Depois de ter autorizado a construção de Angra 3, ter dilatado o prazo para reduzir em 70% a quantidade de enxofre no diesel - prevista para janeiro de 2009 conforme estabelecido em Resolução do Conama de 2002 - e com o Código Florestal na linha de tiro, o governo Lula edita decreto que permite a destruição de cavernas por empreendimentos e obras de infra-estrutura. Nem sociedade civil nem comunidade científica foram ouvidas.
O decreto de 1990 (nº 99.556), que garantia proteção ao patrimônio espeleológico brasileiro, foi revogado por outro, em 7 de novembro último, permitindo que cavernas sejam irreversivelmente impactadas por obras de infra-estrutura e mineração. O Decreto nº 6.640/2008 estabelece graus de relevância para as cavernas e aquelas que não forem consideradas excepcionais poderão ser destruídas para que em seu lugar se construam novos empreendimentos.
"A situação agora mostra o governo não cumprindo o que determina a Constituição, que é cuidar do patrimônio espeleológico e ao editar esse decreto perdeu a oportunidade de fazer algo bem feito", afirma o espeleólogo Clayton Ferreira Lino, que trabalha com o tema desde 1970 e é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia. "O decreto parte do princípio errado, ou seja, de que todo empreendimento é relevante enquanto que nenhuma caverna tem importância até ser declarada como tal", diz Lino.
Os critérios de relevância estabelecidos para classificar as cavernas também são questionáveis. “Não têm base científica e não são claros, objetivos, transparentes. O risco é enorme e representa uma irresponsabilidade do governo que lança um decreto sem aprofundar a discussão com a comunidade científica", avalia o espeleólogo.
O advogado e coordenador do Programa Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul Telles do Valle, concorda. “Além de abrir a possibilidade de destruição completa de cavernas, não deixa claro quem - e com que critérios - vai definir as cavernas de excepcional valor. Esta definição não pode ficar a cargo apenas de um órgão técnico, como estabelece o decreto".
O “dois pra lá, dois pra cá” do MMA
Além de contrariar uma disposição constitucional o novo decreto também contraria uma Resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 2004, que já criava critérios razoáveis para permitir a instalação de obras que fosssem impactar cavernas. O novo decreto deixa de considerar as cavernas como patrimônio espeleológico conforme estabelecido no decreto antigo.
"Passamos de uma legislação que era extremamente restritiva em alguns casos - como quando um empreendimento de mineração era ou poderia ser paralisado apenas porque havia encontrado uma pequena cavidade natural em seu caminho, sem qualquer significância cênica, cultural ou ambiental - para uma totalmente permissiva, como é esse novo decreto", avalia Telles do Valle. "As únicas cavernas que estão de fato protegidas são as de relevância máxima, que pelas regras são pouquíssimas, pois têm que ser únicas em vários aspectos. Outras tantas de grande beleza ou importância ecológica vão poder ser destruídas na lógica do "dois pra lá, dois pra cá" inaugurada pelo ministro Minc: destrói aqui para conservar ali, como se isso fosse possível em termos ambientais”, diz o advogado do ISA.
Durante a gestão da ministra Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente, encerrada em maio deste ano quando ela se demitiu, longas e delicadas negociações em relação a essa questão foram realizadas envolvendo os ministérios de Minas e Energia e Ciência e Tecnologia, além de setores empresariais no sentido de flexibilizar o decreto mas sem deixar de preservar o patrimônio espeleológico brasileiro de acordo com a relevância determinada pela Resolução do Conama.
O caso de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira
A publicação do novo decreto abre as portas para que o Ibama dê a licença ambiental para a instalação da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira, SP. "Após 20 anos de resistência do movimento ambientalista e da sociedade local, e mesmo tendo o Presidente Lula afirmado durante a campanha eleitoral que não permitiria sua construção em função dos altos impactos socioambientais, a Companhia Brasileira de Alumínio finalmente terá o aval que precisava para instalar a usina e aumentar sua produção industrial", diz o advogado do ISA, Raul Telles do Valle.
Em fevereiro desse ano, a equipe técnica do Ibama emitiu um parecer apontando a existência do antigo decreto sobre as cavernas como um impedimento para liberar a obra, já que ela inundaria ou afetaria diretamente pelo menos 450 dolinas, 52 cavidades naturais subterrâneas e 59 feições secundárias, além de quatro sumidouros e oito ressurgências. “Porém, em vez de negar a licença, e por já saber das gestões junto à Casa Civil para a mudança do decreto, o Ibama teve de aguardar a publicação da nova regra para tocar adiante o processo. Agora, se efetivamente a licença for dada, o País trocará, para sempre, a existência de algumas centenas de cavidades ainda desconhecidas por mais alumínio para exportação", afirma Telles do Valle.
Diante desse quadro desanimador está na hora de relembrar o mote proposto pelo ISA no final de 2004: Desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não!
Leia a carta que a Sociedade Brasileira de Espeleologia divulgou no final de outubro sobre a minuta de decreto que estava em discussão na Casa Civil.
Leia a íntegra do decreto.
(Envolverde/Instituto SocioAmbiental, 15/11/2008)