Vencer o aquecimento global é um desafio de proporções dantescas, similares a apenas um evento na história da humanidade: a revolução industrial. A análise é de uma empresa de consultoria britânica que trabalha com vários governos e companhias numa tentativa de mapear o caminho árduo rumo a essa nova "revolução".
A matemática do raciocínio envolvido na pesquisa é relativamente simples. Ela se baseia no conceito de "produtividade do carbono", ou seja, em quanto do PIB (Produto Interno Bruto) de um país pode ser produzido com uma tonelada de gás carbônico emitida na atmosfera.
"Calculamos que esse aumento da produtividade tem de subir de 740 dólares por tonelada, hoje, para 7.300 dólares por tonelada em 2050, um aumento de dez vezes", afirma Ed Petter, gerente de relações externas para mudança climática da consultoria britânica McKinsey, responsável pelo estudo. "Parece muito, mas já fizemos isso uma vez. O valor é comparável em magnitude ao aumento da produtividade do trabalho com a revolução industrial."
A mensagem principal do apanhado de dados é indicar que, apesar do tamanho do problema, a solução, aparentemente, existe. E é por aí que vai o foco do estudo: mostrar que há saídas já disponíveis -- e talvez até lucrativas -- para reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera.
Veículos mais eficientes, controle de temperatura mais eficaz em construções, sistemas inteligentes de ar-condicionado e até o etanol da cana-de-açúcar, especialidades brasileiras, são listados como potenciais itens que, ao serem implementados, na verdade barateiam custos, em vez de encarecer. "Claro, será preciso fazer um investimento inicial, um gasto inicial, mas isso será amortizado com o que virá de economia depois e no fim sairá mais barato", explica Petter.
Segundo o estudo, pouco menos de 30% do que precisa ser feito para evitar o aquecimento global dito perigoso (acima de 2 graus Celsius) pode sair dessas soluções já disponíveis e supostamente econômicas.
E quanto aos outros 70%? Pois é. Uma fatia significativa do bolo -- o maior item individual -- é a redução do desmatamento amazônico. Aliás, parece ser este a única pedra no sapato do Brasil na questão da mudança climática. De resto, com biocombustíveis em alta e fontes hidrelétricas fortes, o país tem uma matriz energética muito mais limpa do que a dos outros grandes países do mundo.
Mas não é de se subestimar o problema do desmatamento. Evitá-lo também aparece com uma das coisas mais caras na lista preparada pelos pesquisadores. Bem perto de coisas que ainda nem existem fora do papel, como sistemas de armazenamento de carbono para usinas movidas a carvão -- fonte mais suja de energia e uma das favoritas da China, país que cresce vertiginosamente e precisa cada vez mais aumentar seu parque energético.
Política e economia
Moral da história: não vai ser fácil desatar esse nó. Mas existe um senso de urgência, sobretudo na Europa -- não dá para adiar mais. E mais: pelo menos o governo britânico está convencido de que o mercado não agirá sozinho para se tornar mais verde.
"Não há nenhuma abordagem não-intervencionista possível para a mudança climática e é preciso surgir uma nova economia política", afirma John Ashton, representante especial do Reino Unido para mudança climática, que já participou de inúmeras negociações de tratados de clima e parece convencido de que será preciso estabelecer leis para indicar o caminho a ser seguido pelos mercados, na direção de uma economia mais verde.
E parece que o governo britânico está começando a colocar ações ao lado do discurso. O Parlamento está para acertar uma nova lei que tornará a redução das emissões de gás carbônico no Reino Unido uma obrigação inescapável -- muito diferente do Protocolo de Kyoto, que estabelece metas, mas não obriga ninguém a cumpri-las.
Quando terminar de tramitar -- fontes ligadas ao Parlamento dizem que faltam pequenos detalhes, mas nada muito essencial, para a definição do texto final --, o Reino Unido será o primeiro país a ter uma legislação específica para o aquecimento global.
E o governo britânico está tentando trazer a Europa inteira junto, negociando metas agressivas para a redução de emissões, que culminariam com cortes de 80% até 2050.
Claro, para que tudo dê certo e a nova revolução industrial, é preciso que todos os grandes países -- inclusive os que estão em desenvolvimento -- participem do processo de migração para formas mais limpas de energia. E, mais do que isso, o presidente eleito Barack Obama -- que prometeu investimentos de US$ 150 bilhões em novas tecnologias contra o aquecimento global -- terá de trazer os EUA de volta ao jogo, depois da saída politicamente desastrosa de George W. Bush, ao rejeitar o Protocolo de Kyoto, em 2001.
(Por Salvador Nogueira, G1, 12/11/2008)