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desmatamento da amazônia manejo sustentável projetos sustentáveis
2008-11-17

Londres - Em Manaus e outros pontos da floresta amazônica, diversos pesquisadores conhecem o botânico inglês Ghillean Prance por sua inegável contribuição para o avanço das pesquisas na região a partir dos anos 1970. Foi ele quem fundou o curso de pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), além de ter chefiado um extenso programa de estudo sobre vegetais (ainda em curso) na floresta tropical – o Flora Amazônica. No entanto, nem todos sabem que Prance é conhecido como um dos maiores estudiosos vivos das matas tropicais. Sua contribuição já lhe rendeu títulos suficientes para encher toda uma galeria. Teve a honra, por exemplo, de ser diretor de dois dos mais prestigiados jardins botânicos do mundo, o de Nova York e o de Londres (Kew Gardens).

Entre suas honrarias, inclusive, consta a de cavaleiro do Reino Unido. Mas Sir Ghillean está mesmo é a serviço de sua majestade a floresta tropical. Portanto, tem muita história para contar. Ele iniciou sua carreira na Amazônia em 1963, quando se juntou a uma expedição do Jardim Botânico de Nova York ao Suriname. Um ano depois, já estava no Brasil, país cuja biodiversidade mais o fascinou e consumiu seu tempo de pesquisador. Ele lembra, com certo pesar, que naquela época viu o começo do grande ciclo de desmatamento. “Quando fizeram a Transamazônica, eu e meus alunos (do Inpa) fomos ver o que estava acontecendo. Depois daquilo as coisas só pioraram”, relata.

Nesta entrevista, concedida a O Eco na Sociedade Real de Geografia, em Londres, Prance argumenta que as mudanças climáticas são uma ameaça enorme às florestas tropicais, mas também uma oportunidade. Ele tem sido um entusiasta dos mercados de carbono como forma de financiar a interrupção do desmatamento. Conta, também, sobre seus projetos recentes, como uma parceria com índios Guarani para preservar o que resta de Mata Atlântica na Argentina.
 
OEco - O senhor estuda a Amazônia há quase quarenta anos. O que mudou nesse período? Neste momento, por exemplo, parece que há uma preocupação global sobre o futuro das matas tropicais?
Ghillean Prance
– As pressões parecem estar constantemente aumentando. Recentemente eu visitei um campo de soja em Santarém, onde eu costumava coletar plantas na floresta. Eu fiquei bastante perturbado em ver aquilo. De forma que uma das grandes ameaças à Amazônia é a cultura da soja. Agora, também estou preocupado com o avanço do arroz em Roraima e todo o caso envolvendo os índios naquela região. E também a questão da madeira ilegal. Apesar de todas as leis, o governo não tem sido capaz de implementá-las e ainda existe uma quantidade enorme de madeira ilegal. E isso é uma vergonha, pois madeira, acima de todas as outras coisas, poderia ser manejada sustentavelmente. O mesmo acontece em outros países que possuem a Amazônia. Se você vai ao Peru, vai ver a enorme quantidade de madeira ilegal que está sendo vendida à China. Por isso, a estrada que ligará o Brasil ao Pacífico (BR317) causa grande preocupação. É uma forma de levar mais madeira para a China.

É realmente possível ter um manejo sustentável de florestas? No Brasil, apenas começamos a implementar uma lei nacional de manejo. Mas outros países, como Congo, Peru, não têm histórias bem sucedidas.
Prance
– Existem poucas histórias de sucesso. E para isso é preciso um controle muito rigoroso. Um dos problemas é que as pessoas ficam motivadas e exageram, acabam tirando muito da floresta. Mas certamente é possível. Nós temos que ir por este caminho.

Quando o senhor começou a trabalhar com florestas tropicais, já era possível imaginar que isso se tornaria uma questão tão importante e global?
Prance
– Não, eu não imaginava. Quando eu comecei a trabalhar na floresta amazônica – eu estive a primeira vez no Brasil em 1964 e no Suriname em 1963 – eu era apenas um biólogo que estava aprendendo e muito entusiasmado com meu trabalho. Depois, no começo dos anos 1970, quando decidiram construir a Transamazônica (BR230), eu levei meus alunos de Manaus até lá e vimos o começo dos grandes desmatamentos. Foi ali que comecei a ficar realmente preocupado, e as coisas têm se tornado piores desde então.

Frente a seu trabalho no Inpa, na década de 1970, qual sua opinião sobre a evolução das pesquisas com a biodiversidade das florestas tropicais? As coisas cresceram desde então?
Prance
– A pesquisa que eu iniciei em Manaus ainda segue. Muitos dos estudantes que tive estão em diversas instituições na Amazônia e estão treinando outros estudantes. O curso que criei no Inpa, em 1973, ainda existe (de pós-graduação). O programa Flora Amazônica também continua a funcionar, simplesmente porque precisamos de informação básica sobre a flora para fazer conservação ou qualquer tipo de uso sustentável da região. Um dos aspectos importantes disso é aprender com as populações indígenas. Acho que, no tempo em que passei com eles, aprendi muito e vi que seus métodos são muito importantes. Me lembro quando, em 1976, descobriu-se a terra preta dos índios e todos estavam se perguntando como eles puderam fazer uma terra tão fértil em um local de solo tão pobre. Isso nos mostrou que as técnicas deles são muito importantes para nós.

De forma geral, as pesquisas a respeito da conservação da biodiversidade estão obtendo resultados?
Prance
– Eles não são suficientes. Nós sabemos, por exemplo, que botânicos e zoólogos estão descobrindo novas espécies o tempo todo. Isso nos mostra que não temos ainda um inventário completo da Amazônia ou de qualquer floresta tropical. Então, temos muito que fazer. E não é apenas catalogá-las. Precisamos entender a ecologia destas espécies, como elas vivem e interagem. Esse tipo de informação é o que mais precisamos. Pois, se você perde uma espécie, isso afeta todas as outras.

Suas primeiras pesquisas como taxonomista foram focadas em algumas espécies. Hoje um cientista no campo já deve pensar nestas conexões?
Prance
– Nós precisamos das duas coisas. Você não pode trabalhar sobre estas ligações ao menos que a taxonomia das espécies esteja clara. Interessante hoje é que temos métodos moleculares também, o que nos permite classificações muito melhores. Muito do que já foi feito, por exemplo, precisa ser revisado através de dados moleculares. Fico feliz em ver que pesquisas desta natureza estão ocorrendo não apenas nos países desenvolvidos como também em muitas partes do mundo em desenvolvimento.

Durante os períodos como diretor do Kew Gardens, em Londres, e do Jardim Botânico de Nova York, o senhor trabalhou muito com a recuperação de florestas. No Brasil, sempre falamos muito na recuperação de áreas degradadas. Isso é realmente possível?
Prance
- Existem programas pilotos que mostraram que é possível fazê-lo. É muito importante fazer a recuperação de áreas de Mata Atlântica, onde as matas estão fragmentadas, para criar corredores para a biodiversidade. Creio que recuperar é importante também para fragmentos isolados na Amazônia. Uma vez conectados, ganham muito mais viabilidade. Existe boa quantidade de pessoas trabalhando com restauração, principalmente ao longo da Transamazônica. O grupo de Daniel Nepstad  (Inpa) está fazendo um trabalho muito bom. Eu acho que, ao passo que formos vendo mais terras abandonadas, devemos trabalhar sobre elas e transformá-las em floresta o mais rápido possível.

As cores da floresta
No dia 6 de novembro, Ghillean Prance lançou, na Sociedade Real de Geografia, em Londres (Inglaterra), um interessante livro sobre as florestas tropicais de todo mundo - “Rainforest – Light and Spirit” (Florestas Tropicais – Luz e Espírito). A publicação foi feita em parceria com o pintor britânico Harrold Holcroft, que passou cinco anos viajando para retratar as matas da Amazônia, Bornéu, Gana e outras.

Além dos textos de Prance, o livro tem um prefácio inflamado do herdeiro do trono britânico, o príncipe Charles. Sem meias palavras, o futuro monarca diz que a produção desenfreada de commodities em países como Brasil e Indonésia está acabando com as últimas florestas virgens do planeta. Commodities como soja e carne, fartamente compradas por países como a Inglaterra, diga-se de passagem. Holcroft concorda com o príncipe. Em suas andanças, viu muita destruição. “Acho que os chineses, que já destruíram todas as suas florestas, estão desesperados por madeira. Em Bornéu, por exemplo, usa-se a desculpa de que estão desmatando para produzir biocombustíveis”, reclama o pintor.

É interessante ver como o artista retrata paisagens tão complexas, como uma mata densa e úmida. “Eu descobri que a luz refletida nas florestas da América do Sul é verde. Na Ásia é azul. E na África, vermelho”. E como conseguiu captar o “espírito” da floresta? “Eu decidi passar uma noite sozinho no meio da mata, na Bolívia. Assim que anoiteceu, foi a experiência mais assustadora de minha vida”, conta.

Quais são os seus projetos de pesquisa no momento?
Prance
– Tenho dois projetos. Um é a conservação da floresta tropical de Missiones, na Argentina. Há lá um remanescente de Mata Atlântica, na Reserva da Biosfera Jaboti, e eu consegui uma bolsa da Darwin Iniciative para trabalhar lá por três anos, com educação e conservação. É uma região habitada por índios Guarani. Temos aprendido muito com eles sobre como usar e manejar a floresta. Estou envolvido também em comprar novamente terras que foram sobre-exploradas por empresas madeireiras e devolvê-las aos indígenas. O segundo projeto lida com taxonomia. Eu fiz, há alguns anos, a taxonomia da família da castanha do Brasil (Castanha do Pará). Foi um trabalho bastante amplo com um colega do Jardim Botânico de Nova York, Scott Morris. Ele agora está revisando os dados, utilizando métodos moleculares. Eu estou revisando os dados de parentes da castanha na África e nas áreas tropicais da Ásia. Recentemente estive na península da Malásia e coletamos três novas espécies. Isso ilustra o que eu acabei de dizer: onde quer que um cientista vá, ele encontra novas espécies.

Observando-se o que o senhor está fazendo junto com os Guarani, qual sua visão sobre modelos de conservação? No início de sua carreira, havia a defesa de uma conservação bem mais estrita. Hoje há inúmeras propostas de reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável.
Prance
– Acho que a conservação passou por muitas mudanças, já que originalmente muitos dos conservacionistas diziam que para conservar você tinha que excluir pessoas. Em alguns casos, particularmente na África, eles removeram pessoas de algumas áreas. Isso é um grande erro. Se você olha para um mapa onde há floresta na Amazônia, pode-se ver que muitas destas áreas são reservas indígenas. Isso é auto-explicativo: as pessoas podem conservar as florestas. E minha opinião é de que ao invés de tirarmos elas da floresta, vamos aprender com elas, vamos ajudá-las a proteger a floresta e ter um modo de vida sustentável. A reserva de Mamirauá, perto de Tefé (AM), funciona muito bem e possui cerca de mil pessoas.

O aquecimento global é uma das ameaças sobre as florestas tropicais, que, segundo cientistas, podem se tornar mais quentes e secas. Isso preocupa o senhor?
Prance
-  Isso é uma grande preocupação para mim, porque eu vejo grandes diferenças no comportamento das espécies, seja aqui na Inglaterra ou na América do Sul. Aqui vemos que árvores e plantas estão florescendo até dez dias antes e os pássaros estão migrando em épocas diferentes. Há também plantas que estão indo para o alto das montanhas ou mais para o norte, perto das áreas polares. Eu também vejo, quando vou para o Brasil, que áreas desmatadas estão se tornando mais secas. E sabemos que pelo menos 20% de todo o gás carbônico que vai para atmosfera vêm do desmatamento. Isso, por outro lado, me faz pensar que parar a desflorestamento é o jeito mais rápido de interromper a emissão de uma grande quantidade de carbono.

O senhor acredita que já existe a percepção de que o desmatamento de florestas tropicais é um problema global?
Prance
– Eu acho que sim. Por exemplo, no Brasil há uma grande quantidade de organizações não-governamentais fazendo propagandas na TV contra o desmate. Eu notei exatamente a mesma coisa na Malásia. Havia reportagens nos jornais sobre desflorestamento ilegal para o plantio de dendê e governo estava prometendo ação. Acho que o governo de Madagascar também está empreendendo esforços para interromper a destruição. Então, acho que a consciência, felizmente, está crescendo. Mas a dificuldade é que não há ainda o momento político em nenhum destes países. Também não há fiscalização, controle. Isso é um problema enorme. A Amazônia, por exemplo, é tão grande. Como se pode vigiar a Amazônia de maneira adequada?

Esforços para aumentar a fiscalização sobre as florestas – a chamada governança florestal – ganharam força com a discussão sobre mudanças do clima. Qual a sua opinião sobre o mecanismo de pagar pela floresta em pé, o RED (Reducing Emissions from Deforestation)?
Prance
– Eu acho que o RED é um conceito muito importante. Eu estava em Bali, no ano passado (durante a 13ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) fazendo lobby pela sua aprovação. Fiquei feliz que a discussão tenha sido incluída nos debates para Copenhagen no ano que vem (onde ocorrerá 15ª Conferencia da ONU, que deverá decidir metas para o próximo período do Protocolo de Kyoto). Não há dúvidas que se quisermos preservar as florestas tropicais, uma das maneiras é fazer com que as nações ricas paguem por isso. Não se pode esperar que todas as nações florestadas vão decidir pela preservação. Temos que levá-las a fazer o uso sustentável das florestas, ou mesmo que as deixem intocadas. Então para mim, o mercado de carbono é algo muito importante. Eu inclusive, por achar tão importante, tenho assento em  conselhos de companhias que negociam carbono.

No entanto quando chegamos no momento de decidir qual o valor da floresta, há poucas pesquisas já concluídas. Como criar um sistema que pague os serviços ambientais da floresta? Como as pesquisas nesta área estão evoluindo.
Prance
– Nós sabemos que várias pessoas estão tentando colocar um valor apropriado para as florestas. Acho que devemos encorajar esta pessoas a fazer isso. Isso não se relaciona apenas com a questão de mudança climática. Diz respeito também aos padrões de pluviosidade em todo mundo e ao suprimento de água doce. Todas estas coisas têm um valor que é bastante difícil de calcular. Mas se realmente quisermos preservar, não há dúvida, temos que valorar.

(Por Gustavo Faleiros, OEco, 14/11/2008)


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