Como professor da Escola de Engenharia da Ufrgs e de seu pós-graduação, desde 1997 vimos estudando a cidade de Porto Alegre, a cidade e assentamentos humanos de uma forma geral, maiores e menores (como municipalidades e o bairros), desde o ponto-de-vista de sua sustentabilidade econômica/ambiental/social/cultural/etc. Isto é feito, especificamente, em uma disciplina do Pós, antes denominada de Gestão Ambiental Urbana, e na disciplina criada recentemente, de Engenharia Urbana Sustentável, que trata de questões como gestão energética e de águas, resíduos (gasosos, sólidos e líquidos), mobilidade urbana, morfologia urbana, climatologia urbana e produção urbana de alimentos, entre outros temas.
Procuramos, dentro das limitações próprias de um curso de pós-graduação, fazê-lo da forma o mais interdisciplinar possível, agregando um enfoque holístico, somado a uma visão sistêmica.
Começamos a nos debruçar sobre o tema em 1997, quando organizamos o I Encontro Nacional sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis, e para o qual contamos com a participação, como palestrante, do arquiteto Steve Curwell, da Universidade de Salford, Inglaterra, e que coordenava, na Comunidade Européia, o projeto BEQUEST, justamente buscando, com a colaboração de muitos parceiros acadêmicos (e não acadêmicos) europeus, o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis.
A partir de um curso ministrado pelo Steve no NORIE, pela primeira vez mergulhamos, com profissionais de diversas áreas (arquitetura, engenharia, agronomia, biologia), sobre a realidade de nossa cidade, buscando caracterizar "indicadores de sustentabilidade urbana".
Nestes mais de 10 anos tratando de questões relativas à sustentabilidade, vimos orientando a diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado, focadas sobre a questão urbana.
Eu creio, firmemente, que a nossa cidade será aquilo que nós, toda a população, quisermos que ela seja. Nesta busca deveremos saber e ter como responder a algumas questões: O que nós queremos para a nossa cidade? Para quem nós queremos uma cidade? Como nós queremos que a nossa cidade seja?
Certamente nós temos exemplos de vilas, aldeias e mesmo cidades que, aparentemente, foram coroadas de êxito no passado. Mas será que hoje, com todo o conhecimento acumulado à nossa disposição, neste momento histórico de nossa civilização, de acesso quase que irrestrito ao conhecimento, não seríamos nós capazes de criar cidades ainda melhores?
Primeiramente, e antes de mencionar alguns aspectos técnicos ligados à sustentabilidade ambiental e física de qualquer cidade, eu gostaria de trazer algumas contribuições devidas a Charles Landry, em seu livro The Art of City Making, de 2006, com as quais nos identificamos e que consideramos deva preceder a qualquer outra discussão.
Como diz Landry: "... a arte de fazer cidades envolve a todas as artes; os aspectos físicos, por si só, não fazem uma cidade ou lugar". Landry também menciona preferir o termo fazer cidades ao invés de construir cidades, pois o último implica em que a cidade é somente aquilo que as profissões ligadas ao Ambiente Construído edificaram fisicamente. E Landry complementa que o que dá vida, significado e propósito a uma cidade são os atos que as pessoas desempenham no contexto físico.
Landry continua nominando a todos os atores que podem e devem contribuir para "fazer uma cidade" e complementa que "... a menos que todas essas pessoas façam parte da história urbana, o físico permanecerá como uma "casca vazia"'. E complementa que "... nós, muito freqüentemente, transferimos a responsabilidade àqueles preocupados com o físico, e que, são eles, talvez mais do que os demais, os responsáveis pelas cidades que nós temos". E então pergunta: "Será que estes profissionais entendem as pessoas e as suas emoções? Será que alguns deles até mesmo gostam de pessoas?"
Bom, apesar de ficar tentado enviar a vocês o conteúdo de todo o primeiro capítulo, de Abertura do livro de Landry, eu certamente não irei fazê-lo, pois isto se tornaria um encargo muito grande para mim, e que muitos de vocês, apesar de interessados, não teriam tempo de ler. Mas gostaria de fazer algumas considerações pessoais.
Eu concordo com a afirmação de que muitos de nossos espaços urbanos acabam, efetivamente, tornando-se "paredões" e que não é isto, certamente, o que a maioria de nossa população quer. É só vocês percorrerem muitas das ruas de nossas cidades, não apenas de Porto Alegre, e facilmente reconhecerão os paredões.
E o que é pior, paredões obstaculizando os raios solares e concentrando a poluição sonora e do ar.
Exemplos disso podem ser claramente identificados. Para tanto é só percorrer o entorno dos quarteirões de Ipanema, Copacabana, Flamengo, etc. Se você não for privilegiado o suficiente para estar em um ambiente com vista para o mar, tudo o que verá são paredões, junto à sua janela, ou do outro lado da rua.
Rio é um exemplo, mas a realidade se repete em São Paulo, em Fortaleza, e assim por diante...
Certamente não é esse o espaço urbano que desejamos para Porto Alegre! Muito da nossa orla ainda permanece intocada. Não será este é um privilégio? Não será esta uma situação privilegiada que permite, por exemplo, à Genebra, a segunda melhor cidade do planeta, em termos de qualidade de vida, ostentar um belíssimo parque, aberto a toda a população, junto ao "seu lago" Leman.
É preciso reconhecer que a nossa cidade desfruta de uma oportunidade singular!
Por que privatizar a orla do "nosso lago"? Uma vez privatizado, como torná-lo público novamente, para a saúde, física e mental, nossa e de nossos netos?
O que nós precisaríamos, sim, seria preservar "todo e qualquer" espaço verde, dentro da malha urbana de nossa cidade para a saudabilidade de nossa população! Por que considerar todo espaço verde como um "vazio urbano" que precisa necessariamente ser edificado? O que nos diz o diagnóstico ambiental de Porto Alegre? Que toda a área urbana de Porto Alegre está "altamente degradada"!
Não fosse pelo elevado conteúdo de umidade do ar de nossa cidade, o seu clima já poderia ser caracterizado como o de uma área desértica, segundo os climatologistas urbanos.
Eu poderia alinhar muitos outros aspectos técnicos, como densificação e verticalização, acesso solar e aos ventos, ilhas urbanas de calor, impactos ambientais de diferentes naturezas, sobre a necessidade crescente de termos as áreas de produção de alimentos próximas dos centros urbanos, que vimos estudando, mas tais conceitos são facilmente acessáveis através da Internet e a sua associação à nossa realidade é facilmente identificável...
Restrinjo-me a indagar: por que não preservar os espaços saudáveis que ainda nos restam? Por que não regenerar à cidade ao invés de degradá-la? Por que não preservar os bairros ainda saudáveis, para servirem de referência para a urbanização do restante de nossa cidade? Será isto apenas um sonho? Penso que não! E ademais toda a realidade, tudo o que se efetivamente constrói de positivo não inicia, muitas vezes, como um sonho?
Eu fico orgulhoso de integrar uma comunidade, a comunidade de nossa cidade, que sonha com uma cidade de melhor qualidade de vida, uma cidade mais sustentável, e de me alinhar, pelo menos em nossas propostas, a partir de um segmento de nossa universidade, com os anseios de nossas distintas associações comunitárias, que se mobilizam neste sentido!
Por Miguel Sattler*, EcoAgência, 17/11/2008)
*Professor, engenheiro civil e agrônomo, com doutorado e pós-doutorado na área de Tecnologia da Arquitetura.