileira a figura do licenciamento de instalação parcial. Seria como dizer que uma mulher está parcialmente grávida”, argumenta Trindade.
Além de permitir que o consórcio Enersus, responsável pelo empreendimento, dê início à construção do canteiro de obras, a liberação da licença significa que a tão questionada mudança no local de construção da usina está validada. Segundo o presidente do Ibama, esta modificação não causará impactos ambientais maiores na região do que os previstos anteriormente. Messias também argumenta que os estudos realizados no local constataram que na nova área que ficará debaixo d´água não há nenhuma espécie ameaçada de extinção.
Durante uma coletiva de imprensa, Roberto Messias, presidente do Ibama, foi questionado se a emissão da licença para a construção do canteiro significa que a decisão de liberar toda a obra é irreversível. Em sua resposta, defendeu que nenhuma licença é irrevogável e que qualquer documento deste tipo pode ser revogado se a empresa não cumprir com as exigências ambientais.
Entre as obrigações que a Enersus terá de cumprir, está a realização de uma série de medidas mitigatórias, como a aplicação de 36 milhões de reais em projetos de habitação e saneamento em Porto Velho (RO). As empresas responsáveis também terão de adotar permanentemente as reservas biológicas e extrativista de Cuniã e cuidar de sua manutenção, além de destinar recursos para pesquisa de espécies em extinção, como o tamanduá-bandeira, o tatu-canastra, a onça pintada e o boto vermelho.
Para a emissão da licença de instalação definitiva, será necessário que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se manifeste oficialmente autorizando a construção da usina no novo local e que as empresas responsáveis por erguer a hidrelétrica criem projetos de eclusa e façam um estudo sobre o remanso e sedimento do rio. Apesar das etapas que ainda terão de ser cumpridas, todos os sinais indicam que a Enersus não encontrará resistência da Aneel. O próprio presidente da Agência Nacional das Águas comentou, durante entrevista coletiva, que aquela agência participou da análise do novo local da usina.
A estimativa do Ibama é que a licença definitiva, que permitirá o avanço de todas as etapas da obra de Jirau, deva ser liberada até início de 2009. O Ministério Público Federal (MPF) já interpelou Jerson Kelmann, diretor da Aneel, por ter aceito a mudança de projeto pós-leilão
(Por Cristiane Prizibisczki, OEco, 17/11/2008)