Quando o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) anunciou a realização da Exposição Internacional da Mineração da Amazônia, no Centro de Convenções Hangar em Belém, que ocorreu entre os dias 10 a 13 de novembro, a crise econômica mundial ainda não havia dado o ar de sua graça em plagas regionais. O anúncio foi realizado pelo menos um mês antes.
O vendaval da especulação da economia fez com que o pólo de siderurgia de Carajás entrasse em refluxo. As empresas instaladas nas cidades de Marabá, sudeste do Pará e no município de Açailândia, oeste do Maranhão, promoveram vários expedientes para manter o quadro funcional, entre eles férias coletivas.
José Sampaio, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia, reflete que o clima é de incerteza. A imprensa local salienta que o comércio local já foi atingido pela crise e que houve uma redução de 25% de sua dinâmica. Sampaio informa que o setor deu férias coletivas a 20% dos funcionários no dia 31 de outubro. O sindicato tem orientado para que os operários não façam dívidas.
O ferro gusa da região tem os EUA como o principal destino. O mercado americano consumiu no ano passado cerca de 5.95 milhões de toneladas, mais de 60% das exportações nacionais. A queda de preços tem sido vertiginosa, a tonelada que chegou a U$900 no começo do ano, em agosto ocupou a casa de U$500 a U$600, e por último as empresas estrangeiras ofereciam U$380, quando o patamar suportável é a casa dos U$500, conforme matéria do Valor Econômico do mês de outubro.
O site oficial do evento festeja a participação de 85 empresas de várias partes do país, como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia, deste total 25 empresas são do Pará. O estado é um gigante do setor, e muito se deve aos números estratosféricos da mina de Carajás.
Cogita-se que pelo menos cerca de 80% do superávit da balança comercial do Pará deve-se ao extrativismo do minério de ferro. A se considerar o delicado contexto, o evento que propagou ser uma oportunidade de lançamento de novas tecnologias e métier de negócios, deve te ganho outros ares.
O clima do evento tornou-se mais sombrio com a libertação de 51 pessoas em condições análogas a escravidão em carvoarias no sudeste do Pará no dia da abertura. Entre os libertados mulheres e menores de 15 anos.
As grandes corporações da mineração em nota à mídia celebram os louros do evento, onde, segundo eles, pode-se notar a preocupação com a questão da sustentabilidade. Ao se visitar os grotões onde as empresas operam, um outro mundo desponta. Parece que os especialistas estão de um outro planeta. Sobre a questão, o professor de semiótica Edílson Cazeloto em artigo intitulado: Entre ecorrevolucionários e ecorreformistas o papel da mídia, publicado na edição 36, setembro/2007 da revista Democracia Viva/IBASE, esclarece com sobriedade a disputa sobre a categoria.
Em um trecho da análise o professor enfatiza: "Enquanto a maior parte da humanidade vê no aquecimento global a iminência de uma tragédia ímpar, os bens aventurados do capital, já sentem no ar o cheiro de oportunidades para o lucro. Para essa parcela, a sustentabilidade tornou-se uma forma de agregar valor às marcas de seus produtos e ao capital de suas empresas. É o chamado capitalismo verde, que vem ganhando a adesão de empresas (na maioria, corporações globais) como um novo Eldorado".
O Pólo de Carajás
Em artigo do sociólogo e agrônomo Raimundo Gomes da Cruz Neto, ele dispara que já no século VII tem-se registro da atividade de siderurgia no mundo. No século XIX a indústria impulsionou a economia dos Estados Unidos. No Brasil a atividade ganha relevância no início dos anos de 1930, tempos de Getúlio Vargas. A atividade aporta no Pará nos anos 1980, através do Programa Grande Carajás (PGC), ao apagar da ditadura militar. O autor acompanha os abissais processos de transformações da região de Carajás de velha data. 15 empresas constituem o pólo, sendo oito no Pará e sete no Maranhão - são responsáveis, atualmente, por mais de 60% das exportações brasileiras de ferro-gusa, o principal insumo na indústria do aço, informa site do Sindicato das Empresas de Ferro Gusa do Estado do Pará. Um dos setores interessados é a indústria bélica.
A Vale é quem fornece a matéria prima para a produção de gusa do pólo de Carajás, que há mais de duas décadas ativa uma série de cadeias de destruição ambiental e de formas análogas de trabalho escravo através da produção de carvão vegetal.
Medidas mitigadoras?
A pressão nacional e internacional fez com que o setor lançasse em fevereiro de 2007, um fundo de reflorestamento. 11 empresas aderiram. A iniciativa é no mínimo estranha, posto entre as exigências para a instalação das empresas na região, que se deu a partir de uma política de renúncia fiscal através da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), um dos itens impostos recai sobre uma política de reflorestamento. Uma outra medida, esta no sentido de fazer oposição ao trabalho escravo foi a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), ou seria uma mera questão de marketing, travestida em responsabilidade social?
Por essas e outras as siderúrgicas foram multadas em R$ 550 milhões no ano de 2005, que poderia chegar a até R$ 770 milhões, se fosse aplicado o que rege o Código Floresta e a Lei de Crime Ambiental. Hoje, só no Distrito Industrial de Marabá estão em funcionamento oito siderúrgicas, perfazendo um total de 17 alto fornos, para uma produção de quase três milhões de toneladas de ferro-gusa, recupera Raimundo Gomes em artigo intitulado Siderurgia em Carajás- 20 anos de destruição. No Pará a Secretaria de Meio Ambiente realizou várias operações de fiscalização para ajustamento de condutas das empresas.
Neste contexto a monocultura de eucalipto tem assim florescido em alguns municípios do nordeste do estado, na região de Paragominas e em Marabá e São João do Araguaia, a sudeste. No Maranhão existe desde remotos tempos, com a destruição do cerrado. O propósito era a implantação de fábrica de celulose, que não veio a deslanchar, devido ao recuo de um grupo oriental. O que ocorreu foi o não cumprimento de um item do acordo por parte das empresas. Um dos muitos descumpridos.
Maurílio de Abreu Monteiro, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que para a produção de uma tonelada de ferro gusa é preciso queimar 2,6 toneladas de madeira. Como a produção de gusa na região Norte em 2003 foi de 2,2 milhões de toneladas, isso representa a queima de 5,7 milhões de toneladas de madeira. David Carvalho, economista, também professor da UFPA em vários artigos sobre a mineração atesta tratar-se de um projeto de enclave, em resumo, não dinamiza a economia local.
Antes do turbilhão da crise, o cenário da mineração no Pará vivia um momento de ampliação com a expansão de várias frentes de exploração, que ultrapassam a fronteira de Carajás, como no caso dos municípios de Ourilândia do Norte, Tucumã, Xinguara, São Félix do Xingu, Paragominas e Juruti. Vale e Alcoa protagonizam o momento de transbordamento das frentes.
Momento marcado por tensão entre trabalhadores rurais assentados pela reforma agrária a Mineração Onça Puma, do grupo Vale. As organizações de defesa dos direitos humanos da região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), tornaram a situação pública.
Não bastassem as questões de ordem ambiental e social, soma-se ao setor a Lei Kandir, que isenta de imposto a exportação dos minérios e semi-elaborados. O descompasso rege a modalidade de extrativismo mineral, enquanto o faturamento da Vale cresce, somente no Pará tem sido maior que o crescimento nacional, a região de Carajás coleciona passivos de toda ordem.
21 municípios do Pará estão entre os cem que mais desmatam na Amazônia. Dessas duas dezenas de cidades, 19 estão no sudeste do Pará, que além da mina abriga o pólo siderúrgico. Boa parte desses municípios ocupa linha de frente em desmatamento e também lidera o ranking de violência. Os estudos foram realizados através do Projeto Prodes - Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite/2007. Uma outra questão, esta de ordem trabalhista, reside em índices recordes de ações contra a Vale no município de Parauapebas.
Gusa em Açailândia
A oeste do Maranhão no município de Açailândia operam quatro empresas, Vale do Pindaré, Viena Siderúrgica, Gusa NE e Fergumar y Simasa. Relatórios da área ambiental atestam que as empresas não nutrem demasiado zelo quando o assunto é meio ambiente. Todos os resíduos ganham a vizinhança sem nenhum tratamento, Famílias afetadas pelas poluições das empresas, em particular da GUSA NE, com sede em Belo Horizonte e filiada ao ICC, têm denunciado a questão. Ao total são 20 processos contra a empresa, que dura mais de três anos. As mesmas reivindicam indenizações da gusa.
Dois relatórios que abordam os impactos do pólo de gusa sobre a vizinhança se complementam quanto os danos provocados à saúde das famílias do Destrito Industrial de Pequiá, onde as empresas encontram-se instaladas. Informações do relatório da perícia ambiental realizada no fim de 2006 e apresentado em março de 2007 pelo perito Ulisses Brigatto Albino, para a Vara Judicial da Comarca de Açailândia indicam desleixo em várias situações sobre a operação da GUSA NE. A empresa opera amparada por Licença de Operação fornecida pela Secretaria de meio Ambiente do Maranhão, com venceu no dia 19 de outubro.
Um estudo realizado pela engenheira ambiental Mariana de la Fuente Gómez, datado de 2007, ratifica os dados sobre os danos ao meio ambiente e à saúde dos moradores da região. Edvar e Joaquim, dois senhores que mobilizam os moradores para a organização da luta pelos seus direitos, lembram que a comunidade existe desde a década de 1970, e que o pólo começou nos anos 1980. Eles lembram que ainda havia muita mata na região e que a exploração da madeira foi a primeira frente da economia do lugar.
Distrito de Pequiá - As casas ficam imprensadas entre a BR-222, num elevado, e a empresa. A perícia indica que a presença das famílias antecede as empresas. A idade das árvores dos quintais, muitas com mais de 20 anos, ultrapassa o período de instalação das gusas atesta a tese.
A empresa Gusa Nordeste opera três alto-fornos, nenhum possui filtro anti-partículas nas chaminés, que emitem grande quantidade de fuligem de carvão e minério. Em todas as seis casas visitadas pelo perito o pó da fuligem foi encontrado. Os pátios das empresas ficam próximos aos quintais das casas. Os riachos padecem com os resíduos das fábricas e com o esgoto sem tratamento das moradias.
Gases, fuligem, poeira, águas poluídas e escória são alguns dos agentes da poluição da comunidade de Pequiá, que soma cerca de 1.500 famílias em moradias humildes, muitas de madeira e não atendidas com saneamento básico. Problemas de ordem respiratória, alergias, dores de cabeça são algumas das queixas dos moradores, que já registrou até o óbito de uma criança.
Entre as poluições provocadas pela GUSA NE a perícia ambiental verificou os seguintes pontos: a) fuligem - provoca a poluição do ar; b) poeira-carvão vegetal, minério e o seixo compõem parte da matéria prima para a produção do minério. Uma trituração antecede a queima nos alto-fornos, o que provoca a emissão de pó, posto o composto ser transportado através de esteiras; d) gases - a ausência de filtros químicos ou aparelhos de incineração de gases faz com que vapores proveniente da combustão dos alto-fornos sejam lançados na atmosfera sendo espalhados pelo vento. A temperatura oscila em 1800 a 2000º C. A análise do perito sinaliza que ainda que não prejudiquem a saúde humana, os gases emitidos no processo contribuem para o aquecimento global; e)água de resfriamento-a água é que faz o resfriamento dos alto-fornos, que é retirada do riacho Pequiá e armazenada em caixa d’água. Através da gravidade a água resfria os fornos e volta ao riacho, carregando resíduos que atravessam vários quintais.
O laudo do perito Ulisses Brigatto revela uma pororoca de problemas. Somam-se aos demais indicados acima a drenagem das águas das chuvas. O laudo da perícia ambiental atesta que as poças de água são comuns nos pátios da empresa. A água contém ferro e outros elementos provenientes da siderurgia e pode carreá-los para corpos d’água localizados próximo à empresa.
A empresa não conta com rede de captação e tratamento de águas pluviais. Os resíduos são lançados para fora da empresa para uma lagoa 400 metros de distância. Há registro da poluição das águas dos poços consumidas pelos animais domésticos, que fazem parte da dieta das famílias.
Um grave problema é a escória, que alguns tratam de munha ou moinha. Uma parte do resíduo pode ser usada na construção civil, calçamento de rodovias ou como suporte de construção de ferrovias. Uma outra se devidamente tratada, pode ser usada em fertilizante.
O contato com o ambiente pode causar sérios danos à natureza e intoxicação de plantas, pessoas e animais. A escória é depositada a céu aberto próximo a um riacho conhecido como Quarenta, ainda que poluído, continua a ser lugar de diversão de alguns moradores. É comum a lavagem de carros e a visita de animais.
O laudo de Brigatto propõe que a empresa se equipe com filtros anti-partículas nas chaminés, incineradores de gases e rede de drenagem. E que a escória seja acodicionada em uma caixa de concreto, ao contrário do que ocorre hoje, uma montanha a céu aberto sujeita a ser espalhada sobre as moradias próximas por conta das pancadas dos ventos. O laudo sugere a remoção das famílias que moram próximas à GUSA NE.
Vizinhos em conflito - Francisca da Silva é uma senhora negra e energética. Fala com profunda indignação sobre os impactos da fábrica, que praticamente fica no quintal de sua casa, Dona Francisca reclama do ruído da fabrica, posto a indústria operar 24h ininterruptamente. "Tenho um marido adoentado pelo derrame. Outro dia a fábrica soltou um gás na madrugada. Todo mundo da casa saiu correndo para a rua com medo de explosão", informa a senhora.
O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), ONG com sede em Açailândia tem sido um mediador da luta das comunidades afetadas ao lado dos padres e irmãos cambonianos. O CDVDH também é procurado em casos de trabalho escravo.
É ele quem denuncia dois graves acidentes na escória depositada cerca de 450 metros da fábrica. Os relatórios do CDVDH indicam que o primeiro ocorreu em setembro de 1992 com um garoto de oito anos. O segundo com outro garoto de sete anos Gilcivaldo Oliveira de Souza. A família indica que o menino se acidentou na montanha da escória e que provocou queimaduras de terceiro grau. Gilcivaldo veio a óbito no mês de dezembro do mesmo ano do acidente.
A empresa argumenta em sua defesa que o garoto se acidentou em uma caieira, prática comum para a produção de carvão. O segundo acidente ocorreu em novembro de 2001, em novembro com o jovem de 21 anos, Ivanilson Rodrigues. O jovem sofreu queimaduras de terceiro grau e carece de cuidados especiais. Após várias situações de conflito entre a empresa o vitimado e o CDVDH a empresa garantiu o tratamento em clinica particular. Todos os casos foram encaminhados para o Ministério Público Federal.
Justiça nos Trilhos
As demandas colocadas acima é que mobilizam um coletivo de organizações populares no movimento Justiça nos Trilhos. O gripo pretende fazer o debate sobre as questões no Fórum Social Mundial, que ocorre entre janeiro e fevereiro de 2009, em Belém. O coletivo busca a partir de estudos que estão sendo realizados pelas universidades federais do Maranhão e Pará, a construção de medidas que diminuam os impactos do setor nas comunidades atingidas e a garantia de um fundo de desenvolvimento, extinto após a privatização da Vale em 1997.
(Por Rogério Almeida *, Adital, 17/11/2008)
* Jornalista. Colaborador do www.forumcarajas.org.br, articulista do IBASE e Ecodebate