O avanço do monocultivo da cana-de-açúcar no Brasil ameaça a soberania alimentar, gera degradação do meio ambiente e propicia exploração do trabalho. Essas são as principais constatações do relatório: “Os impactos da produção da cana no Cerrado e na Amazônia”, elaborado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O levantamento mostra que a principal causa da expansão da cana no Brasil é a produção do etanol. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) estima que 70% da cana colhida seja destinada à produção do etanol, enquanto os outros 30% são para a produção de açúcar. Hoje, o setor sucroalcooleiro produz cerca de 18 bilhões de litros de etanol, e a previsão é de se chegar a 28 bilhões em 2010. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), nos últimos dois anos a área de plantação de cana-de-açúcar cresceu de 4,5 milhões para 7 milhões de hectares.
Segundo Maria Luisa Mendonça, coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a expansão do monocultivo é resultado de uma opção política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, impulsionada pela pressão da bancada ruralista e de grandes empresas. “O Lula está fascinado com essa história do etanol, de que o Brasil vai se tornar uma potência energética”, opina Maria Luisa.
Grandes canaviais
De acordo com o relatório, o monocultivo impede que o Brasil alcance a soberania alimentar. Terras antes destinadas à produção de alimentos têm sido transformadas em extensos canaviais. “Nós estamos expandindo um modelo que sabemos que é destruidor”, lamenta a coordenadora da Rede Social.
Para José Plácido Junior, agente pastoral da CPT-PE, governo federal foi convencido pelas transnacionais de que o agronegócio é a solução para a agricultura brasileira. “As transnacionais não estão preocupadas em encher a barriga do povo, e sim, em lucrar cada vez mais, seja qual for a cultura que tenham que plantar. No momento, são os agrocombustíveis. Quando passar essa euforia, quem vai pagar a conta?”, questiona.
O relatório alerta para o fato de que a energia que a humanidade necessita para sua sobrevivência é a gerada pelos alimentos. No Brasil, apesar do potencial agrícola, cerca de 14 milhões de pessoas passam fome e mais de 72 milhões vivem em situação de insegurança alimentar, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Esse quadro é resultado do modelo agrícola adotado, que prioriza a expansão de monocultivos visando a exportação de commodities, em detrimento da produção de alimentos para o mercado interno.
Pobreza e fome
O estudo também denuncia que o Brasil continua sendo um dos países em que há mais concentração de renda e terra, além de manter um alto índice de pobreza e fome.
Maria Luisa destaca que, ao contrário do que é divulgado pelo governo federal- que as terras destinadas à produção do etanol são aquelas já degradadas- o monocultivo da cana tem avançado em terras férteis.
A coordenadora da Rede Social afirma que o governo deveria priorizar o modelo de agricultura camponesa, e que este, na verdade, não deve ser visto como uma política assistencialista, mas como uma política central. Segundo ela, os países ricos se desenvolveram com a realização da reforma agrária. No entanto, o “Brasil continua desenvolvendo uma política colonial, voltada para o mercado externo”, lamenta.
Plano de zoneamento
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou, no início de novembro, que o plano de zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar foi concluído. O ministro disse que o plano garante que não sejam feitas novas usinas de cana na Amazônia ou no Pantanal, além de estabelecer prazo para acabar com as queimadas da cana e para melhor destinação dos resíduos gerados no processo de produção. Minc também enfatizou que, segundo o plano, não haverá mais invasão de área de produção de alimentos. “Nosso etanol será verde, não vai agredir os biomas, nem vai substituir a produção de alimentos”, defendeu.
No entanto, de acordo com o estudo, a produção de cana já tem causado grandes impactos ambientais e sociais no Brasil, alguns deles irremediáveis, como por exemplo a devastação da Mata Atlântica e do Cerrado."A cana já está na Amazônia e os governos, tanto federal como estaduais, contribuem para isso”, afirma Mendonça. Segundo ela, o papel das usinas sucroalcooleiras é legalizar a grilagem de terras e os próprios governos contribuem com essa prática.“O próprio governo Lula já aprovou a Medida Provisória para facilitar a grilagem de terras”, denuncia Mendonça.
A Medida Provisória aumenta de 500 para 1.500 hectares a área de terras públicas que pode ser vendida sem licitação na Amazônia.
A cana na Amazônia
Plácido Júnior lembra que não há como o governo federal afirmar que não há cana na Amazônia, já que própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reconhece a existência do monocultivo na região. Segundo dados da Conab, houve um aumento na produção de cana na Amazônia, entre 2007 e 2008, de 17,6 milhões para 19,3 milhões de toneladas.
Para Maria Luisa Mendonça, a política adotada pelo governo contradiz seu discurso de que a produção do etanol seria uma saída ao aquecimento global. “Ao priorizar uma política que traz a devastação, aumenta-se os impactos sobre o clima. Se a intenção é diminuir o aquecimento global, essa política está equivocada”, conclui.
Plácido Júnior aponta outro fator que comprova a expansão da cana na Amazônia. Segundo ele, existem projetos ambiciosos na região, através da Iniciativa de Integração de Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que visa a construção de hidrovias, por onde será possível escoar a produção de açúcar ou de etanol pelo Oceano Pacífico, diminuindo os custos de produção. “É um Governo a serviço do grande capital”, completa.
(Por Michelle Amaral, Brasil de Fato, 13/11/2008)