Expedição no noroeste do Estado derruba mito de que região é mata homogênea
Em plena floresta, grupo já identificou uma espécie nova de cobra-cega e um tipo de avenca que não era registrado desde o século 18
A maior série de expedições biológicas conduzida nos últimos anos na Amazônia está descobrindo uma riqueza natural inesperada na chamada Calha Norte- uma região cobiçada por mineradoras, madeireiras e pelo setor hidrelétrico.
A surpresa com a biodiversidade da faixa de terra ao norte do rio Amazonas, nos limites do Pará, começou a ficar clara nos últimos meses, com um levantamento que Estado articulou após criar cinco unidades de conservação em 2006.
A área pertence ao mesmo centro de endemismo (macrorregião ecológica) do Suriname e da Guiana Francesa, e sua fauna e flora é mais parecida com a desses países do que com o resto da Amazônia brasileira.
"Durante muito tempo se achou que essa região era um centro de endemismo pouco diverso em relação a outros da Amazônia e que era mais ou menos homogêneo, porque há uma predominância muito grande de floresta de terra firme", diz Alexandre Aleixo, biólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi, que coordena as expedições. "Mas, o que a gente está vendo é que a Calha Norte aqui no Pará é um mosaico enorme de ambientes."
Numa malha de trilhas cortadas na Reserva Biológica do Maicuru, que a reportagem da Folha explorou acompanhada dos biólogos, o que mais impressiona são mesmo as florestas de terra firme, dominadas pelos imensos angelins -árvores que atingem até 50 metros.
Vista do helicóptero a área é um grande manto verde homogêneo, mas ao explorá-la por terra é possível ver paisagens bens diferentes, que variam entre florestas abertas em cumes de morros, bambuzais, zonas dominadas por palmeiras e, perto dos rios e igarapés, as áreas de alagamento sazonal.
"A gente está vendo agora que as áreas mais importantes para conservação são exatamente os ambientes que oferecem essa quebra na homogeneidade que a terra firme tem", diz Aleixo. Um passo importante para a preservação da região já foi dado quando o governo do Pará criou cinco unidades de conservação novas. Em algumas delas, a exploração de recursos naturais será permitida de forma limitada, mas ninguém sabe ainda como distribuir os espaços.
O que vai definir isso são os chamados planos de manejo, e o levantamento biológico que está sendo feito agora visa justamente subsidiar o trabalho.
Nova espécie
A riqueza natural da Calha Norte está ficando clara antes mesmo de o levantamento terminar -algo que requer uma análise cuidadosa dos espécimes coletados, levados ao Museu Goeldi. O grupo de especialistas em répteis já identificou uma espécie nova de cobra-cega, também conhecida como cobra-de-duas-cabeças.
"Estávamos instalando uma armadilha e cavando um buraco. Nós, sem querer, partimos o bicho no meio", conta a bióloga Wáldima da Rocha. "Um dos auxiliares falou que tinha jogado fora um pedaço da "minhoca". Eu olhei e vi que não era uma minhoca. Depois consegui achar a outra metade do bicho e, enfim, é uma espécie nova."
Segundo o grupo da herpetóloga Teresa de Ávila Pires, que capturou duas surucucus na expedição, a área tem algo de especial. "Em toda minha carreira, de 40 anos, peguei umas cinco surucucus", conta o holandês Marinus Hoogmoed, membro da equipe. "Pegar duas em um dia, agora, é uma coisa estranha. Significa que o bicho aqui provavelmente está em condições muito boas."
Os resultados da expedição também têm deixado entusiasmados os botânicos Sebastião Maciel e Goreti de Souza, colaboradores do Museu Goeldi. Ambos têm trabalhado nos últimos anos para ampliar o estudo das pteridófitas -o grupo das samambaias- na Amazônia. "Elas têm grande importância porque são bioindicadoras de poluição e alteração ambiental", explica Maciel.
Uma das "jóias" coletadas pelo grupo na Calha Norte é justamente uma pteridófita -a avenca Adiantum multisorum- que nunca havia sido fotografada, os únicos registros existentes eram textos e desenhos datados do século 18.
(Por RAFAEL GARCIA, Folha de S. Paulo, 09/11/2008)