“Foi mais light do que a gente imaginava, né”. Passava das 22h e o vereador Ismael Heinen (DEM) não conseguiu esconder sua alegria com a aprovação do projeto de lei que permite a construção do Pontal do Estaleiro. O interlocutor não era um colega de parlamento, mas um dos maiores interessados no projeto – o arquiteto e urbanista Jorge Debiagi.
A Câmara Municipal já estava totalmente vazia – as luzes principais do plenário tinham sido desligadas – e o arquiteto descia as escadas laterais da Casa acompanhado de sua assessora de imprensa quando deu de cara com Heinen.
Debiagi não correspondeu à efusão do vereador, limitando-se a um breve sorriso e um aperto de mão cordial. Em seguida, foi embora – não sem antes olhar bem para os lados para certificar-se de que não havia mais nenhum manifestante contrário ao projeto por perto.
O vereador desconversou na hora da entrevista formal. “Eu apenas imaginei o que eles estavam sentindo”, justificou, fazendo questão de salientar que “sentia muito orgulho por ter assinado o projeto”.
“Meu nome é João César da Silva”, diz Zalmir Chwartzmann
Não foram poucos os flagrantes de conversa entre representantes do legislativo municipal e o grupo de empresários que ocupou o lado direito das galerias. Como o diálogo que reuniu os vereadores Dr. Goulart (PTB), Haroldo de Souza (PMDB) e Brasinha (PTB) antes da votação da última emenda, do Professor Garcia (PMDB), que retirava do projeto a determinação de 43m como sendo a altura máxima para o empreendimento.
Na platéia, o grupo de senhores vestidos com camisas bem alinhadas não fazia nenhuma questão de disfarçar e chamavam os vereadores nominalmente. Primeiro, convocaram Dr. Goulart (PTB). Apenas um senhor careca, de cabelos brancos, nariz muito fino e olhos grandes se dirigia claramente aos parlamentares. Os demais ouviam.
“Essa tem que derrubar”, orientou. Dr. Goulart não respondeu. Em seguida chegou Haroldo de Souza (PMDB). O homem repetiu “Achamos que tem que derrubar”.
Os vereadores não demonstraram muita confiança. “É? Tem?”, perguntaram. Em seguida se uniu ao grupo o proponente do PLCL 06/2008 – Alceu Brasinha (PTB). E os engravatados ataram numa conversa muito baixinha.
“O pessoal acha que tem que derrubar, viu”, avisou pela terceira vez o homem. Nova rodada de discussões entre os espectadores e finalmente alguém disse.
“Na verdade deixa passar. É a emenda do líder do governo, pode ser importante depois para o Fogaça”. Todos concordaram e a emenda do professor Garcia passou com folga.
Um servidor da Casa se revoltou. “Porque vocês não vêm aqui apertar as teclas do painel? Ficam desmoralizando o legislativo. Sem vergonha!!”
Eu fui conversar com o grupo de acusados. Eles negaram a tentativa de influenciar a votação e disseram que nunca falaram com os parlamentares antes. Perguntei como se chamavam.
“João César da Silva” respondeu o senhor esguio que conversou com os parlamentares. Não quis dizer em qual bairro morava – “Sou cidadão de Porto Alegre” -, mas garantiu que era engenheiro.
Ao seu lado, um companheiro me respondeu. “O que você quer que eu diga? Que me chamo João César da Silva”? E avisou que não tinha nada a ver com a história. “Estou só sentado aqui observando”.
Consultando uma foto da comemoração é fácil identificar o homem que passava orientações explicitamente: era Zalmir Chwartzmann, ex-presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinducon). Ao seu lado estavam dois representantes da construtora Goldstein - nenhum deles foi entrevistado por essa repórter, porém sua participação nas conversas com os vereadores ficou clara em mais de um momento.
Inclusive na comemoração, como pode sere visto na imagem de Elson Sempé, fotógrafo da Câmara Municipal, na qual o quarteto, acompanhado de um dos sócios da BM Par, Saul Boff, comemora junto com os petebistas Brasinha e Maria Luíza a aprovação do projeto.
Voto de minerva foi de Dib
A sessão plenária a Câmara de Vereadores do dia 13 de novembro de 2008 aprovou alterações na lei 470, o que vai permitir a construção de projetos na área da Ponta do Melo, na Zona Sul de Porto Alegre. Depois de oito horas de discussão e dez tentativas da opisição de adiar a decisão final, o texto apresentado pelo vereador Alceu Brasinha em abril foi aprovado em plenário por 20 votos a 14. Elói Guimarães (PTB) e Maristela Maffei (PCdoB) se abstiveram.
O voto de minerva foi do vereador mais experiente da Casa, o progressista João Dib. “Achei que fossemos ter uma discussão sobre pontos importantes. Mas se cheguei aqui com alguma dúvida, vocês não me ajudaram a solucioná-la”, alertou antes de anunciar seu parecer favorável.
Explica-se. O projeto precisava de 19 votos para passar - 18 vereadores assinaram o texto de Brasinha como co-autores. Desses, Elói Guimarães (PTB) preferiu abster-se. Ou seja, haviam 17 parlamentares no plenário com uma forte tendência ao sim.
Ao definir que a bancada votaria unida, o PDT agregou um nome a mais à lista, o de João Bosco Vaz. A coordenadora do Fórum de Entidades, Neuza Canabarro não foi obrigada pelos colegas de partido a seguir sua decisção. Votou contra.
Por fim, o presidente Sebastião Melo (PMDB) já havia informado que não seria o seu voto que decidiria a briga. Ele confirmou que era favorável ao Pontal, mas só votari dessa forma caso o jogo já estivesse decidido. Foi o que ele fez - Melo foi o 20° voto a constar no placar eletrônico.
Emendas são prêmio de consolação
Na seqüência os representantes do legislativo municipal apreciaram sete emendas. Todas passaram. Com elas, o projeto original se modifica sutilmente. A mais comemorada pelos proponentes da matéria foi de autoria do vereador Dr. Goulart e permite a construção de “edificações residenciais desde que a área para esse uso seja protegida contra eventuais cheias do Guaíba”.
As emendas de n° 2 e 3 dizem que as alterações na lei valem para a “subunidade de Estruturação Urbana 03 da UEU 4036”. O texto original propunha as novas regras de urbanização para o Pontal do Estaleiro. Na prática, as regras não estão mais restritas ao projeto.
Segundo Dr. Goulart, trata-se apenas do termo técnico que designa exatamente a área na qual serão erguidos os prédios do De Biaggi. “Era apenas para tirar o nome Pontal do Estaleiro do projeto”, argumenta.
Mas Guilherme Barbosa (PT) está seguro que o espaço é bem maior do que Dr. Goulart diz. “Essa é a prova de que o projeto não serve apenas ao Pontal, mas vale para toda a Orla – até o parque Marinha do Brasil”, denuncia. A pedido do Jornal JÁ, a Secretaria Municipal de Planejamento vai verificar até sexta-feira (13) quais os limites exatos da área.
Restaram dois prêmios de consolação para a massa de estudantes universitários, ambientalistas e líderes comunitários que queriam derrubar o projeto.
Única matéria a ganhar a unanimidade da Casa na noite de quarta-feira, a emenda de Luiz Braz (PSDB) suprime do texto original o artigo que permite a compra de Solo Criado de 1,5 vezes o tamanho do terreno. Esse índice construtivo é fundamental no cálculo de lucros que um projeto pode ter, já que amplia o tamanho do empreendimento. Será mantido o índice quer vigora na lei 470 (1x).
Outra comemoração do lado derrotado foi a aprovação da emenda do líder do governo, professor Garcia (PMDB), que retira do projeto original a permissão para erguer prédios de até 43m – e devolve a decisão para o Executivo, através do Estudo de Viabilidade Urbanística.
(Por Naira Hofmeister*, JornalJÁ, 13/11/08
*Colaborou Helen Lopes