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terras indígenas direitos indígenas
2008-11-14

Nas duas últimas décadas, a América Latina avançou na assinatura de instrumentos internacionais e nacionais para reconhecer e proteger direitos dos indígenas. O problema é que não são cumpridos, reavivando a chama do protesto. Para os indígenas, o território está associado ao alimento vital, e também à forma como vêem o mundo, à cultura e à herança dos antepassados e à que deixarão aos seus descendentes. Com importante população aborígine, México, Colômbia, Equador e Peru ratificaram o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotado em 1989 para garantir os direitos territoriais, sociais, culturais e econômicos dos povos indígenas e tribais.

Todos, menos a Colômbia, votaram em 2007 a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. “Teoricamente, há um reconhecimento importante, mas na prática não existe”, disse ao Terramérica o senador colombiano Jesús Enrique Piñacué, da Aliança Social Indígena. O maior “vazio” na Colômbia é que o Estado não submete à consulta dos indígenas suas normas e decisões que podem afetar as comunidades, como aprovar investimento privado em seus territórios, apesar de isso ser exigido pelo artigo sexto do Convênio 169, disse Piñacué. Desde 12 de outubro, organizações indígenas colombianas protagonizam uma inusitada mobilização, em aberto desafio às políticas do presidente Álvaro Uribe e em apoio aos seus direitos coletivos.

Nesse país de 44,6 milhões de habitantes, dos quais 1,6 milhão são aborígines, a guerra interna mata um indígena a cada 53 horas, e desde 2002 pelo menos 54 mil foram expulsos de suas terras ancestrais, segundo a Organização Indígena da Colômbia. A Constituição colombiana, de 1991, reconheceu as populações nativas como autônomas, com direito à propriedade coletiva de seus territórios e a manter suas crenças, língua e formas de justiça. A Colômbia não votou a favor da Declaração da ONU, alegando problemas de segurança nacional, pois o documento recomenda que não sejam desenvolvidas atividades militares em territórios indígenas. Para elas acontecerem, as etnias devem ser consultadas.

Na Amazônia peruana, os aborígines também protagonizaram maciços protestos em agosto, exigindo a revogação de vários decretos que promovem o investimento privado em suas terras. O Congresso concordou em revogar dois decretos mais polêmicos, aprovados dentro do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. Porém, o governo insiste que o Convênio 169 da OIT, ratificado em 1994, não dá às comunidades direito de vetar atividades em suas terras e, portanto, apenas estabeleceu, como consulta aos povos, reuniões informativas sobre concessões de exploração de minas e petróleo já consumadas.

“Muitos funcionários nem mesmo conhecem o conteúdo dos convênios e outros os interpretam de maneira errada”, disse ao Terramérica Graham Gordon, da não-governamental Associação Paz e Esperança, que participou da elaboração do informe alternativo da sociedade civil sobre o cumprimento do Convênio. O Peru foi um dos principais defensores da Declaração da ONU, mas agora enfatiza seu caráter não vinculante. O artigo 42 desse documento diz que as Nações Unidas e os Estados “promoverão o respeito e a plena aplicação das disposições”, o que está longe de ser uma disposição jurídica de caráter obrigatório.

A Constituição peruana de 1993 reconhece a diversidade cultural e a participação política dos aborígines em cotas, mas se refere a comunidades nativas e camponesas, que ocupam 55% das terras agrícolas, e não aos povos indígenas, o que implicaria reconhecê-los além de uma delimitação territorial. O Equador conseguiu importantes avanços. Depois do levante do Inti Taymi, em junho de 1990, dirigido pela Conferência de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), o movimento indígena se converteu em um ator-chave.

Assim, os deputados que chegaram ao Congresso pelo Movimento Unidade Plurinacional Pachakutik-Novo País, conduziram a ratificação do Convênio 169 em 1997 e, no ano seguinte, o reconhecimento constitucional da consulta prévia às comunidades antes de iniciar a exploração de recursos naturais em seus territórios. Este ano, com a nova Constituição aprovada no dia 28 de setembro, o Equador se declara Estado plurinacional e intercultural e já não apenas multiétnico. Segundo as organizações nativas, 35% da população é aborígine.

Entretanto, o líder indígena Luis Macas, ex-presidente da Conaie, explicou ao Terramérica que na nova Constituição deveria estar estabelecido não a consulta prévia às etnias, mas o consentimento prévio, porque só assim o governo seria obrigado a cumprir. As comunidades anunciam um levante se tiver início uma projetada exploração mineral em grande escala em seus territórios, mas o presidente Rafael Correa insiste em dizer que os planos permitirão obter recursos para o desenvolvimento social dos nativos. Em 1990, o México foi um dos primeiros países a ratificar o Convênio 169, mas suas medidas “não aterrissaram frente aos problemas gigantes e ancestrais” pendentes, disse ao Terramérica o indígena nahua Matias Trejo, sociólogo da Universidade Nacional Autônoma do México.

Por pressão da guerrilha zapatista no sul do país, na Constituição de 2001 se reconheceu “a composição pluricultural do país”, sustentada em povos indígenas “que conservam suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou parte delas”. Mas o Estado continua a determinar o que fazer com os territórios das 62 etnias do México, onde são indígenas 11 milhões dos 104 milhões de habitantes. Ao contrário de outros países, no México não há sinais de mobilizações maciças.

Dos indígenas mexicanos de 15 anos ou mais, 45% não concluíram o ensino fundamental e, destes, 18% não têm nenhum grau de instrução. Mais de 40% de suas casas possuem chão de terra batida e não oferecem resistência diante de fenômenos naturais como terremotos e inundações. No Peru, o distrito mais pobre é o amazônico Balsapuerto. Mais de 90% das comunidades nativas que vivem ali não têm serviços básicos.

(Por Milagros Salazar*, Brasil de Fato, 13/11/2008
*Correspondente da IPS. Com as colaborações de Helda Martinez (Bogotá), Kintto Lucas (Quito) e Diego Cevallos (México).


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