O uso dos combustíveis fósseis pode ser eliminado no final deste século com as fontes solar, eólica, geotérmica e os biocombustíveis suprindo todas as necessidades de energia mundiais até 2090. É o que aponta um estudo produzido pela organização não-governamental Greenpeace em parceria com o Conselho Europeu de Energia Renovável.
Um relatório de 210 páginas, intitulado “[R]evolução da Energia: uma perspectiva para um mundo sustentável em energia”, explica que o investimento em tecnologias para eficiência energética pode cortar pela metade a necessidade de energia no mundo, em comparação com os cenários atuais.
Para dar início a essa mudança serão necessários US$ 14,7 trilhões até 2030 - valor 30% maior do que o a previsão da Agência Internacional de Energia, segundo a qual o mundo gastaria US$ 11,3 trilhões com investimentos em energia de qualquer maneira, com o foco muito mais voltado para carvão, petróleo e energia nuclear.
O estudo argumenta que essa diferença será mais do que compensada se houver um investimento agressivo em tecnologias para energia renovável e eficiência energética. A perspectiva é de que já em 2050 uma indústria de US$ 360 bilhões anuais esteja ativa e fornecendo metade da energia do mundo, promovendo cortes profundos nas emissões de carbono e reduzindo em mais de US$ 18 trilhões os custos com os combustíveis. Além disso, o relatório afirma que as despesas extras são justificadas, dados os custos econômicos e humanos do aquecimento global.
Na prática
Os autores do relatório defendem que a iniciativa se dê em três frentes: a primeira é a de eficiência energética. De acordo com o Greenpeace, 61% da eletricidade consumida no mundo é desperdiçada “em grande parte devido a produtos mal projetados”. Se nada for feito, o consumo de energia deverá crescer 33% até 2050.
Ao iluminar melhor as residências e escritórios com atitudes que conjuguem o aumento de eficiência dos equipamentos e a substituição de aquecedores de água por coletores solares, os países industrializados conseguirão reduzir o consumo de energia em 10%, permitindo que nações em desenvolvimento aumentem o consumo em 20%.
A segunda frente proposta é a de mudanças estruturais. Para reduzir drasticamente as perdas na transmissão de energia, o documento sugere a troca de grandes usinas por sistemas descentralizados, que utilizam a energia disponível no local. Para isso, telhados e fachadas das casas e edifícios deverão ser decorados com estruturas solares e contar com bombas geotérmicas subterrâneas. O relatório também defende fortemente a cogeração, ou seja, a captura do calor gerado em usinas de energia para aquecimento de edificações.
A terceira frente é a de redução do uso de energia pelos sistemas de transporte. O estudo propõe “uma mudança de estrada para trilho” como forma de melhorar e expandir o transporte público e incentivar o deslocamento de bens e produtos por trens ao invés de caminhões. O relatório sugere ainda que se determine padrões mais rígidos para eficiência nos combustíveis para veículos e a mudança de motores de combustão interna por elétricos.
Possível
O responsável pela campanha de energia renovável do Greenpeace Internacional e co-autor do relatório, Sven Teske, diz que as propostas são baseadas em projeções aceitas internacionalmente para o crescimento da população e da economia, e que a meta de infra-estrutura de carbono zero pode ser alcançada sem comprometer a expansão econômica.
Ele acrescenta que o cenário de 2090 é perfeitamente praticável, mesmo sem se recorrer a energia nuclear ou a tecnologias de captura de carbono.
O analista da consultoria New Energy Finance, Angus McCrone, diz que apesar de ser possível cortar emissões de forma mais rápida e profunda do que muitos governos esperam, é improvável que a visão de uma economia sem carbono apontada pelo relatório se torne realidade sem que se busque a energia nuclear, pelo menos durante a primeira metade do século.
“O tipo de progresso necessário é impraticável sem a energia nuclear”, entende. “É preciso trocar a carga de base da energia fornecida por combustíveis fósseis e, enquanto a disponibilidade das tecnologias de armazenamento de eletricidade é aprimorada, a nuclear será a opção mais plausível para os próximos 20 a 30 anos”, completa.
McCrone acrescenta que mesmo que a biomassa e as tecnologias geotérmicas possam avançar como reserva de base para energia, não poderão ser implantadas em escala suficiente em muitos países para substituir os fósseis. “Em países como a Islândia a energia geotérmica pode funcionar, mas em outros, como o Reino Unido, a substituição dos combustíveis fósseis por nuclear será obrigatória”.
Teske refuta o argumento de que a energia nuclear seria necessária para se fornecer uma reserva de apoio às variadas fontes de energias renováveis, insistindo que o aperfeiçoamento das tecnologias de energia renovável e de armazenamento de energia indica que as fontes nucleares não serão necessárias.
“A geração hidráulica, a energia solar concentrada com armazenamento, a biomassa e a geotérmica são todas tecnologias de grande capacidade e disponibilidade, enquanto energia das marés é previsível”, esclarece. “As únicas fontes de energia variáveis são a solar e a eólica”, explica Teske.
(Por Sabrina Domingos, Carbono Brasil, 03/11/2008)