A Comissão Especial de Monitoramento das Violações do Direito Humano e à Alimentação Adequada presenciou em sua visita ao Estado, a situação de risco vivida pelos quilombolas no norte do Estado. Em uma das reuniões, o grupo foi surpreendido pela ação de representantes do Movimento Paz no Campo (MPC), acusados de ameaçar a comunidade.
Durante a chegada para visitar, nesta terça-feira (4), a comunidade de São Jorge, em São Mateus, a comissão formada por representantes da 6º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) encontrou com membros do MPC de prontidão na comunidade, em uma nítida ação de intimidação às comunidades, conforme já denunciado inúmeras vezes pelos quilombolas.
“A comissão presenciou claramente a intenção do Movimento Paz no Campo, que questionou o porquê da reunião e quem eram aquelas pessoas”, ressaltou a técnica da Fase, Daniela Meireles, convidada para acompanhar os trabalhos nas comunidades quilombolas.
Segundo ela, a comissão constatou ainda que a monocultora gera falta de oportunidade de produção de alimentos e a falta de água na região. Prova disso, é o fato de mais de 11 comunidades estarem sendo abastecidas com carros pipas, há um mês.
A insegurança alimentar e a falta de políticas públicas para sanar as condições precárias em que vivem os quilombolas do Estado, também foram alvo de avaliação e discussão pela comissão.
Daniela Meireles informou que um relatório será elaborado pelo grupo, com indicativos relacionados ao abastecimento e qualidade da água; a criminalização das comunidades quilombolas, alimentação, entre outros.
Entre os quilombolas, a expectativa é de que a visita da comissão gere uma nova esperança às comunidades. Eles ressaltam que muitas visitas já foram feitas por forças-tarefas, mas que pouco ou nada foi feito pelas comunidades.
Desta vez, a comissão conta com o envolvimento da sociedade civil organizada e, por isso, a expectativa é que haverá pressão para que os problemas sejam reconhecidos e sanados.
Ao todo, três das comunidades quilombolas ilhadas por eucaliptos no norte do Estado foram visitadas pela comissão. São elas: São Domingos, São Jorge e São Cristovão. Todas na região do antigo território do Sapê do Norte, que compreende os municípios de Conceição da Barra e São Mateus.
A comissão esteve no Estado para captar denúncias, investigar e propor medidas de reparação de violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada, no início desta semana.
Essas comunidades vivem há anos em busca de recuperar o direito sobre suas terras. Enquanto isso não ocorre, os negros vivem sob condições precárias de habitação, educação e saúde, e na mira de ameaças de grandes fazendeiros na região, que tentam pressionar as comunidades a desistirem de suas terras. Isolados entre os eucaliptais do norte do Estado, as 39 famílias que resistem na região - de centenas - vivem sem meios de subsistência.
Uma das principais conseqüências da monocultura de eucalipto no norte é a insegurança alimentar, levando-se em consideração as enormes dificuldades que vivem para garantir o acesso a uma alimentação diversificada e em quantidade suficiente para as suas famílias.
Para eles, a monocultura tem provocado um intenso processo de desestruturação dos seus modos de vida tradicional e do sistema de produção agroextrativista que garante alimentação diversificada às famílias.
O avanço da monocultura de eucalipto nessa região tem resultado ainda no isolamento das comunidades quilombolas, na drástica redução da disponibilidade de terras para a produção de alimentos e criação de animais para o auto-consumo e geração de renda e, na degradação ambiental com a derrubada de matas, uso intensivo de agrotóxicos e adubos químicos que empobrecem o solo.
A comissão também se reuniu com autoridades locais e estaduais, como representantes do Ministério Público Estadual (MPES), Ministério Público Federal, Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Instituto de Defesa Agrária e Florestal (Idaf) e o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra-ES).
O grupo é composto por organizações e redes da sociedade civil e representantes das seguintes instâncias de governo: Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), CDDPH, Funasa, Conab, Consea, Programa Nacional de Alimentação Escolar, Ministério Desenvolvimento Social. Participam também o Ministério Público Federal, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a Defensoria Publica da União e o Conselho Nacional dos Procuradores de Justiça.
E ainda Relatoria Nacional para o Direito Humano à Alimentação Adequada; Fase; Abrandh; Fian Brasil; Fórum Nacional Indígena, Fórum Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo; Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional; Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
Movimento Paz no Campo
Desde junho deste ano, os quilombolas denunciam que o Movimento Paz no Campo faz ameaças, inclusive físicas, aos membros da comunidade quilombola de Sapê do Norte.
Segundo eles, o MPC tenta criminalizar a luta quilombola pelos cerca de 50 mil hectares no norte do Estado que lhes são de direito, segundo as pesquisas já concluídas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Além dos quilombolas, também sofrem com as ameaças do MPC os funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-ES), responsáveis por acompanhar os processos de titulação dos territórios quilombolas em Conceição da Barra e São Mateus.
Além de fazendeiros, também fazem parte do MPC empresas como a Aracruz Celulose.
A denúncia de intimidação como colocar fogo nos carros do Incra e até casas dos quilombolas já foram denunciadas ao poder público, mas até o momento nada foi feito para conter os fazendeiros.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 06/11/2008)