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plantas medicinais
2008-11-06

Inteirar-se dos trabalhos desenvolvidos no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp é sempre muito es­timulante. Pelas suas características, o Centro situa-se entre a academia e a produção industrial e agrícola, desenvolvendo produtos mais elaborados, escoimados de dificuldades que teriam que ser enfrentadas pelos sistemas de produção. Para atingir tais objetivos, conta com um grupo de pesquisadores com as mais variadas características e capacidades, o que lhe confere caráter interdisciplinar e conseqüentemente uma diversificada infra-estrutura. Essas circunstâncias permitem ao Centro agregar valor aos objetos de suas pesquisas, facilitando sobremaneira a aplicabilidade dos resultados obtidos.

Esta visão geral permeia o desenvolvimento da linha de pesquisa “Produtos naturais bioativos”, coordenada por Mary Ann Foglio, que procura identificar substâncias com potencial medicamentoso. Química especialista em fitoquímica, que estuda os componentes químicos das plantas, o seu trabalho envolve a preparação dos extratos; a identificação das substâncias bioativas neles contidos; a elucidação de suas estruturas; a determinação de métodos para transformá-las com o objetivo de potencializar efeitos e diminuir toxidades; o desenvolvimento de metodologias de controle de qualidade; a validação de metodologias utilizadas; e a formação de recursos humanos para o desenvolvimento de todas essas atividades.

Seus trabalhos são realizados em parceria com o farmacêutico Rodney Alexandre Ferreira Rodrigues, que realiza pesquisas ligadas à farmacotécnica, que envolvem a preparação de fármacos, estudando a estabilidade, a toxidade e as formulações adequadas para os extratos medicinais.

Mary Ann diz que a idéia geral é, a partir de informes etnofarmacológicos – que correspondem ao conjunto de conhecimentos farmacológicos de práticas tradicionais de uma população ou sociedade nativa de uma região – identificar substâncias contidas em plantas, confirmar-lhes as propriedades que lhe são atribuídas e tentar viabilizar para o mercado produtos que tragam benefícios à sociedade. Entretanto, pondera a cientista, “para isso não basta identificar a substância e estudar o seu mecanismo de ação: precisamos viabilizar a utilização do produto. Para obter o registro de um produto é preciso garantir sua eficácia, que está relacionada à funcionalidade; sua segurança, que está afeita à ausência de toxidade e à dose correta em que deve ser aplicado; e sua padronização, que exige uma certa uniformidade da matéria prima vegetal utilizada”. E é aí que considera o papel de Rodney Alexandre Ferreira Rodrigues extremamente importante quanto aos estudos de estabilidade e formulação, pois são eles que vão garantir em que condições e por quanto tempo o produto se mantém adequado para o consumo. Ainda cabe-lhe determinar o tipo de apresentação: em injeção, em cápsulas, na forma de supositório, pomada, creme etc.

Rodrigues lembra que essa linha de pesquisa foi iniciada por Mary Ann há cerca de 14 anos. A idéia foi sempre partir de produtos que vêm sendo estudados e agregar-lhes valor. A Pterodon Pubescens Benth, popularmente conhecida com sucupira, foi uma das espécies pelas quais ela optou, devido aos seus propalados efeitos antiinflamatórios e de combate à dor. Popularmente ela é utilizada macerada em álcool ou água para curar dores e inflamações em geral.

O primeiro trabalho do grupo, lembra Mary Ann, foi orientado pelo professor João Ernesto de Carvalho, biomédico com formação em farmacologia. Nesse trabalho, Carina Denny, sua orientada, procurou confirmar o efeito antiinflamatório. Como inflamação e dor são distintas, um segundo estudo de mestrado, desenvolvido por Humberto Moreira Spindola e orientado por Mary Ann, deteve-se no efeito sobre a dor. Os dois trabalhos de mestrado confirmaram esses efeitos. Agora, no doutorado, Spindola dá continuidade à pesquisa dedicando-se a desvendar os mecanismos de ação da sucupira na inibição da dor.

A pesquisadora acrescenta que na literatura há referências de que muitos mecanismos de inflamação estão relacionados com caminhos que também podem inibir o desenvolvimento de células cancerígenas. Os resultados a que o grupo chegou mostram-se promissores em relação à linhagem do câncer da próstata. E esta constitui a sua maior descoberta.

O que foi feito

Os pesquisadores partiram do óleo fixo, não volátil, da semente de sucupira e tentaram verificar os componentes da grande mistura que o constituem. A planta produz, para subsistir, uma série de substâncias como mecanismo de defesa e de adaptação ao meio em que se encontra. Dessas conseguiram isolar varias já conhecidas e relatadas na literatura e uma inédita, que se revelou particularmente interessante na inibição da linhagem de células do câncer de próstata em estudos in vitro. Agora estão sendo iniciados os estudos para o combate às células cancerígenas em animais. Confirmados os resultados positivos, o passo seguinte será o estudo do mecanismo de ação, a exemplo do que também estão fazendo em relação à dor.

Contrariando a crença popular de que o que é natural não faz mal, mito que os pesquisadores fazem questão de desfazer, as substâncias que as plantas produzem são muitas vezes tóxicas ou o organismo humano não consegue digeri-las ou assimilá-las. Por isso, impõe-se um cuidadoso estudo da ação das moléculas e até introduzir-lhes transformações químicas que levem à diminuição da toxidade e aumento da segurança, potencializando inclusive a ação. Mary Ann diz que “isso é feito diante da necessidade de aumentar a eficiência e a segurança, garantindo uma padronização, de forma que em todos os lotes produzidos tenha-se o mesmo produto”.

Os critérios

Como a sucupira apresenta uma gama muito grande de substâncias, os pesquisadores isolaram algumas delas adotando como critério a atividade. Para isso o extrato foi inicialmente separado em três frações com características diversas, sendo selecionada a mais reativa, que apresentou caráter hidrofílico. Esse grupo foi então separado em outros até que se chegou a um com cerca de 30 substâncias, das quais ao final foram isoladas e devidamente identificadas sete. A partir destas foram feitas várias modificações nas estruturas, mantido o esqueleto básico, e chegaram a alguns compostos com o objetivo de comparar atividades e toxidades. Verificaram que a introdução de alguns grupos funcionais em determinadas posições melhorava a atividade da molécula e diminuíam o efeito tóxico.

Mas o grupo já havia anteriormente, quando da separação e identificação das cinco primeiras substâncias, procurado entender porque apresentavam diferentes atividades. Verificaram então que o esqueleto básico era o mesmo e ocorriam apenas variações na natureza e na posição dos substituintes, o que influenciava drasticamente as respostas observadas. Entre as cinco moléculas inicialmente identificadas, encontraram uma ainda não descrita na literatura, inédita, e que apresentava atividade muito superior às das moléculas já conhecidas.

Outra constatação foi a de que os produtos encontrados resultavam da decomposição de compostos que estavam na semente, mas que não se encontravam originalmente nelas e que apresentam uma atividade maior do que as substâncias originais da semente. Agora estão tentando entender esse comportamento e verificando como ele se dá durante o período de estocagem, fundamental para utilização farmacológica que persegue a padronização do produto final.

A propósito, os pesquisadores enfatizam que um dos objetivos da linha de pesquisa é permitir o isolamento de substâncias de plantas com vistas a utilizar o princípio ativo em medicamentos. Mas igualmente pode-se desenvolver um medicamento fitoterápico, que resulta da mistura de substâncias, que deve ter composição determinada e por isso padronizada.

Mary Ann considera que a observação da grande relação entre a atividade antiinflamatória e anticancerígena permitiu trabalhar com modelos in vitro, que requerem muito menos substâncias, o que permitiu agilizar o trabalho.

Ela entende ainda que o trabalho, além de valorizar nossas riquezas, pode conduzir a novas substâncias, capazes de tratar doenças antiinflamatórias, dores e determinadas variedades de câncer. Esse é o grande desafio. Rodrigues acrescenta que a sucupira é uma planta do Cerrado, bioma que tem se mostrado tão ou até mais interessante que a própria Amazônia. Considera que esse apelo ecológico constitui uma razão para defender sua preservação.

Os estudos dos pesquisadores permitem ainda verificar se a substância isolada funciona melhor que a mistura. Dizem que hoje em dia há uma crescente tendência de destacar o sinergismo das misturas. Mary Ann afirma: “Uma substância pura tem a grande desvantagem dos efeitos colaterais e muitas vezes as misturas já contêm os componentes que inibem a toxidade. Está se retomando de forma muito intensa a revalorização do uso de medicamentos fitoterápicos”.

Com o objetivo de melhorar a estabilidade dos extratos e substâncias isoladas, eles são submetidos aos estudos de microencapsulação. Para isso se usa a técnica do Spray-dryer-SD (atomização e secagem), em que uma mistura de uma emulsão constituída de óleo fixo da substância, de água e de um polímero (como goma-arábica) é submetida no SD a uma corrente de ar seco. Resultam microcápsulas de óleo, em que o polímero constitui o envoltório. O que se pretende com isso é verificar o que tem efeito melhor, o óleo ou a substância pura. O revestimento levaria a um efeito tóxico? Se o produto encapsulado continua com a atividade, pode-se pensar no desenvolvimento de vários produtos, de pomadas antiinflamatórias até o medicamento para tratamento de câncer.

(Por Carmo Gallo Netto, Jornal da Unicamp, 05/11/2008) 


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