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substâncias químicas tóxicas processos de despoluição
2008-11-12

Do ponto de vista ambiental, um dos grandes desafios impostos à ciência é o desenvolvimento de técnicas e processos que evitem a geração, por parte dos setores produtivos, de resíduos potencialmente prejudiciais à natureza. Enquanto não atingimos esse ideal, os cientistas têm traba­lha­do para propor soluções que possibilitem o tratamento adequado desses poluentes. Pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, coordenados pela professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, participam desse esforço.

A partir de técnicas já conhecidas, mas empregando materiais que os leigos poderiam considerar pouco convencionais, como argilas e algas marinhas inativas, eles têm alcançado resultados promissores em estudos voltados especialmente ao tratamento de efluentes aquosos de origem industrial. Graças aos avanços registrados, novas possibilidades estão surgindo, como a criação de um sistema integrado de gestão ambiental.

A linha de pesquisa coordenada pela professora Meuris foi implantada em 1998. De lá para cá, foram obtidos diversos progressos. Alguns processos testados em escala laboratorial já estão sendo utilizados pela indústria.

“Entretanto, penso que o país ainda pode avançar muito nesse setor. Temos que ir além do que preconiza a legislação”, propõe a docente da FEQ. Os alvos mais freqüentes de suas pesquisas são os efluentes contaminados com frações de metais pesados, óleos pesados e corantes. Para tratá-los, os pesquisadores lançam mão de duas técnicas distintas: adsorção e troca iônica. O uso de uma ou outra depende do resíduo que se pretende remover da solução aquosa e do adsorvente.

Dito de maneira simplificada, essas técnicas fazem a filtragem química e física do efluente por meio de um sistema de leitos. O resultado é o seguinte: os contaminantes são “aprisionados” pelos adsorventes e a água é liberada sem a presença de resíduos, numa taxa que pode alcançar até 100%. “Nós classificamos os métodos com os quais trabalhamos de ‘processos de polimento’. São ações mais controladas, destinadas a remover concentrações muito baixas de contaminantes, mas que continuam sendo potencialmente prejudiciais ao ambiente”, explica a professora Meuris. De acordo com ela, os “removedores” mais utilizados em seu laboratório são argilas, algas marinhas e zeólitas (minerais naturais ou sintéticos de estrutura porosa).

Em razão das propriedades que apresentam, os materiais têm aplicações variadas. “Aquele que tem afinidade com um grupo de metais pesados pode não ter com outro grupo ou mesmo com corantes. Por isso, uma das nossas missões é caracterizar e comparar esses materiais, de modo a explorar o que eles têm de melhor. Dependendo do tipo de efluente e da concentração de contaminantes que ele apresenta, nós utilizamos um tipo de adsorvente”, detalha a docente da FEQ. Apesar dos avanços alcançados por sua equipe, a engenheira química ressalta que os experimentos realizados em seu laboratório não representam propriamente uma novidade, visto que já são conhecidos e aplicados há um bom tempo. “O nosso papel é investigar os mecanismos de reação e como reproduzir e ampliar a escala do processo, tendo como base os métodos científicos”, define.

A proposta inovadora presente nos estudos desenvolvidos na FEQ, e que começa a ser implantada em colaboração com empresas do pólo têxtil de Pernambuco, é a criação de um sistema integrado, cuja ação contempla não apenas o tratamento dos efluentes, mas também o reaproveitamento tanto do corante removido da solução quanto do adsorvente, no caso a argila. A professora Meuris esclarece melhor esse método. Segundo ela, os materiais usados na adsorção ficam impregnados com o corante. Para recuperá-lo, os pesquisadores aplicam um eluente, que tem a função de arrastar seletivamente a matéria-prima, de modo que ela possa ser reincorporada ao processo de tingimento dos tecidos.

De acordo com dados das empresas que compõem o pólo têxtil pernambucano, aproximadamente um terço do corante usado no processo de tingimento é eliminado junto com os efluentes. “Ou seja, quanto mais corante conseguirmos recuperar, menos matéria-prima as indústrias vão usar e menos resíduos nós lançaremos na natureza”, afirma a docente da FEQ. Ocorre, porém, que a argila, assim como os demais adsorventes, tem uma vida útil. A partir de um determinado momento, ela satura e já não tem mais capacidade para “filtrar” de forma eficiente a solução aquosa. Quando isso acontece, a argila também passa a ser considerada um resíduo, pois fica impregnada com o corante, ainda que em baixa concentração.

Para dar um destino nobre a esse material, denominado tecnicamente de matéria-prima de segunda geração, os pesquisadores da Unicamp pretendem criar soluções para que ele seja agregado pelas olarias instaladas nas proximidades do pólo têxtil. “Como a argila saturada fica colorida, a idéia é aproveitá-la na fabricação de tijolos e telhas igualmente coloridos. Ou seja, queremos fechar o ciclo, de forma a reduzir praticamente a zero a geração de resíduos industriais”, adianta a professora Meuris. “Por enquanto, temos pleno domínio da etapa de remoção do contaminante. O próximo passo será incorporá-lo ao sistema integrado”, acrescenta.

Equipe faz estudos de análise de riscos

Atualmente, é impossível falar de minimização e controle de poluentes sem que haja referência à gestão ambiental. E ao se mencionar a gestão ambiental, não se pode deixar de considerar a questão da análise de riscos.

“Ou seja, temos que verificar quais são os procedimentos e como as pessoas estão trabalhando em relação a eles. Quando fazemos esse tipo de abordagem, estamos avaliando tanto os riscos ambientais quanto os riscos de acidentes, visto que uns não estão dissociados dos outros”, afirma a professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. Nessa linha, a equipe da docente vem realizando estudos de análise de risco relacionados a questões de biossegurança, em particular atividades de serviço de saúde, que englobam hospitais, clínicas etc.

O maior desafio dos pesquisadores, conforme a engenheira química, foi manipular esse tipo de material, visto que ele é muito diferente do gerado pela indústria, até então o foco prioritário dos estudos. “Uma coisa é mexer com metal pesado, outra é manejar resíduos que contêm microorganismos patogênicos. A solução que encontramos foi a seguinte: uma aluna de doutorado foi ao hospital para conhecer os procedimentos e as características dos resíduos. Posteriormente, nós reproduzimos tanto as ações quanto o lixo hospitalar em laboratório, sem evidentemente que este estivesse contaminado. A partir daí, trabalhamos passo a passo até conseguirmos inativar os padrões considerados inadequados, o que representou a conseqüente inativação de diversos microorganismos também no processo real”, explica a professora Meuris.

Ainda em relação à gestão ambiental, a docente da FEQ diz que não é otimista nem pessimista quando a referência é o Brasil. “Ainda estou na fase de observação”, diz. Ela considera, no entanto, que não basta que o país se atenha somente à legislação, embora esta seja uma das mais avançadas do mundo. “A questão de cumprir apenas o que determina a lei já não satisfaz mais. Atualmente, a opinião pública está mais consciente em relação aos impactos ambientais. Ou seja, temos que ir além. Ocorre que antes de irmos além, temos que assegurar que a legislação seja cumprida. E para que isso aconteça é preciso ter pessoal qualificado, tanto nas empresas quanto nas instituições fiscalizadoras. Sem recursos humanos, dificilmente conseguiremos avançar. Outro aspecto que precisa melhorar é a parceria entre o setor produtivo e academia. As empresas sempre querem resultados imediatos, mas elas precisam entender que a ciência exige tempo e dinheiro e oferece riscos. Felizmente, essa compreensão está começando a existir”, considera.

(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 11/11/2008)


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