Termelétrica para abastecer o pólo siderúrgico de Carajás emitirá 2,2 milhões de toneladas de gás carbônico por anoProjeto deve minar plano do Serviço Florestal Brasileiro de fazer reflorestamento em grande escala na região, intensamente desmatada
A Vale avança para licenciar uma usina termelétrica no Estado do Pará que, além de contribuir para sujar a matriz energética brasileira, deve frustrar o plano do governo de criar um projeto de reflorestamento sustentável na área de Carajás, uma das mais desmatadas da região amazônica.
A usina, de US$ 898 milhões, utilizará carvão mineral importado da Colômbia e emitirá 2,2 milhões de toneladas de CO2 ao ano -o equivalente a 3,6% das emissões de todo o setor energético brasileiro em 2005. O carvão mineral é o mais sujo dos combustíveis fósseis.
A empresa já conseguiu, no fim do mês passado, a aprovação da licença prévia para o funcionamento da termelétrica que ficará em Barcarena, região metropolitana de Belém. Agora, falta obter a licença de instalação e, na seqüência, a de operação. A autorização foi dada pelo Coema (Conselho Estadual de Meio Ambiente).
A usina irá gerar 600 megawatts de energia ao ano, para abastecer o pólo siderúrgico de Carajás, no sudeste do Estado.
A opção pela termelétrica parece contrariar o discurso de sustentabilidade da empresa. Em seu site, a Vale explica suas "diretrizes corporativas sobre mudanças climáticas e carbono". Entre elas estão "promover a eficiência energética e a redução do consumo dos combustíveis fósseis".
A Vale admite que optou pela térmica para ter energia no curto prazo. "Hoje as termelétricas são a única opção viável em volume, custo e, principalmente, em prazo compatível para evitar que o Brasil corra o risco de racionamento de energia a partir de 2010."
De acordo com Tasso Azevedo, diretor-geral do SFB (Serviço Florestal Brasileiro), a criação da termelétrica vai ampliar "o uso do pior dos combustíveis, que é o carvão mineral". Segundo ele, poderia ser usado carvão vegetal, por meio do plantio de novas florestas -o que, ao mesmo tempo, recuperaria áreas hoje degradadas.
"A questão é que essa é uma opção suja, energeticamente na contramão do que a gente imaginava que pudesse ser feita na Amazônia", disse.
Em sua opinião, a Vale está dando sinais de que vai trazer carvão mineral não só para gerar energia, mas também para abastecer as guseiras de Carajás, o que prejudicará ainda mais o reflorestamento.
Hoje, as siderúrgicas utilizam carvão vegetal, muitas vezes ilegal. Segundo o secretário estadual do Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, aproximadamente 20% do carvão vegetal não tem origem legal.
A idéia do SFB era criar um distrito florestal sustentável na região de Carajás, incentivando o plantio de florestas de eucalipto para abastecer o pólo e de repor o que foi devastado.
NeutralizarAzevedo defende que seja cobrada das empresas a reposição florestal como forma de compensar o uso de carvão mineral nos casos em que poderiam ser utilizados carvão vegetal.
"Essa é uma questão estratégica. Se podem usar carvão vegetal mas optam pelo carvão mineral, estão aumentando as emissões. Então, deveriam neutralizar", afirma.
Ortega disse que aprovação da licença foi um "dilema". Ele afirmou que, como a empresa cumpriu todas as exigências, não havia outra alternativa senão aprovar. Porém, admite que o "carvão mineral não é o desejável". Ele ressaltou, no entanto, que a licença foi bastante rigorosa e que as termelétricas não são novidade na Amazônia.
Ele concorda que o desafio é acelerar o reflorestamento na região e disse que o Estado tem atuado neste sentido. "O Pará contribuiu com 150 mil hectares de reflorestamento neste ano. No Brasil inteiro foram 600 mil hectares", disse.
(Por AFRA BALAZINA,
Folha de S. Paulo, 12/11/2008)