O carvão de Santa Catarina começou a ser explorado há mais de cem anos. Como inicialmente o proprietário da terra era o dono deste recurso, cada um o retirava do solo com picaretas, resultando em uma série de bocas de minas abandonadas, que hoje drenam águas ácidas para os rios da região. O carvão era, naquela ocasião, utilizado para iluminação pública no Rio de Janeiro.
O Brasil, até então um país predominantemente agrícola, entrou para a era industrial com apoio do carvão de Santa Catarina. A maioria das áreas degradadas foi explorada pela estatal CSN, a Companhia Siderúrgica Nacional, cujas operações se iniciaram em 1946, em Volta Redonda (RJ), após a Segunda Guerra Mundial.
Hoje o carvão mineral é utilizado quase todo para a geração de energia. O setor considera que tem dois problemas prioritários a resolver: recuperar as áreas degradadas pela atividade, que hoje somam 6.171 ha, e mitigar suas emissões de gases de efeito estufa, também compensando-as.
São movimentos de transformação da má imagem que, em geral, o carvão evoca e que alimenta os movimentos ambientalistas contra a abertura de novas minas – algo que o setor alega ser fundamental para o cumprimento de seus contratos.
Em meados deste ano, foi fundado o Centro de Tecnologia de Carvão Limpo (CTCL), da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (SATC). A proposta do CTCL é concentrar a maioria dos estudos sobre o carvão mineral que vêm sendo desenvolvidos no Brasil, em áreas como geologia, mineração, conversão (combustão e gaseificação do carvão) e meio ambiente.
AmbienteBrasil conversou com Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, sobre esses desafios.
O setor diz que "o Brasil tem uma dívida com a região carbonífera, tendo a União sido incluída como réu na sentença judicial que obriga a recuperação das áreas". Que sentença é essa?
Zancan - A sentença é resultado da Ação Civil Pública nº 93.8000533-4, proposta em 1993. Colocou como réu as empresas, os responsáveis, o Estado de Santa Catarina e a União. Na revisão, o Estado de Santa Catarina e as pessoas físicas foram retirados, ficando a União e as pessoas jurídicas, que respondem solidariamente. Em setembro de 2006, as empresas apresentaram novos Planos de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) e as partes, em consenso, apresentam Proposta de Indicadores Ambientais e Plano de Monitoramento, homologados pelo juiz em janeiro de 2007.
O que a sentença determinou?
Zancan - A recuperação das áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto e minas abandonadas, com prazo de três anos, e dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios Tubarão, Urussanga e Araranguá, com prazo de dez anos. Foi criado um grupo técnico de acompanhamento da sentença (GTA), com representantes das partes: MPF, União e empresas e representantes de órgãos relevantes para o processo de recuperação ambiental. Os trabalhos realizados permitiram definir a área impactada em 6.190 ha, toda mapeada e com as responsabilidades definidas. Será executada de forma solidária entre as partes. Todo esse passivo está sendo tratado nesta sentença.
E para as áreas de exploração atual?
Zancan - Para elas, existe um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com cada empresa. Hoje existe a obrigação de que todas as empresas sejam certificadas na ISO 14.001. É uma obrigação do cliente principal, a Tractebel Energia, responsável pela termelétrica que consome a maior parte do carvão extraído. De um total de 10 empresas filiadas ao sindicato, todas já estão certificadas. A ferrovia e a termelétrica já estão certificadas e a SATC (instituição de ensino mantida pelo setor) também. Assim, toda a cadeia do carvão tem SGA (Sistema de Gestão Ambiental) certificado. Existem ainda duas empresas no Rio Grande do Sul e uma no Paraná que estão em processo de implantação.
O setor convive com reações contrárias à abertura de novas minas e diz que precisa delas para cumprir seus contratos. Como lidar com esse dilema?
Zancan - A atividade carbonífera na região trouxe o desenvolvimento, mas também ficou a degradação ambiental. Creio que todos os setores produtivos cometeram erros ambientais no passado e o setor carbonífero também, capitaneado pela União que, sempre que precisou do carvão, veio e estimulou a atividade. O carvão foi utilizado para iluminação pública no Rio de Janeiro no início do século. Nos períodos de crise, como nas guerras mundiais e na crise do petróleo, o país precisou e se utilizou do carvão, mas deixou a degradação. A entrada do Brasil na era industrial se deu por meio da siderurgia, com a instalação da CSN, que utilizava um percentual de nosso carvão. Hoje existe um movimento - creio que não é da sociedade como um todo, mas de um grupo de pessoas - que se opõe à abertura de minas novas. Há um conflito no município de Içara, onde alguns agricultores, liderados por um “Movimento pela Vida”, fazem passeatas, tratoraço e até chegaram a destruir as instalações da empresa que está se instalando na forma da lei. Essas pessoas são ligadas a agricultores que produzem fumo e arroz, que também têm seus problemas ambientais e de saúde, mas não querem que a mineração se instale no município. Creio que o passado do setor depõe contra, mas os compromissos e responsabilidades atuais obrigam a uma postura diferente, que deve ser cobrada pela sociedade.
O Centro de Tecnologia de Carvão Limpo (CTCL) pretende “trabalhar diretamente no uso do carvão em tecnologias limpas de geração de energia para reduzir a emissão de gases poluidores". Como isso está sendo feito?
Zancan - Hoje o mundo não consegue ainda ficar sem os combustíveis fósseis, mas também não se pode continuar a utilizá-los como foi feito até hoje. Por isso, os combustíveis fósseis têm que ser um novo combustível, com a captação de gases (de efeito estufa) e compensação de emissões. As tecnologias estão sendo desenvolvidas pelos países e o Brasil não pode deixar de investir porque, depois, teremos que pagar para utilizá-las. Por isso, o setor carbonífero tem que buscar novas tecnologias de uso do carvão como combustível. A mesma coisa está sendo feita pelo setor de petróleo. As tecnologias de gaseificação, liquefação do carvão, que poderia ser feita in situ, podem reduzir muito os impactos da exploração e uso do carvão. Além disso, as camadas de carvão e as cavas podem ser utilizadas para armazenar CO2 capturado. A eficiência energética é outra questão que deve ser tratada. Ao aumentar a eficiência de nossas térmicas, podemos emitir menos gases para cada unidade de energia gerada.
Qual a participação do carvão mineral hoje na matriz energética brasileira? Quanto desse percentual vem de Santa Catarina?
Zancan - Hoje é de cerca de 1,6% da matriz energética brasileira e a previsão é que vá para algo em torno de 2,5%. As reservas brasileiras estão na maior parte no Rio Grande do Sul, cerca de 90%. Em Santa Catarina, são de cerca de 8% e, no Paraná, 1%. Existem em Santa Catarina 10 empresas filiadas ao Sindicado das Indústrias de Extração de Carvão; no Rio Grande do Sul, duas empresas e, no Paraná, apenas uma.
Hipoteticamente, digamos que o Governo decida proibir o uso de carvão mineral no Brasil. No âmbito do setor produtivo, qual seria um resultado estimado dessa proibição?
Zancan - Os países utilizam o que têm para produzir energia - quem tem carvão usa, quem tem rios que podem ser barrados utilizam e quem não tem nada disso utiliza energia nuclear. Mas a geração de energia de um país tem que ser híbrida, tem que ter um pouco de cada coisa. Onde existem ventos utiliza-se eólica, energia solar também, mas só essas alternativas não suprem nossas necessidades. Ficar só com hidrelétricas pode nos deixar vulneráveis em tempos de estiagem prolongada e as mudanças climáticas podem piorar esse quadro. Hoje tem a tendência de priorizar pequenas centrais hidrelétricas, mais vulneráveis ainda nas estiagens. Assim, o carvão é uma alternativa para diversificação da matriz e segurança energética do país. Abrir mão de um recurso natural que pode ajudar na segurança energética, ao diversificar a matriz, não parece ser uma medida em favor do país. Não acredito que se possa propor essa barbaridade em nome do meio ambiente porque, quando se fala em meio ambiente, se fala em qualidade de vida e desenvolvimento sustentável. Será que não podemos ter economia com produção industrial aqui e temos que importar tudo, gerando empregos em outros países, como era no Brasil Colônia? Será que apenas os países ricos podem emitir poluentes e desenvolver tecnologias e nós, não? Não acredito que isso seja ambientalismo ou patriotismo.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 11/11/2008)