A Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola concluiu, em abril deste ano, que “a maneira como o mundo cultiva seus alimentos terá de mudar radicalmente”. Para quê? “Para servir melhor aos pobres famintos, para enfrentar os problemas da crescente população e da mudança climática e, ainda, para evitar a decomposição social e o colapso ambiental”, dizia esse estudo baseado no conhecimento de aproximadamente 400 cientistas e outros especialistas. A agricultura orgânica é uma das opções mais promissoras para enfrentar estes desafios.
O potencial para vender bens a consumidores que estão dispostos a pagar mais por uma produção orgânica certificada em muitos países desenvolvidos gera significativas possibilidades de boa renda para os agricultores do mundo em desenvolvimento. Os mercados para tais produtos cresceram em ritmo superior a 15% ao ano nas duas últimas décadas. Estima-se que, em 2006, as vendas de produtos orgânicos certificados somaram mais de 30 bilhões de euros (US$ 38 bilhões, em valores de hoje), o que representou alta de 20% em relação a 2005. E espera-se que cheguem a 52 bilhões de euros (US$ 65 bilhões) até 2012.
Enquanto as vendas continuam se concentrando na América do Norte e Europa, a produção é global, com majoritária e crescente participação dos países em desenvolvimento nas exportações. A produção orgânica também é adequada para os agricultores pequenos, que constituem a maioria dos pobres do mundo. Os agricultores orgânicos são menos dependentes dos recursos externos e obtêm colheitas mais altas e estáveis, e, portanto, maior renda. Estudos feitos na África, Ásia e América Latina indicam que ganham mais do que os agricultores convencionais.
A renda maior pode ser uma contribuição importante para atingir a segurança alimentar. Como nos mostrou o brilhante trabalho de Amartya Sem sobre a fome, nem sempre é a falta de alimentos que a cria, mas também a impossibilidade de os pobres pagarem pela comida de que precisam. Um estudo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que analisou 114 casos na África, revela que uma conversão das fazendas para produção orgânica leva a um aumento da produtividade em nada menos que 116%.
Em conseqüência, a agricultura orgânica se mantém viva e fortalece a rica herança dos conhecimentos agrícolas tradicionais e a variedade dos alimentos. Como sistema de produção sustentável e amigável com o meio ambiente, a agricultura orgânica se baseia no uso do agrossistema e dos recursos locais, em lugar de depender de investimentos externos. Assim os agricultores se vêem menos afetados pelos custos crescentes dos fertilizantes e agroquímicos. Enquanto os preços dos agroquímicos sobem devido ao encarecimento do petróleo, esta agricultura, que usa agroquímicos não sintéticos, se torna cada vez mais competitiva. Por outro lado, ao confiar em recursos locais, as comunidades rurais se tornam menos vulneráveis à volatilidade externa causada por fatores que vão além de seu controle.
Em uma época de crescente preocupação com o meio ambiente, acrescenta-se uma vantagem: a produção orgânica não contamina com agroquímicos e reduz as doenças e mortes causadas pela exposição a esses produtos, que é uma importante causa de mortalidade e morbidade em todo o mundo. A agricultura orgânica conserva a biodiversidade e os recursos naturais. Também melhora a fertilidade e a estrutura do solo e, portanto, aumenta a retenção da água e a resistência à tensão climática, de modo a contribuir para a adaptação à mudança climática. Por fim, mitiga a mudança climática, pois exige menos energia do que a convencional, e também atua como isolante do carbono, o principal gás causador do efeito estufa.
Por todas estas razões, a agricultura orgânica é uma ferramenta poderosa para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, particularmente os referentes à redução da pobreza e ao meio ambiente. No momento é apenas um nicho de mercado, pois usa cerca de 2% das terras agrícolas do planeta. Mas, seu potencial ainda não foi totalmente explorado. Também há desafios para que os países em desenvolvimento aproveitem estas oportunidades, particularmente na construção de capacidades produtivas, acesso aos mercados e obstáculos à importação.
Resulta irônico que, em uma época de preocupações ambientais importantes na agenda internacional, as barreiras técnicas ao comércio de produtos favoráveis ao meio ambiente, incluindo os alimentos orgânicos, sejam muito maiores do que para os produtos convencionais. Isso vai completamente contra as metas internacionais compartilhadas de alívio da pobreza e proteção ambiental.
* Secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Direitos exclusivos IPS.
(Por Supachai Panitchpakdi*, Terramérica, Envolverde, 03/11/2008)