Esse texto demorou pra sair, exatamente porque a etapa final do ciclo do lixo eletrônico parece ser a mais difícil de se lidar. Nos textos anteriores eu falei sobre as possibilidades de consumo consciente e reaproveitamento que, de uma forma ou de outra, demandam pouco mais do que informação e vontade de fazer. Quando a conversa chega à etapa da destinação final ou da reciclagem efetiva do descarte eletroeletrônico, existem entraves que parecem necessitar de uma força maior: mudar a legislação, lidar com grandes forças econômicas e tratar resíduos químicos tóxicos. A conclusão dessa parte é que é necessário uma grande mobilização da opinião pública para apressar a aprovação da política nacional de resíduos sólidos, e que há que se pensar seriamente na regulamentação e fiscalização da reciclagem efetiva de eletroeletrônicos.
Legislação
Temos acompanhado aqui pelo Lixo Eletrônico o lento processo da aprovação da política brasileira de resíduos sólidos. O projeto em andamento no Congresso trata o lixo eletrônico como resíduo reverso, responsabilizando os fabricantes pelo manejo antes da disposição final. É natural que esse tipo de iniciativa enfrente grande resistência, em especial por parte da própria indústria - afinal é ela quem tem que arcar com os custos e a logística. Mas é extremamente necessário para tirar o atraso em que a legislação brasileira se encontra sobre o assunto, e para oferecer uma solução para um problema que cresce a cada ano (e tende a crescer cada vez mais).
Como referência, a norma européia, chamada WEEE, restringe o uso de algumas substâncias tóxicas na produção, e prevê que só haja três destinos possíveis para o lixo eletrônico: reciclagem, incineração ou exportação.
A exportação, aliás, é potencialmente outro problema: ela tende a gerar em países como a China, a Índia e o Quênia o fenômeno chamado "mineração urbana", em que pessoas em regime de trabalho precário, ganhando pouco e sem observar medidas de segurança, extraem os componentes preciosos do lixo eletrônico e se desfazem do resto. Não deixa de ser uma oportunidade pensar em estimular esse tipo de atuação, desde que seja devidamente regulamentada. Já a reciclagem e a incineração também podem vir a ser problemáticas se não houver suficiente fiscalização ambiental e trabalhista.
Leia mais sobre as conseqüencias globais da exportação de lixo eletrônico:
Lixo eletrônico é altamente tóxico
Digital Handcraft ("artesanato digital", vídeo sobre o ciclo produtivo de eletrônicos)
Descaracterização
Grande parte do lixo eletrônico captado no Brasil é processado da seguinte forma: as partes valiosas mais expostas ou aquelas que não podem ser descaracterizadas (por exemplo, monitores de computador) são separadas manualmente. Todo o restante é, em essência, moído, para em seguida ser acomodado em contêineres e enviado para fora do país.
Alguns integrantes da MetaReciclagem chegaram a visitar galpões de "reciclagem" de eletrônicos em São Mateus, Zona Leste de São Paulo, e voltaram estarrecidos: meninos de 12 anos usando secadores térmicos e sem usar máscaras extraíam componentes da placas-mãe de computadores. Ficavam expostos a vapores químicos que a longo prazo são altamente prejudiciais.
Reciclagem
A reciclagem consiste em separar os materiais que compõem um objeto e prepará-los para serem usados novamente como matéria-prima dentro do processo industrial. Nem sempre a reciclagem se destina à reinserção dentro do mesmo ciclo produtivo: um computador reciclado pode gerar materiais que vão ser utilizados em outras indústrias.
Durante a elaboração do estudo sobre lixo eletrônico, descobrimos que a princípio existem pouquíssimas empresas no Brasil que realizam todo o processo de separação e preparação de materiais para a reciclagem. Um dos entrevistados falou que "O material é separado e os resíduos perigosos são enviados para refinarias fora do Brasil. Existem apenas 4 grandes empresas no mundo." Ainda segundo esse entrevistado, os materiais de maior valor são os metais preciosos das placas de circuito. Também afirmou que praticamente não existe mão de obra especializada na área no Brasil, e eles precisam capacitar a força de trabalho dentro da própria empresa.
Outra entrevistada conta sobre o processo de separação: "os plásticos vão para empresas recicladoras, os tubos dos monitores são cortados em via úmida e geram óxidos metálicos, as placas passam por moagem e separação química e depois banho e separação interna para retirar os metais que estão agregados na matéria-prima. Todo o processo é químico. Após o reprocessamento dos resíduos tecnológicos, são obtidos sais e óxidos metálicos que serão utilizados nas indústrias de colorifício, cerâmicas, refratárias e indústrias químicas."
Também existem empresas estrangeiras que realizam a captação no Brasil, mas levam o material para ser processado fora. A diretora de uma dessas empresas (com base em Cingapura) conta como é o processo: "Primeiramente separamos a sucata eletrônica por classe, efetuamos a destruição através da moagem e exportamos para a usina. Lá é feita uma desintoxicação (processo de elevação de temperatura em câmara selada a 1200C° e resfriamento em 4 segundos para 700C°), filtragem de dioxinas, liqüidificação, separação por densidade, separação por eletrólise, decantação, refinagem, solidificação em barras."
Há alguns anos, fomos visitar uma empresa que afirmava realizar o processo ambientalmente correto. O responsável nos contou que um dos grandes problemas eram os monitores de computadores, que necessitavam de um maquinário bastante complexo para ser reaproveitados. Outra complexidade que ele colocou foi que a concorrência informal, que atua sem nenhuma preocupação ambiental ou de segurança do trabalho, chega a pagar o dobro ou triplo do que eles podem oferecer pela tonelada de lixo.
Algumas empresas de reciclagem de eletrônicos:
TCG Recycling
Suzaquim
Cimelia
Umicore
Noranda
(Lixo Eletrônico, Outubro de 2008)