Todos os anos, de maio a outubro, é raro encontrar algum homem nas casas da comunidade de Laranjeiras, zona rural a 35 quilômetros de Monte Azul, no norte de Minas Gerais. O relato é de mulheres que ficaram conhecidas na região como as “viúvas da seca”.
Encontradas em quase todos os municípios que sofrem com a estiagem, elas passam praticamente metade do ano sozinhas com os filhos, enquanto os maridos partem para o sul de Minas ou para o interior de São Paulo em busca de trabalho nas lavouras de café e no corte de cana.
Resignadas, elas confessam não ver outra alternativa para que a família sobreviva com o mínimo de dignidade. O marido de Alice Antunes, de 33 anos, está em Rio Claro (SP) há três meses e só deve voltar dias antes do Natal. Com a mulher, ficaram três crianças de 8,11 e 12 anos, sustentadas com dinheiro enviado para “uma comprinha ” e com R$ 112,00 mensais do programa Bolsa Família. Às vezes, Alice encara um dia de trabalho em colheita de feijão por R$8,00.
“A gente sente muita falta [do marido], ainda mais eu que sou doente, tô com cistos no ovário”, reclamou Alice. “ As crianças também sempre têm mais medo dos pais do que das mães”, acrescentou.
Sidnéia Cardoso, 33 anos, vive situação semelhante à da vizinha. Todos os anos, o marido parte para Campanha, no sul de Minas, para “panhar café”. Duas filhas que moram com eles - três crianças são criadas pela avó - sentem o baque. “Tenho uma pequeninha aí que quando o pai vai só fica perguntando quando ele vai chegar”, conta a mãe.
Segundo Sidnéia, o medo de perder o marido existe, mas fica em segundo plano. “Para caçar jeito de viver tem que ser assim”. Uma pequena criação de galinhas e porcos é usada para alimentação da família e, quando está na região, o marido tenta “queimar um carvão” para ter alguma renda que se some ao benefício do Bolsa Família.
Ainda na comunidade de Laranjeiras, encontramos Tereza Rosa de Jesus, 57 anos, e o marido Arlindo Ferreira, 58 anos. O chefe da família, e mais recentemente, os cinco dos sete filhos do casal já se acostumaram a passar, todos os anos, no mínimo quatro meses longe de casa, quando a seca castiga a área de 5 hectares onde moram. Quando economizam, voltam com alguma reserva, mas nem sempre é assim.
“O caçula de 20 anos foi duas vezes para panhar café e não trouxe quase nada”, contou Tereza. “Mas a gente não tem condição de dar o que eles [filhos] querem, então sai mesmo”, acrescentou a mulher, que reza constantemente para pedir proteção aos filhos e também é beneficária do Bolsa Família - recebe do programa R$ 50,00 por mês.
Casado com Tereza há 36 anos, Ferreira admitiu que não acompanhou como devia o crescimento dos filhos por causa das andanças por Minas, São Paulo e Bahia em busca de trabalho: “Minha vida era no mundo. Um vez meu filho ficou doente, quase morrendo e eu tava fora”. A mulher completou: “ Eu adoeci uma vez e precisou de alguém de outra família me socorrer.”
Onofre Fernandes, de 62 anos, foi nos seis últimos anos para colheitas de café ou corte de cana. Segundo ele, ao fim de cinco meses de serviço nestas atividades, dá para voltar para casa com mais ou menos R$ 800,00 a R$ 1.000,00 de economia. “Mas tem que deixar o couro no serviço”, ressalvou. Muitos sertanejos que se aventuram nas lavouras Brasil afora encontram condições de trabalho precárias, equipamentos e alojamento inadequados, além de sofrerem eventuais chantagens de empregadores.
Na comunidade em que Agência Brasil conversou com as “viúvas da seca” a esperança de dias melhores vem mais da fé em Deus do que da espera por políticas públicas que não sejam assistencialistas, mas de desenvolvimento sustentável. Sabem da existência de figuras como Lula [presidente da República] e Aécio Neves [ governador de Minas], mas há quem confunda ou não diferencie os cargos ocupados por eles.
“Eles só querem panhar o voto. Na hora que panham serviço [são eleitos] não estão nem aí para nós mais”, criticou Tereza.
(Por Marco Antônio Soalheiro, Agência Brasil, 16/11/2008)