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proteção das florestas emissões de gases-estufa passivos da silvicultura
2008-11-18

primeiro encontro foi em 2005, num bar de hotel em Pequim.  Para se sentar à mesa, havia uma condição: ter cargo de direção nas agências florestais de países onde sobraram as últimas grandes áreas de floresta do mundo. A conversa entrou noite adentro e perto de se despedirem, perceberam que ainda tinham muito para falar. Combinaram de transformar aquela reunião num evento anual, fora dos círculos da diplomacia oficial, para que pudesse ser mantida a franqueza na exposição de idéias e aflições. A maioria, desde então, cumpriu o acordo.

No último dia 28, o grupo se juntou pela quarta vez para quatro dias de debates que começaram em Brasília, continuaram num barco que desceu o Amazonas e acabou em Manaus. O Eco, a convite do Serviço Florestal Brasileiro, e sob a condição de não atribuir a ninguém e nem reproduzir entre aspas o que foi debatido, acompanhou todas as discussões. A regra, imposta pelos participantes, não é para esconder segredos. Afinal, nas reuniões não se divulgou nenhuma informação confidencial ou que ameaçasse a segurança nacional dos Megaflorestais – a palavra, assim mesmo em português, que os membros dessa confraria adotaram como nome.

Ela serve para resguardar o caráter informal do encontro, sem a preocupação de ferir suscetibilidades governamentais. As conversas no Brasil e confirmaram algo que os participantes perceberam ainda na reunião original em Pequim. O mundo das florestas, onde quer que elas estejam, anda mudando muito rápido. Nem sempre para melhor. A cobertura florestal no planeta continua perdendo área. Aqui, pela conversão do seu solo para a agropecuária. Na Indonésia, a culpa é da extração da madeira. Nas florestas temperadas dos Estados Unidos e Canadá, os vilões do desmatamento são o fogo e as pestes, que também afetam a floresta boreal russa.

O encontro desse ano começou no complexo, em Brasília, que o Ibama divide com o Serviço Florestal Brasileiro (SFA) e o ICMBio. Vieram os países que nunca faltaram à uma reunião dos Megaflorestais, Canadá, Brasil, Estados Unidos, China, Rússia, e Indonésia, e mais o Perú e a República Democrática do Congo. Os cinco últimos da lista enfrentam reformas administrativas e jurídicas. Os americanos decidiram rever as bases de seus contratos de concessão, para incluir neles a obrigação de manutenção e restauração de ecossistemas. A preocupação, na verdade, não tem nada de incomum. Praticamente todas agências florestais, de uma forma ou de outra, de uns anos para cá incluíram cláusulas de conservação em seus contratos de concessão.

Essa tem sido talvez a maneira mais efetiva que elas encontraram para tentar resolver um dilema que, com a redução das áreas de mata nativa e o aquecimento global, ficou cada vez mais agudo para seus líderes. Florestas devem ser tratadas como ativos ambientais ou econômicos? Há um ano, no encontro de São Petesburgo, na Rússia, os Megaflorestais apostavam que o mercado de carbono por desmatamento evitado poderia finalmente fazer convergir as pontas desse dilema. Hoje, esse entusiasmo se arrefeceu. O mercado de carbono sofre por conta de ter regras complexas demais e pouquíssimos padrões. O monitoramento é deficiente, os números sobre o carbono estocado sob as árvores são divergentes e seu custo de oportunidade são baixos se comparados à atividades que causam desmatamentos.

Esse ano, em Brasília, ao invés do carbono, a atenção dos Megaflorestais desviou-se para a biomassa. Por enquanto, no médio prazo, ela parece ser uma alternativa mais viável para aumentar o valor econômico de suas árvores, o que de certo modo ainda parece ser a única garantia que os humanos as deixarão continuar crescendo em relativa paz. Decisões de segurança nacional que vêm sendo tomadas por diversos governos deverão abrir oportunidades para a economia florestal ampliar seus mercados, fornecendo matéria-prima para biocombustíveis e para a produção de bioquímicos. “Vai ser um bom momento para ativos florestais”, disse, Don Roberts, diretor do CBIC, banco de investimentos canadense que participou do encontro.

Revolução chinesa
Mas biomassa é coisa para o futuro. Nesse momento, os Megaflorestais tem um monte de coisas urgentes para olhar. E nada parece ser simples. Na Indonésia,  o ministério de Florestas suspendeu a emissão de concessões para o corte de madeira nativa. A meta é suprimí-lo até 2014, respondendo à pressão internacional. Quanto ao corte ilegal, não há muito o que fazer, disse A. F. Mas’ud, asessor do ministro indonésio. “Só dá para acabar com ele se a China reprimir o contrabando”. É para lá que vãos os 9 milhões de metros cúbicos que andam sumindo irregularmente das florestas indonésias todos os anos. Os chineses, no entanto, estão cheios de problemas dentro de casa para pensar na casa dos outros.

A China está em plena reforma de seu código florestal e ainda longe de terminá-la. A  âncora das mudanças está na redistribuição de terras, antes sob regime de propriedade coletiva das aldeias. Os lotes, redivididos, estão sendo entregues em regime de concessão de 70 anos para famílias de agricultores. Essa privatização com prazo de validade ataca dois velhos problemas. Primeiro, a incapacidade de planejar. A administração coletiva é permeável a influências políticas e dificulta a responsabilização em casos de danos ambientais. O Serviço Florestal da Rússia , sem que o Estado abra mão da propriedade das terras, está passando a administração de suas florestas para 81 governos territoriais e 1466 pequenas agências florestais.

Elas vão tocar o dia-a-dia das matas nativas russas, que ainda ocupam 760 milhões de hectares do território nacional. Ao governo central, caberá ficar com o planejamento, o controle e o inventário florestal. A Rússia produz anualmente 206 milhões de metros cúbicos de madeira. “Mas o potencial é de 635 milhões de metros cúbicos”, contou Mikhail Giryaev, sub-chefe da agência florestal russa, à reportagem de O Eco. O problema é que quase dois terços desse volume estão inacessíveis, na Sibéria.

Na visão do governo, é fundamental atrair capital privado disposto a investir em infra-estrutura, leia-se estradas e indústrias de processamento. É uma situação oposta a que acontece no Brasil ou nos Estados Unidos, onde a proliferação de estradas em zonas de floresta provocou impactos ambientais que colocaram, diante das agências florestais, a necessidade de controlar sua expansão. Os americanos, segundo Collins, estão adotando uma postura radical. “Hoje, para cada milha de estrada nova aberta em área de mata sob controle do  Serviço Florestal, 13 milhas de rodovias estão sendo fechadas e devolvidas às árvores”, disse ela depois do primeiro dia do encontro.

O besouro do calor
Os americanos tentam sair de um marasmo que nos últimos 40 anos transformou seu Serviço Florestal e os 70 milhões de hectares sob seus cuidados em mero fornecedores de madeira nativa. O custo da madeira federal, no entanto, praticamente inviabilizou essa produção. Hoje, elas não atendem nem a 5% da demanda do país. Não foi necessariamente um mau negócio para as florestas americanas do ponto de vista ambiental. Elas foram deixadas em paz. Por outro lado, não há dinheiro suficiente para corrigir os danos que tanta exploração de madeira provocou em seus ecossistemas. “Por isso estamos deixando de lado as concessões para exploração madeireira e nos movendo em direção a contratos de administração”, disse Collins.
 
E qual é a diferença? No segundo, a eventual concessão de direito a desenvolver atividade econômica vem com a obrigação de recuperar ecossistemas e investir em infraestrutura. Na Colúmbia Britânica, no Canadá, a questão urgente é administrar a praga do besouro do pinheiro, cortesia do aquecimento global, que já matou 600 milhões de metros cúbicos de árvores e transformou o país de sequestrador em emissor de gases do efeito estufa. As oscilações no clima do planeta, aliás, tomaram boa parte das discussões feitas em Brasília. O que mais se ouviu foram lamentos sobre a falta de envolvimento institucional das agências florestais nos círculos de governo que formulam políticas sobre o tema.

Tasso Azevedo, do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), contou que ele, por iniciativa pessoal, têm ajudado o governo brasileiro a definir políticas para enfrentar o aquecimento global. “Mas nem eu e nem o SFB estamos envolvidos nas negociações diplomáticas”, contou. Zhou Lieke, da Administração de Florestas do estado, da China – um Ibamão com 150 mil funcionários – e Collins, dos Estados Unidos, vivem situação semelhante à Azevedo. Onde as agências florestais têm conseguido se mexer de forma mais institucionalizada em relação às mudanças climáticas é nos mercados de carbono por desmatamento evitado. O problema é que ele é cheio de nuances e incertezas que vão muito além da luta para definir seus padrões.

Para início de conversa, é preciso estabelecer quem é o dono da floresta, do carbono que ela estoca e as regulamentações desse mercado. Isso feito, é necessário determinar também quem paga, quem tem o direito a receber e, sobretudo, quem é o responsável por fazer tudo funcionar. Finalmente, é fundamental desenvolver mecanismos de monitoramento com os quais todos concordem. O quadro é tão complexo quanto as alternativas de solução. Por essa razão, entre os Megaflorestais, não há quem aposte muito numa saída pelos mercados de carbono. Pelo menos não no curto prazo.

“Não estamos prestando muita atenção em esquemas com base em desmatamento evitado”, disse A. F. Mas’ud, do ministério de Florestas da Indonésia, fora da sala de reuniões. “Se eles se firmarem, ótimo. Se não, está bem também”. Quem tem algum esquema funcionando, conta ou com a ação de seus governos, ou com a estabilização da perda de cobertura florestal ou ambos. Tome-se a China como exemplo. Lá, o governo obrigou os órgãos públicos em Pequim a comprarem certificados de emissão para seus veículos. É uma coisa incipiente. Mas, em se tratando do tamanho do Estado chinês, ainda há espaço para expansão.

Saída pela biomassa
No dia seguinte à sessão de discussões em Brasília, os Megaflorestais partiram rumo a Manaus. Do aeroporto da capital amazonense, pegaram um  barco que  partiu no rumo Leste, descendo o rio Amazonas, em direção a Itacoatiara. Foi à bordo que eles se reuniram para ouvir o que Roberts, do CIBC, tinha a dizer sobre o futuro dos produtos florestais nos médio e longo prazos. Ele mostrou que os mercados de energia, fibra e comida estão convergindo gradativamente. A evidência principal desta movimentação é que o preço da energia virou a base do preço dos outros dois mercados. Agora, a tendência é de baixa.

Mas essa situação não vai durar para sempre. O petróleo é um recurso não renovável, seu consumo aumenta a cada ano e a tendência é que ele volte a subir de preço. De olho nessa curva acendente e preocupados em não deixar suas economias na mão dos árabes, vários países já estão se mexendo para encontrar alternativas de energia. Virou uma questão de segurança nacional reduzir essa dependência. A União Européia, por exemplo, já tem 185 usinas de biodiesel e outras 58 encomendadas. Em 2015, 20% de todo o consumo europeu terá que vir de fonte de energia renovável. Estudos que estimam que 2/3 de todo esse biocombustível será produzido a partir de biomassa.

Existe também uma outra questão de segurança nacional levando governos a adotarem medidas em favor da diversificação de fontes de energia – o que valoriza ainda mais os ativos florestais. Alguns países têm hoje, sobretudo por conta das mudanças no clima, metas de segurança ambiental, entre elas a redução de emissões. A China quer que as suas caiam em 15% até 2020. Nesse contexto construído por ação governamental, é quase impossível os preços de produtos florestais não voltarem a subir. Mas um outro fator, puramente de mercado, empurrando esses preços para cima. A biomassa florestal tem futuro como fornecedora de substâncias vitais para a a produção de elementos bioquímicos.  As perspectivas, portanto, são promissoras.

Infelizmente, elas vêm cheias de risco.  Um deles é a competição do setor de alimentos, que também virou uma questão de segurança para muitos países depois da escassez, seguida de inflação, no início desse ano. Ele vai disputar espaço com as florestas. Segundo Roberts explicou depois, para se aproveitar desse novo contexto, as agências florestais terão que se preparara para administrar conflitos sobre uso de terra e ficar atentas para muito mais do que árvores, acompanhando os mercados de alimentos, energia e fibra. Serão obrigadas a entender de água, químicos, clima e conservação. “É muita coisa para se pensar”, resumiu Roberts, dando uma medida do trabalho que os Megaflorestais terão pela frente.

“O mais relevante dessa conversa é começar a pensar nas florestas como produtoras de biomassa. Isso nos dá logo de cara três mercados para atuar: o de celulose, com papel e energia, o de produtos extrativos não-madeireiros  e o de liguinina, para a bioquímica”, disse Azevedo, do SFB. Para ele, a convergência pode ajudar a viabilizar economicamente as florestas e, em consequência, mantê-las em condições de continuar prestando serviços ambientais. Konkin, do ministério de Florestas da Colúmbia Britânica acha as promessas da biomassa interessantes, mas olha para elas com redobrada cautela. "No caso do Canadá, onde nós temos uma geração de energia baseada em hidrelétricas com os preços mais baixos do mundo, eu não acredito que a biomassa florestal conseguisse ser uma alternativa competitiva", disse.

Na manhã seguinte, Azevedo liderou a visita dos Megaflorestais aos 400 mil hectares onde operam uma operação madeireira de baixo impacto ambiental e uma usina de geração de energia da Precious Woods. A área fica a mais ou menos uma hora de Itacoatiara e depois do que disse Roberts, a visita a ela ganhou significado especial. De certo modo, pelo menos ali em Itacoatiara, a Precious Woods está com um pé no futuro que ele desenhou. Ela já tira renda queimando biomassa na usina que supre 70% das necessidades de luz de Itacoatiara. Essa operação é responsável por  40% de sua receita operacional anual.

(Por Manoel Francisco Brito*, OEco, 17/11/2008)
*Manoel Francisco Brito acompanhou a reunião dos Megaflorestais à convite do Serviço Florestal Brasileiro


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