Às margens da rodovia MGT 122, que liga Montes Claros a Espinosa, no extremo norte de Minas Gerais, sertanejos pobres, mas não a ponto de receberem dinheiro de programas assistenciais do governo, sustentam vir dos céus o único auxílio significativo que recebem para enfrentar a seca que todos os anos castiga a região. O pasto de algumas propriedades desapareceu por completo . Os relatos resignados são de prejuízos com a perda de gado e de lavouras, acompanhados de reclamação do descaso dos órgãos de assistência técnica.
“A ajuda que a gente recebe desse pessoal é só conversa. Ajuda nossa mesmo é de Deus. Governo e prefeito nunca deram aqui nem uma folha para tampar o vento”, resumiu o agricultor Aloeci Francisco Batista, 58 anos, 30 deles vividos na comunidade Curral de Varas, na zona rural do município de Porteirinha. “Todo ano o prejuízo aqui é grande e cada vez fica pior. Plantamos e a lavoura perdeu com o sol. Perdemos animais - porco e até galinha morrem de fome, porque não tem dinheiro para comprar o milho”, acrescentou.
Segundo Aloeci, restaram na propriedade herdada do sogro apenas 20 cabeças de gado após a seca deste ano – as primeiras chuvas começaram esta semana -, pois seis morreram por falta de alimento e outras 20 foram vendidas para evitar prejuízo maior. Ele contabilizou ainda a perda de pelo menos metade do feijão e do milho plantado. Mas ainda assim, sente-se privilegiado quando tem em mente a situação de muitos conterrâneos.
“Tem família carente aqui, com casa cheia de filho. O homem não acha serviço e fica na pobreza, dependendo de Bolsa Família. Os meus filhos, pelo menos, [são seis] já casaram e foram embora”, ressaltou Aloeci.
O agricultor disse sentir falta de uma melhor orientação e de incentivo para produzir. “Se tivesse, nós podíamos plantar mais coisas. Essa caixa eu tô fazendo tirando da goela para ver se molha umas plantinhas e melhora situação da gente, sem nenhuma orientação”, contou, apontando uma caixa d'água de 33 mil litros que está construindo para captar com uma bomba água de córrego no fim da estiagem. Aloeci fez ainda uma mina improvisada para armazenar a água das chuvas.
Ao lado da casa de Aloeci, está em construção a sede do sindicato de pequenos agricultores da comunidade, com três cômodos. O sonho dele é, junto com os colegas, montar um fábrica de polpa de umbu. “É uma planta nativa da terra. O que produz aqui é ele mesmo. Comecei a plantar algodão, milho, feijão, arroz e só tava perdendo. Agora tô plantando mudas de umbu para vender.”
A viagem segue e num pequeno conjunto de casas próximo da sede do município – em Porteirinha não foi decretado estado de emergência – está Manoel Ferreira Viana, 63 anos. As mãos calejadas e o rosto enrugado são marcas de longos anos de trabalho braçal. Nos últimos, ele passou a deixar a cidade durante os períodos de seca, em direção ao sul do estado, “para panhar café, martelando foice e enxada”. Segundo ele, se ficar em casa, “não arruma ajuda de nada”.
“Aqui, quando acha um dia de serviço na roça, o povo ainda chora para não pagar R$ 15”, lamentou Viana, ao revelar que no sul de Minas consegue tirar cerca de R$ 1.000 mensais, que garantem o sustento de três dos cinco filhos que ainda dependem dele e vivem com a esposa, na casa que nem considera mais sua. “Dentro de casa saco vazio não pára em pé. Então, a gente vive mais é na rua.”
Com os olhos marejados, Viana confessou se sentir triste em ter de deixar sua terra natal para arriscar a vida em viagens e voltar, às vezes, só com o dinheiro da passagem e um pouco para saldar as dívidas.
No início da estrada de terra que liga Porteirinha a Pai Pedro, um dos municípios mineiros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o jovem Reinaldo tenta reverter o emagrecimento de suas poucas cabeças de gado. As costelas das vacas e bezerros saltam aos olhos, mas ele garante que no ano passado a situação era pior, pois “o pessoal não tinha nem selagem nem ração.”
Assim como os outros ouvidos pela Agência Brasil, Reinaldo ressaltou nunca ter sido abordado por nenhum técnico de assistência agrícola para receber qualquer orientação e confirmou que muitos são obrigados a deixar a região em busca da sobrevivência. Ele não está entre esses apenas por razão familiar. “Só não saio porque aqui sou só eu e minha avó e a gente ainda consegue viver. Mas quem não tem condição, se ficar na seca, não acha nada e tem que voar fora.”
Aloeci, Manoel e Reinaldo são apenas alguns entre milhares de cidadãos do Norte de Minas que poderiam ser beneficiados por projetos de desenvolvimento sustentável. Há muitos até mais necessitados que eles. Resta saber se o pacote de R$ 923,3 milhões anunciado pelo governo de Minas para o combate permanente à seca se traduzirá de forma efetiva em resultados na ponta. Pelo sonho de uma vida melhor, os sertanejos esperam que sim.
(Por Marco Antônio Soalheiro, Agência Brasil, 14/11/2008)