Em novembro de 2007, um consórcio internacional de pesquisadores concluiu a compilação de um catálogo de seqüências de DNA de 12 espécies diferentes de moscas drosófilas.
O objetivo do trabalho, que teve participação brasileira e gerou, na época, um conjunto de oito artigos na revista Nature, era possibilitar uma ampla análise comparativa de genomas múltiplos da mosca, trazendo esclarecimentos sobre os processos evolucionários e aprofundando o conhecimento sobre um dos mais importantes organismos modelo para a biologia.
Um ano depois da conclusão do catálogo, cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que haviam participado do consórcio acabam de publicar os resultados do trabalho sobre o cromossomo Y das 12 espécies de drosófilas.
Um artigo sobre a nova pesquisa – que correspondeu à tese de doutorado de Leonardo Koerich, orientada por Antonio Bernardo de Carvalho, do Departamento de Genética da UFRJ – foi publicado no domingo (16/11), na edição on-line da Nature e em breve estará disponível na edição impressa.
Uma das conclusões é que o conteúdo genético dos cromossomos Y é muito pouco conservado entre as 12 espécies – isto é, os genes variam mais do que se imaginava. Outro achado importante contradiz a teoria de que em todas as espécies os cromossomos Y se originam por degeneração dos cromossomos X: pelo menos nas drosófilas isso não ocorre, pois a estrutura dos cromossomos Y tem tamanho crescente.
Além dos brasileiros, assinam o artigo Xiaoyun Wang e Andrew Clark, do Departamento de Genética e Biologia Molecular da Universidade Cornell, nos Estados Unidos.
De acordo com Carvalho, a baixa conservação do conteúdo genético do cromossomo Y foi uma descoberta surpreendente. O cromossomo Y da Drosophila melanogaster tem 12 genes de cópias simples. Apenas três deles se repetiam em todas as outras espécies.
“Apenas um quarto dos genes do cromossomo Y é compartilhado por todas as espécies. É um conteúdo altamente variável. Como parâmetro de comparação, podemos citar que, nos autossomos – os cromossomos não sexuais – de todas as 12 espécies, 95% dos genes estão no mesmo cromossomo”, disse à Agência Fapesp.
O estudo também sugere uma explicação para essa baixa conservação, segundo Carvalho. Na maior parte dos casos, os genes nos cromossomos Y foram adquiridos tardiamente, há menos de 63 milhões de anos – uma origem recente em termos evolutivos, já que o conteúdo genético dos outros cromossomos remonta há até 260 milhões de anos.
“Investigando apenas uma espécie de drosófila não poderíamos ter certeza, mas, comparando as 12 pudemos começar a determinar por que o conteúdo gênico é tão pouco conservado. Essa é a vantagem de termos à disposição um conjunto de dados tão bom”, afirmou.
Segundo ele, a literatura internacional admite que a origem do cromossomo Y seja o cromossomo X, de estrutura muito maior. Ambos teriam formado um par idêntico em uma época remota, mas, ao longo da evolução, teriam se especializado, com Y perdendo genes maciçamente. O novo estudo derruba a tese de que o cromossomo Y é um X degenerado em todas as espécies.
“Já se sabia que nenhum dos 12 genes do cromossomo Y da Drosophila melanogaster possui ortólogo – isto é, um gene equivalente no cromossomo X. Mas, enquanto a teoria diz que os cromossomos Y se originam por perda de genes, no caso da drosófila observamos que há ganho de genes”, destacou.
Taxas singulares
Os pesquisadores conseguiram medir a taxa de ganho de genes dos cromossomos, isto é, quantos genes eles ganham e perdem a cada milhão de anos. A taxa de ganho foi dez vezes maior do que a de perda no caso da Drosophila melanogaster. “O Y da drosófila não parece de forma alguma estar evoluindo como o de outras espécies”, disse Carvalho.
Por razões técnicas, segundo o pesquisador, foi possível medir a taxa do ganho de genes apenas na D. melanogaster – que é estudada desde o início do século –, enquanto nas outras linhagens foi medida apenas a taxa de perda de genes. Para comparar uma taxa à outra, os pesquisadores partiram de um pressuposto comum na análise evolutiva: admitiram que as taxas de ganho e perda observadas na melanogaster e nas outras linhagens são homogêneas.
“Agora estamos tentando remover esse pressuposto estudando o cromossomo Y das outras linhagens. Mas o resultado foi sólido o suficiente para dar boa segurança de que houve mais ganho que perda de genes nos cromossomos das moscas”, afirmou.
Com os resultados, resta saber agora como surgiram os cromossomos Y da drosófila. “A limitação é que as 12 espécies estudadas divergiram evolutivamente há apenas 60 milhões de anos. Para descobrir de onde vem o cromossomo Y da drosófila, teremos que estudar linhagens evolutivamente mais distantes”, apontou.
Para isso, a equipe está utilizando uma nova tecnologia de seqüenciamento em larga escala que permite procurar, diretamente no conteúdo gênico das outras linhagens, genes que estejam presentes em seus cromossomos Y e não nos da Drosophila melanogaster. “Estamos agora analisando o cromossomo Y de cerca de 300 espécies de drosófilas que divergiram há mais tempo”, disse.
Embora a pesquisa trate fundamentalmente de uma questão de ciência básica, Carvalho explica que também há aplicações possíveis para os resultados. O desenvolvimento de métodos para o estudo dos cromossomos Y – especialmente difícil para ser trabalhado – tem sido utilizado para investigar cromossomos de outros trechos do genoma. “Além disso, a compreensão do cromossomo Y é muito importante porque ele está relacionado a muitos casos de esterilidade masculina”, disse.
O artigo "Low conservation of gene content in the Drosophila Y chromosome", de Leonardo Koerich, Antonio Bernardo de Carvalho, Xiaoyun Wang e Andrew Clark, pode ser lido por assinantes da Nature.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 17/11/2008)