Abrolhos, no litoral da Bahia, abriga a maior biodiversidade do Atântico Sul; mas diversos aspectos do complexo, como a distribuição das diferentes espécies pela área do banco, a influência da ação humana na mortalidade dos corais e a extensão exata dos arrecifes são pouco conhecidos pela ciência. Preencher essas lacunas é o objetivo do projeto Produtividade, Sustentabilidade e Utilização do Ecossistema do Banco de Abrolhos (Pro-Abrolhos), que reúne onze instituições de pesquisa de todo o país e é coordenado pelo Instituto Oceanográfico (IO) da USP.
O projeto, que teve início no final de 2005 e está previsto para acabar em novembro de 2009, faz parte do programa Institutos do Milênio, do Ministério da Ciência e Tecnologia, criado para patrocinar pesquisas científicas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do país. São estudados diversos aspectos da região, como os impactos ambientais da poluição, a avaliação do potencial de exploração sustentável de recursos vivos, a circulação das águas oceânicas, a sedimentação e os ciclos biogeoquímicos marinhos, entre outros.
Uma das pesquisas do projeto, realizada em parceria com a ONG Conservação Internacional, detectou a presença de espécies de coral em águas mais profundas, o que duplicou a área conhecida de recifes. Isso foi possível graças à utilização de um equipamento chamado Veículo de Operação Remota (ROV, da sigla em inglês), um pequeno robô operado a partir do barco que possui, entre outros instrumentos, uma câmera de vídeo que grava todo o percurso feito pela máquina. Com o ROV é possível, nas palavras de Rubens Mendes Lopes, professor do IO e vice-coordenador do Pro-Abrolhos, “realizar transecções, ou linhas de observação sobre o fundo oceânico, registrando, por exemplo, a ocorrência de organismos, os acidentes, por assim dizer, geográficos do fundo do mar, os tipos de sedimento, etc.”
Uma parcela significativa do trabalho é realizada com o navio oceanográfico da Universidade, o "Prof. W. Besnard", que realizou atividades na região no inverno de 2007 e deve voltar ao local no verão de 2009, além de retornar a cada três meses para realizar a manutenção das chamadas “estações autônomas”. “Nós deixamos, em vários pontos do litoral leste do Brasil, desde Salvador até a altura de Cabo Frio, uma série de instrumentos que fazem medições contínuas. Basicamente, são analisados parâmetros físicos como a variabilidade da temperatura e da densidade da água no mar e a direção e a velocidade de correntes. A cada três meses é necessário retornar e fazer a manutenção desses instrumentos”, explica Lopes. Além do navio, são utilizadas embarcações menores, que fazem pesquisas dedicadas aos recifes de coral.
Rede de plâncton
Participam dessas viagens, além de professores, mestrandos e doutorandos, alunos de graduação como Michele Quesada, que cursa o terceiro ano de ciências biológicas e faz iniciação científica no Laboratório de Ecologia Bêntica do IO, que integra o Pro-Abrolhos. Seu projeto de pesquisa consiste em comparar populações de bentos (animais marinhos que vivem ligados ao fundo do oceano) de dois arrecifes do banco. Ela foi para o arquipélago no meio deste ano, o que valeu a pena não apenas pela beleza da área, mas também para a pesquisa - que a princípio não precisaria da presença dela no local, já que é feita em laboratório, analisando-se sedimentos coletados in loco. “Foi muito bom porque antes para mim os recifes eram apenas dois pontos no mapa. Lá eu pude ver que eram dois ambientes completamente diferentes”, conta a universitária.
Problemas ambientais
O Complexo dos Abrolhos se estende por área de cerca de quatro milhões de hectares no extremo sul da Bahia, formada por extensos recifes de corais, manguezais, restingas e remanescentes da Mata Atlântica. Abriga diversas espécies de mamíferos, tartarugas, peixes e invertebrados marinhos ameaçados de extinção e exerce profunda influência na dinâmica econômica e social da costa leste brasileira, especialmente na pesca, uma das principais atividades produtivas da região.
Lançamento de sensores
Toda essa riqueza pode estar ameaçada pela ação humana. Além da pesca, outras atividades como o turismo e a extração de petróleo influem no equilíbrio ecológico do banco. Fenômenos de escala mundial, como o tão comentado aquecimento global, também causam preocupação. O crescimento da mortalidade de corais causada por doenças (o chamado “branqueamento”) pode estar relacionado com o aumento da temperatura do planeta. “Até onde esses agentes patogênicos têm relação com o aquecimento da água, nós não sabemos muito bem. Mas a tendência é se encaminhar para um consenso de que as duas coisas andam juntas. Um aumento da temperatura da água do mar e as conseqüências relacionadas, como mudanças na acidez, podem ter relação com essas bactérias causadoras de doenças. Isso é uma coisa que também está sendo estudada por uma equipe do projeto", afirma Lopes.
Como as cidades do litoral baiano próximas ao complexo são de pequeno porte, a poluição gerada por esgoto orgânico é, ao menos em teoria, pouco significativa. Mas existem pressões exercidas por outras atividades econômicas. Uma questão que preocupa é a exploração, já num estado muito avançado, das reservas de mata atlântica do sul da Bahia. Isso implica num maior carreamento de sedimentos de origem continental para os rios, e dos rios para o mar. E já existem registros de que o acúmulo desses sedimentos sobre os corais pode aumentar a mortandade.
A real extensão da degradação causada pela ação humana na região e sua relação com problemas como o “branqueameto” é pouco conhecida. O maior obstáculo para essa avaliação é, para o vice-coordenador do projeto, a ausência de estudos mais abrangentes, como os realizados pelo Pro-Abrolhos. “Esses impactos possivelmente são significativos em algumas áreas, como, por exemplo, no chamado Parcial de Paredes, que é o segmento do banco mais próximo do continente. É onde há mais atividade de mergulho e uma maior presença da pesca artesanal. Mas a quantificação da degradação está sendo feita só agora.”
(Por Rodolfo Blancato, Agência USP, 14/11/2008)