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lixo tecnológico / eletrônico consumismo gestão de resíduos
2008-11-10

A produção e o consumo de eletrônicos são elementos totalmente interdependentes. A indústria, com forte apoio da mídia (não só a imprensa especializada em 'informática', mas também a imprensa de variedades e em grande medida o entretenimento), se esforça constantemente em criar uma ilusão de obsolescência, lançando periodicamente novos equipamentos com inovação incremental - aquelas poucas novidades que vêm devagar, um pouquinho em cada nova versão. Já fazem alguns anos que os computadores novos não trazem mais do que versões um pouco mais rápidas de suas versões anteriores. Por outro lado, a indústria trabalha também com o estímulo a comportamentos condicionados e objetos de desejo que, na visão distorcida e irresponsável do grande marketing, aquecem a economia ao incentivar o consumo (e, adiciono eu, o consumismo). Assim, conseguem cobrir toda a gama de adoção de equipamentos.

Aquelas pessoas que dão mais valor a estabilidade e segurança defrontam-se com a situação de que seus computadores precisam de software mais recente, que não roda com o sistema operacional desatualizado. O sistema operacional novo precisa de mais memória, velocidade, armazenamento, o que for. Para isso, precisam comprar um computador novo. Como não sabem (e os fabricantes não fazem questão de informar) que existem muitos usos alternativos mesmo para computadores de dez anos atrás, acabam por guardá-los em algum armário ou se desfazer deles. Não percebem que qualquer computador é um artefato que condensa uma grande quantidade de conhecimento, e aqui não estou falando só da quantidade de informação que ele armazena: cada peça de um computador é um sistema complexo de cálculos e armazenamento, e o conhecimento aplicado no desenvolvimento e fabricação de cada uma dessas peças deveria nos levar a pensar duas vezes antes de simplesmente descartá-la.

No outro lado do espectro de consumo, as pessoas que não se importam com estabilidade mas dão importância à novidade e à descoberta se vêem em um mundo de novas funcionalidades e novos usos em potencial que hoje já é inapreensível: pouca gente consegue saber todos os usos possíveis para um computador ou um celular. Eu me lembro que não mais do que quinze anos atrás, muita gente já tinha aparelhos de videocassete que tinham um monte de funções para agendar gravações, mas ninguém sabia usar. Hoje em dia os videocassetes são peça de museu, mas essa condição se espalhou para diversos outros aparelhos. Conheço muita gente que até hoje não consegue nem enviar um SMS, mas tem telefones celulares com câmera, MP3, rádio, wi-fi e outras coisas. Aquelas poucas pessoas que sabem usar tudo isso tampouco se satisfazem: é só aparecer um aparelho que tenha uma função a mais (hoje em dia é o multi-touch ou o 3G) e já se desfazem dos "antigos". Isso tem nome: obsessão ou compulsão.

Em todo o processo de fabricação de qualquer eletrônico, além de incorrer em comportamento levemente antiético ao estimular o desejo desenfreado por consumir cada vez mais, muitas empresas adotam também comportamento explicitamente predatório: a extração de matérias-primas e a produção industrial de eletrônicos frequentemente fazem uso de mão de obra precária, não levam em conta os impactos social e ambiental, e produzem uma grande quantidade de resíduos tóxicos. Muitas empresas têm plena consciência disso tudo e acreditam, como já é típico, que fechar os olhos elimina os problemas. Isso não é verdade. Como temos tentado mostrar neste blog, a situação do lixo eletrônico está totalmente desequilibrada: a quantidade de descarte produzido a cada mês supera em muito a capacidade de absorção e reciclagem do sistema produtivo.

E o que pode ser feito em relação à produção e ao  consumo de eletrônicos?

1.1. Reduzir, com consumo consciente. É notório que a maneira mais efetiva de sensibilizar uma grande corporação é mexer na única coisa que realmente importa para ela: o bolso. Ficar atento às práticas dos fabricantes de eletrônicos, consultar referências como o Guia de Eletrônicos Verdes do Greenpeace, e evitar ao máximo as empresas que fazem uso de práticas questionáveis são um começo. Sim, isso pode ser complicado: muitas vezes, aquela característica específica que a gente quer só é feita por fabricantes duvidosos. Em outros casos, os produtos mais corretos em termos sociais e ambientais são mais caros. É verdade, e não só no caso dos eletrônicos: produzir com responsabilidade custa mais. Aqueles produtos mais baratos muitas vezes são resultado de um processo em que crianças ou idosos trabalham doze horas por dia, recebendo em um mês menos de um terço do que seria um salário mínimo no Brasil. Para você pagar menos, um monte de gente foi explorada. Pense muito bem antes de comprar qualquer equipamento: comprando de um fabricante diferente, você pode estar contribuindo para que menos pessoas sofram, para que haja menos poluição no mundo e para ter certeza de que, no fim da vida útil do seu equipamento, ele seja devidamente reciclado. Você pode pensar que a decisão de uma pessoa não faz diferença, mas se todos ficarem esperando ao invés de fazer alguma coisa, nada vai mudar.

Leia mais sobre o impacto do ciclo produtivo de eletrônicos:

Digital Handcraft

Guia Eletrônicos Verdes do Greenpeace

A guerra do Coltan

1.2. Reutilizar os equipamentos para estender sua vida útil. Qualquer equipamento eletrônico, principalmente aqueles que têm um alto nível de processamento de informação como computadores, abriga uma grande quantidade de usos não explorados. Se você, como a grande maioria das pessoas, usa seu computador para acessar a internet, editar textos e imagens e escutar músicas, é bastante provável que esteja desperdiçando capacidade de processamento: o seu computador fabricado nos últimos quatro ou cinco anos tem todas as condições para se tornar um servidor de rede, o que possibilita que qualquer Pentium fabricado em 1996 possa ser utilizado como um terminal leve. Ou seja, em vez de precisar de um computador novo para cada pessoa em sua casa ou escritório e jogar fora os computadores antigos, você pode compartilhar o processamento de um computador mais novo para dar novo uso para aqueles mais velhinhos. É possível fazer isso com qualquer sistema operacional, mas a otimização de recursos é mais efetiva com o uso de software livre como o LTSP. Computadores antigos também podem funcionar como gateways e firewalls, servidores de arquivos e estações de trabalho específicas.

Alguns tutoriais e dicas sobre compartilhar o processamento de seu computador:

Rede de terminais leves com Red Hat e Mandrake
Kurumin Terminal Server
Linux em PCs antigos

1.3. Descartar de maneira responsável. Mesmo que você não tenha o interesse ou a disposição de estender a vida útil de seu computador, pode imaginar que simplesmente jogá-lo no lixo é um desperdício de conhecimento aplicado. O Brasil é um país de desigualdades, e apesar de inúmeras iniciativas positivas nos últimos anos, ainda é grande a quantidade de pessoas e organizações que não tem recursos para adquirir tecnologia da informação. Existem dezenas, talvez centenas, de organizações em todo o Brasil que aceitam doações de equipamentos eletrônicos para reutilizá-los em diferentes projetos sociais, ou mesmo como fonte de recursos - uma vez triado, o lixo eletrônico pode ser revendido para empresas de reciclagem. Ou seja, muitas vezes o lixo eletrônico não é lixo. Direcioná-lo para quem precisa ajuda a estender sua vida útil, e pode ter algum efeito na redução da demanda por produção mundial. Ajude a espalhar essa idéia. Mas aí vem a grande pergunta: afinal, como eu faço isso? Como encontro entidades que recebam essas doações? Não existe uma resposta pronta. Até hoje, ninguém conseguiu desenvolver uma maneira de responder de maneira estruturada a essa questão, que cresce a cada dia. Mas vou falar mais sobre isso no próximo post, sobre descarte e reuso.

O guia How Stuff Works sobre Lixo Eletrônico fez um levantamento sobre entidades e projetos que podem receber seu lixo eletrônico, e mais algumas referências:

Rede Metareciclagem
Centro de Recondicionamento de Computadores - Maristas Rio Grande do Sul
Centro de Recondicionamento de Computadores Gama - Distrito Federal
Associação Brasileira de Redistribuição de Excedentes]
Casas André Luiz
Comitê pela Democratização da Informática
Comlurb Rio de Janeiro
Dell
Motorola
Lista do Ministério do Meio Ambiente para descarte de pilhas e baterias
Lista do Ministério do Meio Ambiente para descarte de baterias de carros

(Lixo Eletrônico, Outubro de 2008)


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