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direitos indígenas
2008-11-11

Fechamento de escolas indígenas pela Prefeitura de Carnaubeira da Penha desde fevereiro de 2008 compromete atendimento a 167 crianças e acirra conflito de terra

A Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação concluiu no final de outubro missão de seguimento sobre a situação da educação no sistema prisional de Pernambuco. A missão ao estado integra missão nacional que abordará o tema em São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. A missão será concluída em março de 2009 com a apresentação do relatório com recomendações ao Estado brasileiro em audiência pública no Congresso Nacional. O informe preliminar sobre a missão de Pernambuco será finalizado até o início de dezembro.

Além da educação prisional, a Relatoria Nacional dedicou a última etapa da missão em Pernambuco à educação escolar indígena, dando especial atenção à situação de duas escolas do povo Pankará, fechadas em fevereiro de 2008 pela Prefeitura de Carnaubeira da Penha, sertão do estado. A Relatora Nacional para o Direito Humano à Educação, Denise Carreira, e assessora, Suelaine Carneiro reuniram-se com lideranças indígenas e entidades da sociedade civil, com o promotor Marco Aurélio do Ministério Público Estadual e com representantes da Secretaria Estadual de Educação para tratar do problema. 

A situação das escolas
A resolução 03/99 e parecer 14/99 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação estadualiza as escolas indígenas em 1999, mas foi somente em 2002 que o estado de Pernambuco assumiu essa oferta.

Conforme prevê a legislação, os povos indígenas do Estado de Pernambuco optaram em 2003 pela estadualização da educação escolar indígena, tirando-a da responsabilidade das prefeituras. Em decorrência dessa decisão, a Secretaria Estadual de Educação passou a ser responsável pela educação desenvolvida junto às 11 etnias do estado. 

No que pese essa determinação legal, em fevereiro de 2008, a Prefeitura de Carnaubeira da Penha interditou as escolas indígenas do povo Pankará.. Segundo comunicação da Prefeitura à Relatoria Nacional, a justificativa para a interdição foi um abaixo-assinado por 132 Pankarás solicitando que as escolas passassem para o controle municipal. Tal decisão desrespeitou o processo de tomada de decisão da comunidade composta por cerca de 4.500 pessoas. 

A situação das escolas faz parte de uma realidade local marcada por conflitos de terra. O território tradicional Pankará está localizado em área valorizada no sertão pernambucano em decorrência das fontes de água. O território ainda não foi homologado pela Funai, o que acirra as disputas na região entre posseiros e indígenas.

Os 167 estudantes Pankará das duas escolas fechadas pela Prefeitura passaram a ser atendidos em três casas de famílias pelos professores e professoras indígenas vinculados à Secretaria Estadual de Educação. As casas não têm água encanada e a comunidade Pankará custeia a energia elétrica e o aluguel de uma delas.  As crianças têm idade entre 5 e 12 anos.

Diante desse quadro, em resposta à ação interposta pela Secretaria Estadual de Educação, o Judiciário expediu liminar de reintegração de posse exigindo que a Prefeitura devolvesse as duas escolas para o governo estadual. A Prefeitura se negou a cumprir a liminar postando na frente das duas escolas vigias e trocando as fechaduras dos prédios para que as lideranças Pankará não tivessem acesso aos prédios. O Ministério Público Federal instaurou procedimento administrativo e o Ministério Público Estadual fez uma visita in loco e acionou as autoridades federais para o caso.

Ação da Relatoria
Desde fevereiro de 2008, quando recebeu denúncia da situação por parte do Centro de Cultura Luiz Freire e de lideranças Pankará, a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação acompanha o caso e enviou diversas comunicações às autoridades municipais e estaduais exigindo que medidas cabíveis fossem tomadas.

Na semana passada, a Relatoria se reuniu com a Secretaria Estadual e com o Ministério Público do Estado. A Relatora Nacional, Denise Carreiro, pediu para que a Secretaria Estadual agilizasse comunicação ao poder Judiciário informando que a liminar não havia sido cumprida pela Prefeitura até aquela ocasião. Segundo as lideranças, a Prefeitura ameaça interditar outras duas escolas.

"Diante desse quadro de manutenção da violação do direito humano à educação das crianças indígenas, da violação do direito ao trabalho dos professores e demais integrantes das escolas indígenas e do direito à autonomia dos povos indígenas. Diante do comprometimento do ano letivo e do risco de que o mesmo aconteça no próximo ano, estamos solicitando para que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão tome providência no sentido da retomada urgente do atendimento e de que a gestão municipal respeite à autonomia do povo Pankará", afirma Denise Carreira. A equipe da Relatoria também solicitará posicionamento urgente sobre a situação por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional de Política Indigianista e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Quem são os Pankará
O povo indígena Pankará tem o território tradicional encravado na Serra do Arapuá, município de Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco, contando com uma população de aproximadamente 4.025 indígenas, segundo levantamento da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, distribuídos em 48 aldeias.

A organização sócio-política é constituída a partir do sagrado. São lideranças aquelas pessoas indicadas pela natureza e os encantos de luz, ou seja, quem detém o saber religioso e guarda a história do povo. Assim estão organizadas da seguinte forma: Conselhos de Anciãos, 04 pajés, cacique, lideranças de aldeia, e a organização interna de educação.

O Conselho de Anciãos é a instância mais importante, pois são os representantes da tradição. É este conselho, junto com os pajés, que indica o/a cacique e o conjunto das demais lideranças que representam as 48 aldeias, consultando os encantos e ouvindo a comunidade.

Outra instância importante é a OIEEP – Organização Interna de Educação Escolar Pankará, composta pelos pajés, cacique, lideranças e o conjunto de professores e professoras.  É esta a instância que coordena a educação escolar do povo.

 Em termos de educação escolar, existem no território indígena 18 escolas que atendem às demandas da alfabetização, educação de 1ª à 4ª série, bem como a 1ª e 2ª fase da EJA – educação de jovens e adultos. As escolas são divididas por núcleos e os professores e funcionários das mesmas são escolhidos pelo povo indígena, com base nos critérios estabelecidos pelo projeto político pedagógico construído coletivamente, nos termos da Resolução CEB nº 03/1999 do Conselho Superior de Educação, da Constituição Federal e da Convenção 169 da OIT, dentre outros instrumentos ratificados pelo Estado brasileiro.

O que é a Relatoria?
Com o apoio do Programa de Voluntários das Nações Unidas e da Procuradoria Federal do Direito do Cidadão, a Relatoria Nacional do Direito Humano à Educação é uma iniciativa da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), uma articulação de sessenta organizações e redes nacionais de direitos humanos.

Inspirada nos Relatores Especiais da ONU, a Plataforma possui mais cinco relatorias nacionais: saúde, moradia, alimentação, meio ambiente e trabalho. A função de Relator não é remunerada e é exercida por pessoas com grande reconhecimento no campo em que atuam, responsáveis por liderar investigações independentes sobre violações. Cada relatoria nacional conta com o apoio de um assessor, vinculado ao quadro das Nações Unidas. Na educação, a assessoria é exercida pela educadora Suelaine Carneiro, ativista do movimento de mulheres negras e integrante de organização Instituto Geledés.

A atual Relatora eleita em junho de 2007 é Denise Carreira, feminista, coordenadora do programa pesquisa e monitoramento de políticas educacionais da Ação Educativa e ex-coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A última missão da Relatoria abordou a situação educacional no Complexo do Alemão do Rio de Janeiro, após confrontos entre policiais e narcotraficantes. O relatório sobre o Complexo do Alemão está disponível nos sites www.dhescbrasil.org.br e www.acaoeducativa.org.br

(Cimi, 10/11/2008)


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