Para pensarmos a forma como o meio ambiente está se denegrindo, é preciso atentarmos para a forma como estamos consumindo os recursos naturais. Deixamos, portanto, “pegadas” nos espaços que nos apropriamos e quanto mais exploramos a Terra, mais marcas deixamos na natureza.
Desta forma, funciona a Pegada Ecológica, uma estimativa que mostra até que ponto a nossa forma de viver está de acordo com a capacidade que o planeta tem de oferecer e renovar seus recursos naturais assim como de absorver os resíduos que geramos.
“Pela metodologia convencional, a pegada do Brasil é de cerca de 2,1 hectares por pessoa, ou seja, cada brasileiro precisa de uma área de cerca de 2 campos de futebol para produzir tudo aquilo que ele consome. Esse valor é pequeno se comparada à pegada dos EUA. Cada americano precisa de quase dez campos de futebol para manter seu padrão de consumo”, declarou Lucas Gonçalves Pereira em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail.
A partir de sua tese que trata da questão da pegada ecológica ele nos responde algumas proposições acerca do tema. Desta forma, ele fala da sustentabilidade do Brasil, como é medida a pegada ecológica no país, os alertas em relação aos dados apresentados e como devemos mudar o nosso consumo para que nossas pegadas pelo meio ambiente brasileiro possa não deixar marcas para as futuras gerações.
Lucas Gonçalves Pereira é graduado em Engenharia de Alimentos, pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Nesta mesma instituição, obteve o título de mestre e doutor em Engenharia de Alimentos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo a sua pesquisa, qual é o diagnóstico da sustentabilidade do país?
Lucas Gonçalves Pereira – Minha pesquisa busca inserir conceitos e métodos presentes na Análise Emergética (criada por Howard T. Odum, pesquisador da Universidade da Flórida, EUA) no cálculo da Pegada Ecológica convencional. A maior parte dos trabalhos publicados que obtiveram o diagnóstico de países através da Pegada Ecológica sempre mostraram que o Brasil apresenta um bom saldo ecológico. Através de minha pesquisa, verifiquei que realmente esse saldo ainda é positivo. Porém, as atividades agropecuárias e o uso de petróleo têm contribuído para que esse saldo se torne cada vez menor. Ou seja, a oferta da natureza ainda é maior do que aquilo que consumimos, porém um aumento na demanda de combustíveis fósseis e das áreas de cultivo, principalmente de cana-de-açúcar pode levar a uma mudança drástica dessa situação.
Qual a pegada ecológica-social do Brasil? Como ela é medida?
Pereira – Quando se fala em Pegada Ecológica, estamos nos referindo ao consumo da população do país. De forma simplificada, mede-se qual a área necessária por pessoa para suportar o modo de vida da população daquele país em questão. Pela metodologia convencional, a pegada do Brasil é de cerca de 2,1 hectares por pessoa, ou seja, cada brasileiro precisa de uma área de cerca de dois campos de futebol para produzir tudo aquilo que ele consome. Esse valor é pequeno se comparada à pegada dos EUA. Cada americano precisa de quase dez campos de futebol para manter seu padrão de consumo. Em meu estudo, por ter utilizado uma metodologia que busca avaliar as contribuições da natureza na produção dos recursos que consumimos, o valor da pegada ecológica brasileira foi de mais de 40 hectares por pessoa. Para se medir a pegada de uma população, divide-se o consumo humano em várias categorias como: produtos agrícolas, produtos animais, energia consumida etc. Esses dados, normalmente de produção são transformados para unidades de energia e, por fim, em termos de área (hectares). Para se estabelecer o diagnóstico de sustentabilidade, deve-se estimar também a capacidade biológica (biocapacidade) do país, que mede a disponibilidade ou oferta de recursos da natureza. Ao compararmos capacidade biológica e pegada, obtém-se o diagnóstico: se a biocapacidade é maior do que a pegada, tem-se uma situação de saldo ecológico positivo; se a biocapacidade é menor do que a pegada, tem-se um déficit ecológico. Em minha pesquisa, conclui que a biocapacidade do Brasil é cerca de 50% maior do que o consumo, ou seja, segundo esse resultado, nossa população poderia dobrar e continuar sustentável se mantivesse o mesmo padrão de consumo.
Em termos práticos, o que temos que mudar em nosso consumo e nossas atitudes para não utilizarmos mais recursos do que o país dispõe?
Pereira – Em um país como o Brasil, os grandes responsáveis pelo grande impacto no consumo são as atividades agropecuárias e o uso de combustíveis fósseis (petróleo). Em termos práticos, reduzir nosso consumo significa consumir menos combustíveis fósseis como gasolina, reduzir nosso consumo de energia elétrica através de aparelhos mais eficientes, reduzir o consumo de alimentos que gerem grande impacto no ambiente (a pecuária extensiva praticada no país ocupa cerca de 50% das áreas produtivas). No entanto, o mais importante é cobrar dos tomadores de decisões como prefeitos, governadores, ministros e presidente, uma postura voltada para a conservação e não para o lucro econômico. Provavelmente, perceberemos em um futuro não muito distante, que preservar o meio ambiente seja a ação mais lucrativa a se tomar. Quando se fala em etanol como biocombustível, deve-se levar em conta o grande impacto que pode ser gerado na natureza. Até agora, o grande benefício citado tem sido o seqüestro de CO2 pelas plantas, mas pouco se fala sobre a perda de solo, ameaça à biodiversidade, grandes extensões de terra para as plantações, os combustíveis fósseis utilizados pelos meios de produção. Todos esses fatores contribuem para um grande aumento na pegada ecológica do país. Substituir o petróleo pelo etanol, provavelmente não solucionará nossos problemas. Estaremos apenas realocando o problema, porém não o resolvendo.
Nos últimos 40 anos, a China dobrou o seu déficit ecológico com o planeta e demanda hoje 15% da capacidade biológica da Terra, abaixo apenas dos EUA. O senhor acha que com essa crise financeira um novo modelo de produção e consumo pode surgir? Que previsão podemos fazer para o meio ambiente no futuro?
Pereira – Quando se fala em capacidade de suporte de populações humanas, devem-se levar em conta basicamente dois fatores: o tamanho da população e o modo de vida dessa população. A China sempre teve uma grande população, porém seus níveis de consumo eram baixíssimos, o que poderia ser explicado pela pobreza e pela própria cultura chinesa. O que vem acontecendo nos últimos anos é que, com a abertura econômica do país, grandes investidores vislumbraram oportunidades no país. Acredito que a recente crise financeira pode frear esses investimentos, mas não acredito em uma mudança de perspectiva ou de visão das pessoas. De certa forma, a mudança estará vinculada ao lucro econômico. Imagine se todo chinês quiser e puder comprar um carro? Na verdade, o meio ambiente não corre riscos. Quem corre risco somos nós. O ser humano se tornou uma “força geológica”, capaz de gerar mudanças com efeitos globais. A preocupação é, portanto, com a preservação da espécie humana, que está começando a perceber a importância e a dependência do ambiente em que vive. Ao utilizar fontes não-renováveis de energia, ultrapassamos o limite natural do planeta, porém um retrocesso será necessário. Se acabarmos com o meio ambiente em que vivemos, estaremos nos extinguindo juntamente com ele.
No Brasil, qual é o sistema/atitude que contribui para a redução da pegada ecológica?
Pereira – No Brasil, há o exemplo de algumas cooperativas de produção de etanol. Microdestilarias integradas seriam o sistema ideal para reduzir os impactos do sistema de cultivo de cana-de-açúcar sobre o meio ambiente, além de possibilitar a produção de alimentos e serviços ecossistêmicos dentro da mesma propriedade.
Há uma previsão de limite para o uso dos recursos do meio ambiente?
Pereira – Por definição, não há taxa de uso renovável quando se utiliza recursos não-renováveis. Como o desenvolvimento atual se baseia nesse tipo de fonte, provavelmente haverá um momento em que esses recursos se esgotarão. Segundo alguns pesquisadores, a previsão é de que o petróleo se esgote em 50 anos. Porém, as pesquisas avançam no sentido de buscar substitutos, ao invés de mirar uma diminuição nos padrões de consumo. Com certeza, em algum momento não muito distante, o planeta não será mais capaz de produzir tais recursos e de assimilar os resíduos gerados pela população humana.
(Instituto Humanitas Unisinos, 04/11/2008)