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nascentes mata ciliar isa
2008-11-06
Em entrevista ao ISA, Giselda Durigan conta o que viu e o que achou de sua visita aos projetos de restauração florestal implementados pela Campanha Y Ikatu Xingu no Mato Grosso

Mestre em engenharia florestal pela Universidade de São Paulo, doutora em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com pós-doutorado junto ao Royal Botanic Garden, em Edinburgh, na Escócia, Giselda Durigan é pesquisadora do Instituto Florestal do Estado de São Paulo e professora credenciada no Programa de Pós-graduação em Ciências da Engenharia Ambiental, da USP, em São Carlos. Em outubro, ela esteve em Canarana (MT), a convite do Instituto Socioambiental (ISA), para participar do II Encontro Nascentes do Xingu e da I Feira de Iniciativas Socioambientais, reunindo diversos projetos de restauração dos recursos naturais da Bacia do Xingu e a geração de alternativas econômicas sustentáveis para populações tradicionais. Durante o evento, a pesquisadora ministrou oficinas sobre a conservação do Cerrado e a restauração de mata ciliar. E aproveitou a oportunidade para visitar – acompanhada pelos técnicos do ISA - alguns projetos de restauração florestal que a Campanha Y Ikatu Xingu vem implementando na região. Abaixo, suas impressões sobre as técnicas de plantio que estão sendo disseminadas para restaurar as áreas de nascentes e as beiras de rio da Bacia do Xingu.

ISA - Quais foram suas primeiras impressões a respeito do trabalho da Campanha Y Ikatu Xingu para a restauração e preservação das matas ciliares e áreas de preservação permanente na Bacia do Xingu?
Giselda Durigan - Quando eu soube, pelos relatos dos técnicos e pesquisadores envolvidos na restauração ecológica dentro da campanha Ikatu Xingu, que, contra todos os paradigmas da silvicultura convencional, as matas ciliares da região estão sendo recuperadas com o plantio direto de sementes de árvores, como se fossem soja ou milho, até mesmo com máquinas plantadeiras, confesso que pensei comigo: “isto não vai dar certo... a germinação vai ser baixa... a mortalidade será alta na estiagem... sementes pequenas não vão se desenvolver... o capim vai tomar conta dos plantios...” Além dessas suposições, baseadas nas experiências do sudeste, eu sabia também que outras técnicas de baixo custo já haviam sido testadas na região, sem sucesso, como a transposição de plântulas ou folhiço retirados da floresta nativa, que não sobreviveram à primeira estação seca. E eu temia então pelo desânimo das pessoas diante de uma nova tentativa frustrada.

Mas, como regra número 1 do pensamento científico, eu não podia me esquecer de que não se deve descartar uma hipótese antes que tenha sido testada. Então, esperei ansiosamente pelas visitas às áreas de plantio, que tive a oportunidade de conhecer após o evento. Enquanto esperava, fui conhecendo as iniciativas de restauração pelos relatos apresentados durante a Feira. Aos poucos, fui entendendo que, nessa região, há obstáculos outros à restauração além dos que já conhecemos, que são a seca prolongada, as formigas cortadeiras, os capins africanos, o gado e o fogo. Todos estes estão presentes também na região do Xingu, mas a falta de infra-estrutura surge como um dificultador a mais, além do também inexistente respaldo da ciência, uma vez que não houve tempo para a instalação de experimentos de restauração que apontassem as melhores soluções técnicas para restaurar os ecossistemas locais. E a ciência já comprovou pelo menos uma coisa: não existe uma técnica de restauração que seja adequada para todas as situações, de modo que o que serve para uma região não serve para outra e vice-versa.

Não consegui fazer o cálculo de quanto custaria o plantio de uma muda produzida em um viveiro em Canarana, que precisaria ser transportada por centenas de quilômetros de estradas lamacentas até chegar a alguma das inúmeras fazendas com áreas a recuperar. Sei que seria um custo alto demais para a dimensão do desafio de restaurar florestas na região. Há poucas estradas, poucos viveiros, pouca energia para instalar novos viveiros nas fazendas e o transporte de mudas nas estradas existentes na época das chuvas, que é a ideal para os plantios, é quase impossível. Entendi rapidamente que o plantio de mudas em larga escala não seria fácil e, portanto, se a semeadura direta não desse certo, outro caminho teria de ser buscado. Mas, felizmente, voltei do Xingu otimista.

O que você achou dos experimentos que estão sendo feitos com agrofloresta, plantio direto a lanço e mecanizado nas propriedades rurais?
Durigan - Comecei a visita pelo Ten Caten, testemunhando o crescimento de grande quantidade de arvorezinhas nos jardins agroflorestais do Osvaldinho [técnico do ISA], sob as plantas de mandioca, girassol e etc.. Ali, sob condições ótimas de irrigação e fertilização, parece que a semeadura direta está trazendo de volta as árvores, em alta densidade e diversidade. É cedo para conclusões, pois o plantio tem apenas alguns meses, mas a impressão inicial foi muito positiva. Ainda que esta técnica não deva ser tão bem sucedida em larga escala, em solos muito degradados e sem irrigação, pode dar certo em situações privilegiadas como esta que pude ver.

Depois fui para o Garapu, para ver uma das tais áreas em que as sementes de árvores foram semeadas com máquinas, junto com sementes de guandu. Este plantio já estava no terceiro ano e, para minha surpresa, havia uma densidade estimada em 3.000 plantas de espécies arbóreas por hectare, que sobreviveram a duas estações secas, e algumas já atingiam cerca de 2 m de altura! Jatobás, pequizeiros, carvoeiros, barus, cajueiros, canudeiras, de vez em quando uma garapa, um jenipapo.

Pensei: para esta densidade de plantas sobreviventes, a quantidade de sementes utilizadas deve ter sido muito alta. Sim, foi mesmo. Mas, aprendi também que na região do Xingu o que não falta são florestas nativas e gente disposta a colher sementes, de modo que, diferentemente do que ocorre no sul e sudeste, as sementes são abundantes e custam muito pouco. A diversidade parece baixa. E é mesmo. Muitas espécies não germinam ou não sobrevivem à seca. Mas, como temos aprendido em nossos experimentos no sudeste, se há vegetação nativa nas proximidades, aos poucos a fauna trará muitas outras espécies, de modo que basta recriarmos um ambiente florestal, com árvores que atraiam especialmente aves, e a natureza fará o restante do trabalho.

Muitos produtores rurais ainda utilizam herbicidas para proteger suas plantações da invasão da braquiária e das pragas. Qual é o seu entendimento a respeito da utilização de técnicas alternativas, como o plantio de leguminosas, na Bacia do Xingu?
Durigan - A principal surpresa que tive foi não ter encontrado uma manta de braquiária dominando o território. Soube que houve um esforço grande para controlar o capim antes da semeadura das árvores e isto certamente foi decisivo. Pelo menos nesses primeiros anos, o guandu que germinou e cresceu rapidamente formou sombra suficiente para impedir que o capim invadisse a área em restauração. Não é possível prever se isso acontecerá e quando, mas, aparentemente, há árvores suficientemente robustas para resistir à invasão do capim e vencer a batalha. Com base no princípio da precaução, o uso de herbicidas tem sido evitado na região. No sudeste, o glifosato vem sendo regularmente utilizado e está sendo regulamentado para uso em restauração, pois reduz muito os custos de plantio e manutenção e favorece a sobrevivência e o crescimento das árvores, ao eliminar a competição com os capins. Desde que cuidadosamente aplicado, o herbicida pode otimizar os recursos, com a recuperação de áreas muito maiores a um mesmo custo.

Quais as suas impressões a respeito do que a Campanha Y Ikatu Xingu está fazendo para a restauração florestal em lotes de assentamentos rurais?
Durigan - A última visita que fiz foi ao sítio encantador da Luzia e do Ricardo, em que a moradia, antes no meio do nada, como vi na foto de alguns anos atrás, hoje é circundada por árvores frutíferas, sombreadoras e ornamentais, entremeadas por culturas agrícolas. Ali comi mangaba, amora, caju e comeria muitas outras coisas se não estivesse com o estômago perturbado pelo excesso do irresistível pequi do Xingu na noite anterior, que a Luzia prontamente tratou com chá de carqueja, apanhada no quintal (diga-se de passagem, um santo remédio!). Ali, no assentamento Jaraguá, vi que a semeadura das árvores no meio da mandioca e do abacaxi dá resultado, mesmo sem irrigação, pois já tinha até cajueiros frutificando. Mas se o capim não for controlado, as árvores acabam morrendo ou se desenvolvem muito mal. Também vi por toda a região que, de modo geral, a vegetação do cerrado é bem mais fácil de restaurar do que as florestas, regenerando-se naturalmente se cessarem as perturbações.

Depois de visitar a região, o que mais você sugere que precisa ser feito para alavancar o processo de restauração dos recursos naturais da região?
Durigan - Enquanto viajava de um lado para outro alimentando a confiança nas iniciativas de restauração das florestas e cerrados, uma outra certeza foi se consolidando. É urgente avançar em uma outra frente de batalha: o manejo de microbacias hidrográficas. Regra geral, percebi que os processos hidrológicos não são compreendidos pelas pessoas que vivem ou trabalham na região. Como resultado do planejamento de cidades e estradas sem levar em conta o destino das águas pluviais e pelo manejo inadequado do solo nas propriedades rurais, sem a preocupação em maximizar a infiltração da água das chuvas, os mais graves problemas ambientais da região hoje são a erosão em sulcos ou voçorocas ao redor das cidades e ao longo das estradas, além de nascentes sem água na estação seca e grandes enchentes na época das chuvas.

Plantar matas ciliares apenas não resolve todos esses problemas. Se grande parte da água das chuvas não infiltra e a enxurrada desce a vertente rumo aos rios, a faixa obrigatória de mata ciliar não será suficiente para absorver toda essa água de uma bacia inteira. A água que não infiltra nas lavouras e pastagens vai embora nas enchentes e, depois, vai fazer falta para as plantas cultivadas e para abastecer as nascentes na estiagem. A produtividade das fazendas cai, sem que o proprietário compreenda o que está acontecendo. Perdem os proprietários rurais e perdem todos os cidadãos, pois é dos cofres públicos que saem os recursos para as obras incessantes de recuperar estradas e controlar as enchentes e a erosão ao redor das cidades.

O ideal seria aumentar a área de florestas na região, não só para a conservação, mas incentivar a silvicultura como opção de uso da terra, produzindo lenha, madeira, látex ou outros produtos não madeireiros. Mas, para isso também são necessárias pesquisas e infra-estrutura. Enquanto isso, valem os esforços e investimentos em assistência técnica voltada ao manejo adequado dos solos e dos recursos hídricos e ao planejamento da expansão urbana e da rede de estradas

Felizmente, também encontrei no Xingu um cenário raro e altamente favorável de agregação de esforços de todos os grupos de pessoas e instituições, compreendendo cientistas, organizações governamentais e não-governamentais, populações indígenas, estudantes, políticos, proprietários rurais, todos devidamente articulados na busca de soluções para os problemas regionais. Ainda que existam opiniões divergentes, trago uma certeza: uma vez identificado o problema, todos contribuirão, cada um à sua maneira, para encontrar a saída.

E trago também uma esperança: que a água do Xingu possa vir a ser sempre boa e bastante em cada braço de rio!

(ISA, 05/11/2008)

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