A aprovação do projeto Pontal do Estaleiro pelos vereadores de Porto Alegre, na Capital gaúcha, traz à tona o debate sobre o papel do Plano Diretor para a cidade. A construção do empreendimento burla as regras estabelecidas pelo plano para a região. Entre elas, permite que altos prédios residenciais sejam erguidos onde somente edifícios comerciais de até quatro andares teriam alvará.
Na entrevista a seguir, o arquiteto Tiago Holzmann da Silva avalia que o Pontal do Estaleiro é uma forma de especulação imobiliária diferente da convencional. Ele afirma que o empreendimento é uma oportunidade de negócios, que de maneira irresponsável, foi aprovada pelos vereadores para beneficiar o proprietário. A área do Estaleiro Só, na orla do Guaíba, foi adquirido por um baixo preço. Agora, com a construção de centenas de apartamentos de luxo, vai supervalorizar o local.
Agência Chasque - Quais são os alvos da especulação imobiliária em Porto Alegre e quem se beneficia?
Tiago Holzmann da Silva - Se compra barato, se constrói barato e se vende caro. Varia a localização do imóvel, o potencial construtivo de zonas nobres da cidade, que é alterado, a publicidade que é feita sobre essas áreas. É uma série de fatores. Por exemplo, há alguns anos atrás, o permitido de construir na Bela Vista eram casas, de dois andares. No momento em que um bairro nobre tem acessibilidade, que está no centro da cidade, em vez de dois andares, permite construir quinze, isso gera uma especulação violenta nessa área, uma vez que tenha a possibilidade de construir numa área nobre, muito mais do que poderia construir antes. A especulação imobiliária é o setor da construção civil, as grandes incorporadoras e construtoras são quem comandam esse processo de especulação. Então, tem muita influência junto aos políticos, órgãos de aprovação, conselhos municipais e que facilitam e permitem, pela sua falta de capacidade técnica, muitas vezes, que essas grandes construtoras e incorporadoras alterem as regras do planejamento da cidade no seu benefício próprio.
Que problemas a especulação imobiliária pode causar para o desenvolvimento da cidade?
Holzmann - A especulação, desde a aprovação do Plano Diretor em 1999, o atual, conseguiu com muita competência aniquilar com alguns bairros de Porto Alegre. Os bairros Bela Vista, Rio Branco, Menino Deus, Petrópolis, os bairros mais tradicionais e mais próximos do centro da cidade, mais servidos de infra-estrutura, foram destruídos e construídos novamente, agora, com muito mais andares, muito mais gente morando, muito mais circulação de veículos e consumo de água e energia. Então, esses bairros que formam um cinturão ao redor do centro foram os que mais sofreram recentemente com a especulação. Agora, estão se abrindo algumas novas frentes, principalmente, o 4º Distrito é a próxima fronteira de desenvolvimento para a construção civil, baseada na questão especulativa com grandes terrenos, uma série de obras importantes de infra-estrutura que a prefeitura, o governo, o povo de Porto Alegre está pagando para que essas incorporadoras, que são as proprietárias dos terrenos lá, possam construir e obter o lucro naquela região.
O projeto de construção do Pontal do Estaleiro é uma forma de especulação imobiliária?
Holzmann - Eu acredito que sim, a zona do Cristal é uma zona que se valorizou em função da construção do shopping, do museu Iberê Camargo, tem um importante projeto junto ao arroio Cavalhada, que é de qualificação ambiental e retirada das favelas. Então, é uma zona que tem se valorizado, tem uma boa acessibilidade. Então, a região toda está mais valorizada do que era há pouco tempo atrás. Agora, o caso do Pontal do Estaleiro é um caso particular, ele não se insere numa lógica de especulação convencional, como essa que eu comentei em outros bairros. É sim, o caso do Estaleiro, é uma oportunidade de negócios, que de maneira muito irresponsável, foi aprovada pelos vereadores para beneficiar somente o proprietário da área, que vai ganhar muito dinheiro. Adquiriu o terreno baratíssimo, onde deveria se construir um parque e, agora, ao invés de um parque os vereadores presentearam ele com a possibilidade de construir mais de 200 apartamentos, mais de não sei quantos escritórios, etc. É uma grande vigarice urbana.
A aprovação do Pontal do Estaleiro vai facilitar a construção de outros megaempreendimentos na orla do Guaíba?
Holzmann - Como o condomínio dos vereadores, ali no Estaleiro, pode ser que outros vereadores se interessem em permitir condomínios em outros lugares também. Então, eu vejo que é um precedente que se abriu para construir espigões em toda a orla do Guaíba. E se vê que a população de Porto Alegre parece que não reagiu. A gente viu que teve manifestações dos ambientalistas, estudantes, do Instituto de Arquitetos, mas são poucos. O resto da população parece que não está interessada em defender a orla. Então, que venham os espigões.
As alterações previstas no Plano Diretor podem ajudar no desenvolvimento da cidade?
Holzmann - O plano vigente, que foi aprovado em 1999, tem fundamentos que são muito bons, estratégias gerais para a cidade muito interessantes, mas quando isso se transformou na operação do Plano, ou seja, as aplicações diretas do Plano, foi completamente deturpado, principalmente, também na Câmara de Vereadores. Essa alteração tem alguns benefícios, alguns pontos que melhoram um pouquinho, mas é muito pontual e superficial, e que não vai salvar Porto Alegre da destruição que a especulação imobiliária está promovendo. Permitir construir edifícios altos no interior dos bairros é uma estupidez, não está se levando em conta a infra-estrutura instalada, então, os edifícios são construídos, os construtores obtêm o seu lucro e depois a cidade tem que correr atrás para requalificar toda a infra-estrutura de ruas, linhas de ônibus, abastecimento de água e energia, que isso os construtores não pagaram e não estão preocupados. E aí, a cidade toda tem que pagar o prejuízo para que alguns obtenham lucros enormes.
Quem são os responsáveis pela ausência de planejamento?
Holzmann - Falta cultura, é um povo inculto no que diz respeito à vida urbana e as questões da arquitetura e do urbanismo e da cidade. É um povo que é muito culto em outras coisas, mas não tem cultura nenhuma ou muito pouca com relação a vida urbana, está cada vez mais fechado dentro de cercas e condomínios fechados. E o espaço público está sendo abandonado pela própria prefeitura e pelos cidadãos. O poder público não assume o seu papel de liderança neste processo de planejamento, seja o da cidade, o do futuro da cidade, tem que ter a liderança da prefeitura e do poder público. Esse processo não pode ficar depois tentado remedando as coisas mal feitas pela iniciativa privada. Então, falta cultura e energia do poder público para liberar esse processo. Vão ser 200 apartamentos, cada um tem 300 metros quadrados, então, é apartamento pra gente muito rica. Gente muito rica tem dois ou três carros. Então, vamos ter ali mais 700 carros circulando diariamente, mais a abertura do shopping, mais o museu, mais os escritórios. Vai ficar entupido de carro, é mais um lugar da cidade que vai entupir. Se o povo de Porto Alegre e os vereadores aprovam isso, paciência.
(Por Paula Cassandra, Agência Chasque, 17/11/2008)