A filha do ativista brasileiro Chico Mendes, assassinado há 20 anos, enalteceu a vida do seu pai e defendeu que a Amazónia "só tem coisa boa", criticando os madeireiros e a corrupção existentes naquela região do Brasil.
Numa entrevista à Agência Lusa, Ângela Mendes, que completa hoje 39 anos, realçou que os ideais do seu pai "ainda estão vivos", sendo essa a razão pela qual o Comité Chico Mendes, de que é coordenadora desde 2007, continua a defender a floresta e os seringueiros da Amazónia brasileira.
"Se o Chico estivesse vivo, poderia estar hoje a contribuir (para a defesa da floresta e dos povos). Sempre foi um homem de sentimentos muito profundos. Hoje esperamos estar a contribuir para que as novas gerações conheçam um pouco os ideais e pensamento dele", afirmou Ângela Mendes, que se encontra em Portugal para dar a conhecer os objectivos do Comité Chico Mendes.
Segundo Ângela Mendes, natural de Xapuri, estado nortenho de Acre, a grande e actual questão na Amazónia é a corrupção ligada a várias áreas, sobretudo as relacionadas com a exploração de madeira e à consequente desflorestação.
"Não temos como os travar. Os madeireiros invadem áreas que ficam longe e conseguem retirar grandes quantidades de madeira, onde a fiscalização não consegue chegar", afirmou.
"Os madeireiros são muitos espertos, sabem por onde sair sem que sejam vistos. Mas existe outro problema: a corrupção. Muitas vezes, um carregamento de madeira ilegal é visto, mas alguém da fiscalização faz vista grossa, fecha os olhos. Não sabemos porque motivo. Mas existe todo esse aparato na região", acrescentou.
Sobre os povos que habitam na Amazónia e respectiva floresta, Ângela Mendes, tal como o seu pai, defendeu que não são necessárias "esmolas", mas "oportunidades". "O povo da Amazónia trabalha e tem recursos, mas não tem dinheiro, não tem apoios", sustentou, admitindo que a responsabilidade não cabe só ao Governo, mas a todos. "Na Amazónia só tem coisa boa. É a castanha, a borracha, as sementes, a bijutaria, o artesanato, as seivas, os óleos. É um mundo de possibilidades", sustentou.
O Comité Chico Mendes, criado a 22 de Dezembro de 1988, horas depois do assassinato de Francisco Alves Mendes Filho, então com 44 anos, destinava-se inicialmente a combater a impunidade, a levar à Justiça os autores do atentado e a promover e a proteger a floresta, os índios, os indígenas, os povos da Amazónia.
"O Chico tinha uma visão muito além. "Um velório numeroso, um enterro grandioso, não vai salvar a Amazónia. Eu quero viver para salvar a Amazónia", dizia. "Hoje, esperamos estar contribuindo de alguma forma para que essa geração nova, que não conheceu o Chico saiba um pouco dos seus ideais."
Questionada sobre o que mais lembra no seu pai, a resposta saiu pronta: "Amor. Muito amor. Em tudo o que se propunha, ele colocava o coração. Foi um homem de uma luta, de uma causa, que colocou tudo à frente de si, da sua família".
"O grande amor sempre foi a luta e a causa que ele defendia. A família era um porto seguro. Mas o Chico pensava no mundo à sua volta. É um exemplo que deve ser seguido por todos", referiu.
"O Chico, quando disse 'quero viver para salvar a Amazónia', não o conseguiu fisicamente, mas acredito que o vento espalhou as ideias e o pensamento por todas as gerações. Quero crer que, se essa semente brotou no coração de alguém, seja aqui, em África, em qualquer lugar, eu fico feliz. Como ele foi um homem que amou e lutou profundamente, podemos voltar a ter uma esperança num mundo melhor", concluiu.
(Lusa,
Ecosfera, 04/11/2008)