A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos vão lançar hoje (18/11) o relatório "Os impactos da produção de cana no Cerrado e na Amazônia". O lançamento ocorrerá dentro da programação do Seminário Internacional "Agrocombustíveis como obstáculo à construção da soberania alimentar e energética", que começou ontem (17) e segue até a próxima quarta-feira (19), em São Paulo. Em nota, a CPT critica posicionamento do governo acerca da relação entre etanol e trabalho escravo.
O evento, convocado por organizações e movimentos sociais, ocorre paralelamente à Conferência Internacional "Biocombustíveis como vetor do Desenvolvimento Sustentável", realizada pelo governo federal. O documento que será lançado traz uma análise sobre a expansão do monocultivo da cana nos dois biomas e pretende fazer um contraponto à opinião governamental acerca dos benefícios dos biocombustíveis.
No relatório, são registradas fotos e entrevistas, além de um relato detalhado sobre os impactos sociais e ambientais em 11 estados brasileiros: Acre, Amazonas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Segundo os dados do relatório, a monocultura da cana já é realidade em boa parte do território nacional.
No Acre, a usina Álcool Verde, da empresa pernambucana Farias, plantou mais de dois mil hectares de cana ao longo da BR-317 e tem planos de chegar a mais de 30 mil hectares na região, com capacidade de produzir 3 milhões de toneladas de cana por safra. A Álcool Verde prevê uma produção de 36 milhões de litros de etanol na primeira safra e pretende aumentar sua produção de cana em cinco vezes até 2015. A Embrapa prevê que no município de Capixaba as plantações de cana aumentarão em dez vezes até 2012.
No Amazonas, a CONAB estima que a produção de cana teve um aumento de 10,90% entre 2007 e 2008. Há ainda um projeto de produção de etanol da empresa Jayoro, que inclui o cultivo de 60 mil hectares de cana em regiões de floresta nativa. Em Goiás, as plantações de cana ocupam 339,2 mil hectares. Entre 2005 e 2006, a área plantada de cana no estado teve um aumento de 47,06%. De acordo com o relatório, além da destruição de mata nativa, o cerrado principalmente, a indústria da cana substitui áreas de produção de alimentos e criação de gado, o que, conseqüentemente, pressiona a fronteira agrícola para a Amazônia.
Em nota divulgada hoje (17), a CPT expressou sua opinião acerca da relação entre etanol e trabalho escravo. Discorrendo sobre a conferência governamental, a entidade destaca: "Na oportunidade, o subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty, coordenador do evento, embaixador André Amado, acaba de rejeitar em bloco qualquer alegação de existência de trabalho escravo no setor de produção de açúcar e álcool. Disse-se ‘um pouco indignado’ pela campanha de ‘denegrimento’ (sic) que visaria o setor com base em denúncias infundadas e confusões conceituais cuja origem não chegou a detalhar".
Segundo a CPT, a política nacional de erradicação do trabalho escravo, inclusive no setor canavieiro, se baseia em fatos, não em alegações. A entidades reitera que o conceito de trabalho escravo orientando a qualificação destes fatos não é nem confuso, nem vago: "É definido pela Lei 10.803/2003 e amparado em Convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, particularmente junto à OIT. E está sendo fiscalizado por servidores preparados e isentos".
"A Comissão Pastoral da Terra recusa a opção enganosa que querem nos impor entre produzir a contento ou lutar por dignidade, e denuncia a perversa manobra em curso. Voltamos a questionar: será que, em nome dos imediatos interesses do setor dos agro-combustíveis, a ele tudo deve ser permitido? Baixar a guarda neste momento no combate à escravidão, por mero oportunismo mercantil, não prepara dificuldades bem piores para o país? Qual é a palavra do Governo sobre isso?", afirma a nota.
Para ler o relatório clique aqui.
(Adital, 17/11/2008)