(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
desmatamento mata atlântica política fundiária
2008-11-11

Quem está acompanhando a história que contei nos três artigos anteriores deve ter pensado que no último artigo da série, que é este, eu reservei só parte boa, só alegria e a satisfação de estar podendo salvar alguns vestígios da Mata Atlântica para as gerações futuras.

Afinal, que outros problemas um proprietário de área preservada poderia enfrentar além de todos aqueles que já relatados nos artigos anteriores? O fato é que desgraçadamente existe um número incrível de modalidades usadas pelo homem para destruir as áreas preservadas. Certamente, eu ainda não devo ter vivenciado todas nestas áreas que estou tentando proteger. Mas os desafios existem para serem vencidos e precisamos salvar alguma coisa para as gerações futuras.

À medida que surgiam as oportunidades de compra de áreas preservadas, eu fechava o negócio, geralmente sem ver a área, confiando somente na descrição do vendedor e na documentação para obtenção da escritura e registro no cartório de imóveis. Então, um advogado me ofereceu mais uma área de 33 hectares no entorno das que eu já tinha comprado. Ele não sabia direito onde ficava porque este terreno foi arrematado num leilão do Banco do Brasil por R$ 4 mil e ele queria R$ 10 mil, uma pechincha (a compra foi realizada em 26/11/2004). O terreno pertencia a uma madeireira falida e ficou com o Banco do Brasil por conta da execução de uma dívida referente a um empréstimo bancário.

Eu imaginava que este terreno ficava no meio das extensas áreas preservadas da região, que nem teria acesso por estradas, como é a situação de boa parte dos terrenos naquela região. Após algumas semanas de ter concretizado a compra e obtido a escritura devidamente registrada, eu e a Elza planejamos uma expedição para colocar os pés na área e apreciar a riqueza da biodiversidade.

Foi fácil encontrá-la com as informações dos moradores da localidade. Ao contrário do que imaginei, o terreno fazia divisa com a propriedade devastada de um jovem agricultor, que ocupava a área havia pouco tempo, depois de ter morado em Curitiba, Mato Grosso e Rondônia. Este agricultor confrontante foi muito gentil conosco e nos mostrou toda a área preservada que compramos. Ficamos fascinados. Valeu a pena a compra – pelo menos até aquele momento. E que vizinho bom – pensei. Contudo, eu logo notei algo estranho ali, mas procurei não pensar no pior.

No meio da área preservada adquirida, encontramos muitos restos de troncos de árvores nobres, que caíram naturalmente, retalhados recentemente com motosserra para aproveitar parte da madeira. Embora indignado, eu já estava aceitando aquilo como normal, pois era um problema que eu já tinha vivenciado na outra área. Mas arrisquei em perguntar para o agricultor quem tinha retirado a madeira. Para minha surpresa, ele assumiu a autoria sem nenhum constrangimento. Como forma de retribuir a gentileza de ele ser tão prestativo  fingi aceitar aquilo como um favor até, mas eu estava profundamente indignado. Lembrando o que expliquei no artigo anterior, que os troncos de árvores caídas não podem ser aproveitados, como muitos imaginam. É ali que começa a vida de um ecossistema.

Mas algo continuava a me inquietar, além da garimpagem da madeira dos troncos caídos. Eu também estava curioso para saber onde ficava um desmatamento chocante, com uso de fogo, que podia ser avistado da estrada principal, conforme mostra uma das imagens deste artigo, e que eu já havia denunciado. Reparem na gravidade do caso. Fica no topo de um morro de alta declividade. Portanto, trata-se área de preservação permanente (APP), perfeitamente justificável uma vez que este tipo de agressão pode provocar um grande escorregamento da encosta. Depois de estudar bem a geografia da região, eu finalmente descobri. Este desmatamento foi feito no nosso terreno! Na área que compramos para preservar! E o infrator foi este jovem agricultor.

A finalidade foi extrair lenha para sua estufa de secagem de fumo e ampliar a área invadida para formação de pastagem. Opa! Ampliar área invadida? Como assim? Sim, é exatamente o que você, leitor, deve estar imaginando. O que tanto me inquietava foi o fato de constatar vestígios da uma mata derrubada recentemente na divisa com a propriedade deste agricultor – além daquela área avistada da estrada geral. E o pior se confirmou: um agrimensor que contratei para medir a área, de acordo com as divisas indicadas por este agricultor, descobriu que estão faltando 13 hectares nesta área que deveria ter 33 hectares.

Durante as constantes visitas ao terreno, apareceu mais uma oportunidade de compra de uma área próxima, com 36,3 hectares. Então, pela primeira vez, eu vi o terreno antes de concretizar a compra. Até que enfim eu criei juízo, certo? Os donos moravam em Curitiba e herdaram estas terras do pai, um agricultor que abandonou a atividade há muitos anos (êxodo rural) e foi tentar a sorte em Curitiba, onde se deu muito bem, tornando-se um próspero comerciante, no ramo de materiais de construção.

Cerca de um mês após a compra, fomos ver com mais detalhes a área e tivemos mais uma decepção. Um desmatamento na divisa, pegando toda a parte plana do terreno. Eu havia me certificado bem onde era a divisa com os avós dos vendedores que também me tranqüilizaram sobre a existência de marcos em lugares muito bem determinados (referência da estufa de fumo, margem de riacho etc.). Mesmo assim, ainda tive a humildade de perguntar para este confrontante onde afinal era a divisa. Ele apontou para o limite do desmatamento, que coincide com a borda do penhasco. Eu perguntei onde estavam os marcos das divisas. Com muita frieza, respondeu que acidentalmente o trator arrancou. O agrimensor que contratei descobriu que neste caso estão faltando apenas 6 dos 36,3 hectares comprados, considerando as “novas” divisas indicadas por este confrontante.

Fiquei como um gato escaldado de tantas “cabeçadas” que levei nestas compras de áreas preservadas com vizinhos hostis e desonestos. Ainda bem, pois tanta precaução me livrou de um grande pepino quando apareceu outra chance de comprar uma área “preservadíssima”. O vendedor, residente em Mafra (SC), herdou a área do pai, que tinha falecido há pouco tempo. Na escritura consta que o terreno se situa na localidade de Xavier da Silva, em Itaiópolis (SC). Ele não conhecia o terreno, tampouco sabia onde ficava esta localidade. Mas garantiu que seu pai jamais havia explorado a madeira desta área e que sempre comentava sobre os pinheiros (araucárias) e imbuias gigantescas. A tentação de comprar este paraíso era irresistível e eu já estava doido para fechar o negócio. Fiz um esforço para não ser tão afobado e o convidei para me mostrar a área antes de fechar o negócio.

Chegando na localidade, só se via uma paisagem arrasada. Estava tudo devastado. Eu já estava convencido do que tinha acontecido, mas procurei manter o otimismo. Depois de muita pesquisa e informações dos moradores – que certamente nem sabem mais como é uma área preservada - descobrimos que o terreno foi totalmente invadido pelos confrontantes. Tomaram posse na moda antiga: desmatando, ou melhor, “limpando” a área. Virou tudo plantação de soja e pinus. O coitado do herdeiro ficou apenas com um pedaço de papel na mão, a escritura no caso, e com os comprovantes de quitação dos impostos. Não sei como ele vai fazer para reaver o patrimônio que seu pai lhe deixou, já que envolve custos elevados com advogados, elaboração de laudos técnicos etc. Enquanto que para tomar posse o invasor precisou apenas colocar gasolina e afiar os dentes da sua motosserra. O documento de posse que fala mais alto foi a devastação.

Então, será que comprar para preservar resolve? Esta foi a indagação que eu fiz nos artigos anteriores e a resposta é mais ou menos óbvia. Se você não cuidar da área vai ter surpresas desagradáveis. Só a compra não é a garantia da preservação. As pessoas não respeitam a propriedade alheia e muito menos a natureza. Esta, aliás, por ser a mais frágil, é a primeira a ser agredida, já que não pode se defender da ganância do homem. Por isso, precisa de proteção das poucas pessoas - éticas - com consciência de que todos neste planeta têm direito à vida.

Já compramos 433 hectares de áreas preservadas nas cabeceiras do rio Itajaí, em Itaiópolis (SC), e tudo está sendo transformada em RPPN, a maioria já protocolada no ICMBio, em processo final de criação. Salvamos da destruição muitos quilômetros de matas ciliares e milhares de árvores, muitas com mais de 300 anos de idade e da lista das espécies ameaçadas. Sem contar a riquíssima biodiversidade de outras plantas e animais. Assim, estamos realmente “fazendo a nossa parte” sem ter que esperar 300 anos ou mais para ver se vai dar certo, caso tivéssemos optado pelo plantio de árvores, onde teríamos gastado muito mais (5 vezes mais, no mínimo). De sobra, ainda salvamos milhares de animais, nossa biodiversidade, que infelizmente não ressuscitam e tampouco brotam a partir de meia dúzia de espécies de árvores nativas plantadas.

(Por Germano Woehl Jr., OEco, 10/11/2008)


desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -