Enquanto na maior parte do mundo a discussão está centrada em evitar o aquecimento global, a cidade de Londres já está pensando no inevitável: como aprender a conviver com ele. Para isso, a prefeitura da capital do Reino Unido está iniciando um programa inovador de adaptação à mudança climática -- o primeiro do tipo no mundo.
O projeto está sendo desenvolvido e deve passar por duas fases de consulta -- uma na assembléia da cidade, outra de ordem pública, em que qualquer cidadão pode criticar. Só depois disso ele passará a ser implementado. O objetivo é preparar Londres para as mudanças que efetivamente virão, ainda que todos os esforços sejam feitos para conter o aquecimento global.
"Eu sempre digo que a mudança climática é para a vida toda, não só para o Natal", brinca Alex Nickson, gerente de estratégia de águas e adaptação à mudança climática de Londres. "As mudanças que já estamos vendo agora são fruto dos últimos 50 anos de atividade industrial, e o carbono que jogamos na atmosfera fica lá por cem anos. Mesmo que parássemos de emitir agora, ainda teríamos de lidar com as transformações que estão acontecendo."
O trabalho envolve, num primeiro momento, estudos para analisar o quanto o aquecimento global vai transformar Londres. E não é pouca coisa. Em 2050, o verão mais quente registrado até hoje na história no Reino Unido, em 2003, estará na média dos verões. Mais adiante no tempo, terá sido comparativamente um dos mais frios. Ou seja, Londres será uma cidade bem mais quente no futuro.
Algumas projeções mostram que a capital britânica terá, em 2071, clima similar ao de uma cidade ao norte de Portugal -- coisa impensável para os londrinos hoje em dia. Também se tornarão mais comuns hoje eventos tidos como "condições meteorológicas extremas". "A definição do que é tempo extremo vai mudar", diz Alex Nickson.
Onde o calo aperta
Pelos estudos de impacto feitos até agora, algumas preocupações se sobressaem. A maior delas, em princípio, seria o risco de alagamentos. Embora Londres não esteja colada à costa britânica, existe um grande rio que corta a cidade, o Tâmisa, além de vários outros afluentes. E, ao que parece, o fluxo de água no Tâmisa terá picos 40% maiores do que hoje, quando o ano for 2080.
Isso exigirá medidas para proteger a cidade de alagamentos. Já existe uma barreira que controla o fluxo do rio antes da passagem pela cidade e impede inundações. Mas, com o passar dos anos, ela pode não ser suficiente. Cogita-se aumentar a barragem atual, ou até mesmo construir uma outra.
Outra grande preocupação é com possíveis secas. Pois é, se água demais preocupa, água de menos também. Isso porque o sistema atual de distribuição de água londrino é extremamente ineficiente -- de um terço a um quarto da água tratada para consumo é perdida por vazamentos nos encanamentos da cidade, que são muito velhos.
Além disso, os domicílios e estabelecimentos comerciais, em sua maioria, não possuem medidores individuais de consumo de água -- o que dificulta o encorajamento à economia por parte dos cidadãos.
Por conta disso tudo, hoje em dia o sudeste da Inglaterra já é considerado sob "estresse hídrico". Com o aquecimento global, isso vai piorar. Para se adaptar à nova realidade, será preciso reformar os encanamentos e colocar medidores em até 90% das unidades de habitação e comércio.
Um terceiro grande tema levantado pela estratégia de adaptação diz respeito às ondas de calor. Elas devem se tornar mais freqüentes e, se nada for feito, podem matar idosos com mais intensidade do que tem acontecido em anos recentes.
Para solucionar a questão, será necessário implementar uma série de modificações na forma como são construídos os prédios na cidade. Será preciso minimizar a necessidade de sistemas artificiais de refrigeração -- ou, em caso de absoluta necessidade, usar métodos que não emitam grandes quantidades de carbono na atmosfera -- e adaptar prédios antigos para otimizar o controle de temperatura em seus interiores.
Também existe a idéia de criar mais parques na região central da cidade, para resfriá-la -- asfalto absorve muito calor, tornando as áreas mais urbanizadas bem mais quentes que as áreas verdes. E será preciso elaborar um plano consistente para proteger as pessoas em caso de ondas de calor extremas.
Quanto vai custar?
A prefeitura londrina hesita em dar um valor para o esforço de adaptação ao aquecimento global. Como o projeto ainda está em fase de elaboração, e algumas de suas ações se sobrepõem a outras atividades do governo local, Nickson diz que não é possível colocar uma etiqueta de preço. Mas até o fim do ano devem surgir as primeiras estimativas.
De toda maneira, o projeto é inovador e está chamando a atenção da comunidade internacional. Cidades como Tóquio, Nova York e Amsterdã estão consultando o governo londrino para, possivelmente, desenvolver atividades semelhantes. É a prova mais que cabal de que, por mais que todos tentem (ou digam tentar) conter o aquecimento global, pelo menos até um certo nível, ele já está aí e é para ficar.
(G1, 13/11/2008)