Um monitoramento realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstrou que a área de Mata Atlântica no Brasil foi reduzida em mais de 500 mil hectares entre os anos de 1995 e 2000. Mais cinco anos e as perdas chegaram a um milhão de hectares. Hoje, a floresta de maior biodiversidade do planeta abrange pouco mais de 104,5 mil km², cerca de 8% da extensão do país. A utilização de áreas para agricultura e a ocupação desordenada por pequenas propriedades rurais e assentamentos estão entre as principais causas dos desmatamentos.
A comunidade dos vales dos rios dos Sinos e Caí, no Rio Grande do Sul, estão vivendo essa realidade há anos, em particular com a degradação acelerada do imponente Morro Ferrabraz, em Sapiranga, um município de colonização alemã, muito próximo da sufocante Porto Alegre, cerca de 60 km, numa das regiões mais urbanizadas do Estado.
Conhecido por sua riqueza de espécies da fauna e da flora, formado principalmente por Mata Atlântica; por seus atrativos turísticos e paisagísticos para prática de esportes; e por ter sido palco do histórico massacre dos Mucker e de sua líder, Jacobina Maurer, o Ferrabraz foi tombado em 1992 como Área Núcleo da Reserva da Biosfera, envolvendo os municípios de Sapiranga, Nova Hartz, Santa Maria do Herval, Igrejinha e Morro Reuter.
Mas a pomposa denominação não aplacou o sangradouro na floresta e se multiplicaram as estradas e picadas no interior das matas. Nem o selo de Área de Preservação Permanente (APP) espantou os agricultores, as plantações de espécies exóticas (eucaliptos, pinus, acácia), a capina química, os traficantes de animais silvestres, os caçadores, os motociclistas no interior das matas, a ocupação em área de risco, entre outros.
Foi aí que entrou em ação um pequeno grupo de moradores de Sapiranga, preocupados em preservar os remanescentes de Mata Atlântica da região em que vivem. O primeiro passo foi fundar o Núcleo Sócio Ambiental Araçá-Piranga, em 1998. Araçá-Piranga é o nome de uma árvore que se tornou rara na região, cujo fruto se parece com a pitanga, porém, maior. Em 2001, entrou para a lista de espécies ameaçadas de extinção da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), sendo reconhecida como de utilização para madeira industrial, para alimentação e de caráter medicinal.
A segunda iniciativa de impacto surgiu em 2006, através de um edital do Ministério do Meio Ambiente para patrocinar estudos de criação de áreas protegidas. A ONG se inscreveu e levou para Sapiranga R$ 70 mil, para iniciar o estudo dentro dos padrões exigidos. Conseguiu mais R$ 40 mil entre instituições alemãs e prefeituras de municípios envolvidos no estudo. O projeto ganhou nome e finalidade : criação de uma unidade de conservação na Área Núcleo da Reserva da Biosfera dos Contrafortes do Ferrabraz - Vale do Sinos e do Caí. A área de preservação ambiental compreende 12.840 hectares, desses, 4.324 hectares será delimitada como refúgo de vida silvestre.
Fauna e Flora
Os estudos começaram ainda em 2006, e envolveram 14 pesquisadores e apoiadores da ONG, entre biólogos, geólogos, geógrafos, arqueólogo, historiador, matemático e engenheiro de sistemas. Foram coletados dados ambientais, físicos e bióticos, socioeconômicos, culturais, infra-estruturais e fundiários, além da elaboração de mapas e imagens por satélite, inicialmente, envolvendo os municípios de Araricá, Nova Hartz e Sapiranga. O relatório com mais de 300 páginas foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente em junho deste ano.
Sobre os recursos hídricos, o estudo verificou que o Ferrabraz é um divisor de águas de duas bacias hidrográficas: do Rio dos Sinos, em direção à vertente Sul, e do Rio Caí, ao Norte. A primeira, com área de 3,2 mil km² abrange terra de 32 municípios, atingindo quase 2 milhões de habitantes. Já a do Rio Caí possui área de 4,9 mil km², correspondendo a cerca de 18% do território do Estado, e atinge uma população de 383 mil pessoas. "A Unidade de Conservação nessa área garantiria não só preservação dos cursos de água, mas também a manutenção da cobertura vegetal, a proteção dos solos, a preservação das matas ciliares , garantindo a preservação das próprias nascentes", diz o relatório.
Quanto à flora, o levantamento resultou num total de 192 espécies, distribuídas em 121 gêneros, pertencentes a 55 famílias, correspondendo a 28% do total de espécies ocorridas no Estado. Foram registradas espécies como mamica-de-cadela, orquídea terrícola (com ocorrência exclusiva no Ferrabraz), Cattleya sp, Vrisea carinata Wanwra, Abutilon amoenum K. Schum e Dicksonia sellowiana Hook. Os remanescentes florestais na região encontram-se muito fragmentados, com poucas áreas de floresta contínuas, ameaçados não somente pela agricultura, mas pela crescente urbanização e especulação imobiliária, relata o estudo.
As pesquisas sobre a fauna registraram a existência de 57 espécies de mamíferos, dos 269 verificados na Mata Atlântica; 135 de aves, de um universo de 849 da Mata Atlântica; 11 de répteis, dentre 197; seis espécies de anfíbios, dos 372 registrados; e 24 de borboletas. Entre os mamíferos, foram verificados, entre outros, jararaca, jacu-velho, caranguejeira, jequiranobóia - cigarra-jacaré, tamanduá, cuíca, pica-pau-do-campo e tucão
Semana da Mata Atlântica
Coordenador do estudo e presidente da ONG, o biólogo Luis Fernando Stumpf espera que o MMA divulgue em breve a decisão, já que o prazo de análise era de sete meses a contar da data de recebimento do estudo. "A Semana da Mata Atlântica começa nos próximos dias [16 de novembro], e pode ser um bom momento para o anúncio. Na próxima semana vou a Brasília e me reunirei com o pessoal do Ministério do Meio Ambiente para ver a situação e espero trazer a notícia que tanto esperamos", diz o biólogo.
O biólogo da Araçá-Piranga está otimista: "O estudo rendeu até um livro, 'Ferrabraz, Reserva da Biosfera', organizado por mim e pelo jornalista Guilherme Kolling, lançado pela JÁ Editores na Feira do Livro de Porto Alegre. Fizemos tudo certinho, cumprimos todos os passos, se não for aprovada a unidade de conservação, então nenhuma será, a não ser com um canetaço", afirmou Stumpf.
(Por Cleber Dioni, Ambiente JÁ, 12/11/2008)