As milhares de pessoas e dezenas de organizações que se engajaram nos últimos anos na luta por um diesel mais limpo têm agora um motivo forte para lamentar. Contrariando os interesses públicos e a saúde da população que respira o ar contaminado nas grandes cidades brasileiras, um acordo fechado na madrugada de quinta (30/10), sem a participação da sociedade civil, adia por mais quatro anos a comercialização do diesel com menos quantidade de enxofre.
A decisão foi tomada na presença do Ministério Público Federal (MPF) e ocorreu entre o governo federal e representantes da Petrobras, da Fecombustível, da Agência Nacional de Petróleo (ANP), do governo do estado de São Paulo, da Anfavea e das montadoras de motores. O chamado acordo judicial foi fechado como parte das compensações pelo descumprimento da Resolução Conama 315/02, que estabelecia para o dia 1º de janeiro de 2009 a obrigatoriedade da venda do diesel com, no máximo, 50 partículas por milhão de enxofre (50 ppmS), em todo o País.
O enxofre, altamente cancerígeno, é responsável pela morte de cerca de 3 mil pessoas somente na cidade de São Paulo. Hoje, a concentração da substância no diesel é de 500 ppmS nas regiões metropolitanas e de 2000 ppmS no interior. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, a proporção é de 10 ppm e a tendência é chegar a zero no curto prazo. A necessidade de controlar a emissão de poluentes é consenso em todo o mundo. E os efeitos fatais à saúde da população são comprovados cientificamente e, no Brasil, têm a chancela da Faculdade de Medicina da USP.
O acordo firmado ontem deixa claro que o Ministério Público Federal e o governo cederam às pressões e abriram mão de exigir o cumprimento integral da resolução do Conama. “É uma sentença de morte”, enfatiza Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo. Grajew também lembra o compromisso feito pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante o seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia”, realizado entre os dias 14 e 15 de outubro, de não fechar nenhum acordo sem a participação da sociedade civil. “Isso foi desrespeitado. A palavra do ministro não foi cumprida”, completa.
Veja carta de Oded Grajew enviada ao ministroDecisões tomadasO acordo fechado às escuras prevê que, a partir 1º de janeiro de 2009, passa a ser obrigatória a utilização do diesel S50 nas frotas cativas de ônibus urbanos dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. Até 2011, gradativamente, a obrigação passa a valer para as cidades de Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e para as regiões metropolitanas de São Paulo, da Baixada Santista, Campinas, São José dos Campos e Rio de Janeiro.
Além disso, a Petrobras, a partir de 1º de janeiro do próximo ano, substituirá totalmente a oferta do diesel com 2.000 ppm S por um novo diesel que conterá 1.800 ppm. E, somente a partir de janeiro de 2014, o diesel com 1.800 ppm S será trocado por um com 500 ppmS – padrão exatamente igual ao comercializado atualmente nas regiões metropolitanas.
Para o não cumprimento da Resolução 315/02 do Conama, montadoras de veículos e motores e a indústria do petróleo alegaram falta de tempo e de logística. “Eles tiveram mais de seis anos para se preparar, não dá para aceitar isso como desculpa. Além do mais, o Conama é uma instância de discussão coletiva e, portanto, a resolução foi elaborada com a participação dos mais diversos setores da sociedade e do governo”, contesta Fábio Feldman, do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas.
“Compensações pífias"Na tentativa de “compensar” a sociedade brasileira pela morte de milhares de pessoas todos os anos e pelos custos ao serviço público de saúde, ficou decidido que a Petrobras e as montadoras terão de bancar projetos ambientais.
As montadoras custearão a construção de um laboratório de testes de motores (R$ 12 milhões), uma pesquisa nacional sobre emissões de poluentes (R$ 500 mil) e a fiscalização da emissão da fumaça preta por ônibus e caminhões na cidade de SP (R$ 200 mil). Já a Petrobras mandará R$ 1 milhão para o sistema de fiscalização da emissão da fumaça de São Paulo."Quem vai se responsabilizar pelas doenças por causa do não-cumprimento da resolução?", reforçou Oded Grajew.
Nova resolução ConamaHoras depois do acordo judicial entre montadoras e distribuidoras de combustíveis ter sido firmado, uma reunião extraordinária do Conama, em Brasília, aprovava a resolução que prevê novo prazo para o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), destinado a veículos pesados novos (P-7). Os membros do Conama definiram a antecipação da adoção do diesel S-10 nos ônibus e caminhões em circulação no Brasil para 2012.
Vale lembrar que a fase anterior, a chamada P-6, é justamente a que prevê a obrigatoriedade do diesel com 50 ppm S em todo o País, a partir de janeiro de 2009, e que está sendo descumprida pelas montadoras de automóveis e pela Petrobras.
Leia a
íntegra do acordo judicial
(Envolverd
e/Movimento Nossa São Paulo, 01/11/2008)