As mudanças climáticas terão impactos devastadores se as emissões de gases que provocam efeito estufa não forem reduzidas em 80% até 2050 – uma meta bem mais severa que a de 50%, discutida por vários países até agora. E, mesmo com uma redução dessa magnitude, será necessário investir em adaptação, já que alguns impactos serão inevitáveis.
O alerta foi feito por Martin Parry e Vicente Barros, dois dos coordenadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que apresentaram palestras na última quinta-feira (31/10), na sede da FAPESP, em São Paulo. O evento, organizado pela Fundação e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integra o Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Parry é professor do Centro de Políticas Ambientais do Imperial College, em Londres, na Inglaterra, e foi co-presidente do Grupo de Trabalho II do IPCC até 2007. Barros é professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e atual co-presidente do mesmo grupo de trabalho, que concluirá o próximo relatório de avaliação em 2013.
De acordo com Parry, os efeitos das mudanças climáticas já começaram e é preciso ter uma liderança global que permita fazer as mudanças necessárias a fim de evitar os piores cenários. Para ele, o Brasil terá um papel central nessa liderança.
“É importante que os países emergentes – e sobretudo o Brasil – assumam uma posição de liderança durante a Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas para defender a adoção de um percentual de 80% como meta de redução das emissões por todos os países”, disse à Agência FAPESP.
Durante a Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em dezembro de 2009 na Dinamarca, uma nova meta de corte das emissões será estabelecida para o acordo que substituirá, a partir de 2012, o Protocolo de Kyoto.
Parry destacou que, mesmo com muito investimento em adaptação, será preciso adotar a meta de 80% e começar a reduzir as emissões imediatamente para evitar danos que atingirão milhões de pessoas em todo o planeta, como a severa restrição de água.
“O nível dos oceanos já está subindo e a margem que temos para ação sobre os efeitos da mudança climática é muito pequena. Não podemos mais perder tempo. Cada dez anos de atraso para agir significa um aumento de 0,5ºC na temperatura. Os países desenvolvidos falam muito sobre ação, mas sempre serão apontados como os grandes responsáveis pelas emissões. Por isso, seria interessante ter uma liderança como o Brasil”, disse.
Segundo Parry, a partir de agora será necessário dar mais atenção às medidas de adaptação, que ele afirma serem ainda muito pouco estudadas e pouco desenvolvidas em todo o mundo.
“Perdemos dez anos falando apenas sobre mitigação, mas agora temos que recuperar esse tempo perdido, porque mesmo com o corte de 80% nas emissões vamos ter impactos inevitáveis e os danos residuais poderão ser imensos se não investirmos em adaptação agora”, afirmou.
As áreas prioritárias para adaptação, segundo Parry, seriam as regiões tropicais e equatoriais, a África, os megadeltas de bacias hidrográficas – especialmente na Ásia – e as pequenas ilhas. “As adaptações mais urgentes terão que ser feitas em alimentos e água – especialmente nas regiões áridas – e nos assentamentos suscetíveis a inundações.”
De acordo com ele, em um cenário pessimista, caso as emissões não sejam reduzidas drasticamente, a temperatura subiria 4°C, causando a extinção de 50% das espécies de árvores da Amazônia. Um aumento de 2°C seria suficiente para eliminar um quarto das espécies.
Conhecimento necessárioBarros reforçou que mesmo com todos os esforços mundiais concentrados na redução de emissões será preciso investir em esforços de adaptação. Um dos maiores entraves para que isso seja feito é o ainda escasso conhecimento sobre o assunto.
“No melhor dos cenários ainda teremos um aumento de temperatura que nos obrigará a fazer um esforço adaptativo. O problema é que há muito pouca literatura sobre adaptação”, disse à Agência FAPESP.
O cientista argentino ressaltou que a literatura científica existente sobre adaptação tem o foco em “como deveria ser” e não em “como é”. “A consciência sobre a mudança climática ainda é recente. Essa literatura do ‘como deveria ser’ indica como agir no melhor dos mundos, mas não no mundo real”, apontou.
Barros afirma que o interesse sobre o que pode ser feito em termos de adaptação está aumentando no debate público, que até agora vinha se concentrando excessivamente nas discussões sobre mitigação. “O principal fator para a adaptação é a aquisição da consciência da mudança climática por atores-chave”, disse.
Segundo ele, é provável que os esforços de adaptação se concentrem nas chamadas adaptações reativas, realizadas depois que os efeitos das mudanças climáticas já estão consumados.
“A adaptação reativa resulta de decisões mais individualizadas. As adaptações antecipatórias são mais problemáticas, porque para fazê-las é preciso prever mudanças tecnológicas, socioeconômicas e de infra-estrutura que deverão acontecer em um tempo remoto. Além disso, os modelos climáticos globais não são muito aptos a descrever as variabilidades interdecadais, o que complica ainda mais as ações”, afirmou.
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 03/11/2008)