O projeto Crucitas de exploração de ouro a céu aberto no norte da Costa Rica pode se transformar na cruz da política ambiental do governo de Oscar Arias. A Costa Rica se projetou por mais de duas décadas como pioneira no respeito ao meio ambiente. Mas a concessão da exploração de uma mina de ouro à empresa Indústrias Infinito, filial da canadense Infinito Global, levantou considerável polêmica entre ambientalistas contrários ao projeto, que acusam o governo de duplo discurso. Infinito obteve uma autorização governamental para cortar 1919 hectares em Las Crucitas de Cutris, distrito do cantão de San Carlos, na província de Alajuela (norte do país).
A região é hábitat da amendoeira amarela (Dipteryx panamensis), de grande valor por sua madeira e seu papel na alimentação e local para ninhos da arara-verde-grande (Ara ambigua), ave em risco de extinção na Costa Rica. No norte do país, o desmatamento das últimas décadas deixou em pé menos de 30% das florestas. Além disso, o possível uso de substâncias venenosas como o cianureto, para extrair o ouro da rocha, e a proximidade da mina com o Rio San Juan, que a Costa Rica compartilha com a Nicarágua, despertaram a oposição do país vizinho à exploração.
Arias e o ministro de Meio Ambiente, Energia e Telecomunicações, Roberto Dobles, declararam o projeto de interesse nacional, mediante decreto do Executivo. Por isso o Ministério Público abriu uma investigação por prevaricação contra ambos. Este crime “é cometido por funcionários que ditam resoluções contrárias ao direito costarriquenho e internacional”, e estas acusações são “muito fortes”, disse ao Terramérica o advogado e consultor ambiental Mario Pena. A Costa Rica, que protegeu por lei a amendoeira amarela, é parte da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (Cites).
Nessa condição, o país pediu a inclusão da árvore no Apêndice III do convênio, dedicado às espécies protegidas em pelo menos um país, que solicita a outros países-membros ajuda para controlar seu comércio. A arara-verde-grande está no Apêndice I, de espécies ameaçadas de extinção e cujo comércio é permitido apenas em circunstâncias excepcionais. Mas o ambientalista não acredita que o processo prospere, pois “todos alegam ignorância. O presidente diz que confia na opinião do ministro, e este diz o mesmo sobre seu departamento legal. Não creio que a via penal terá êxito”, afirmou, já que para existir a figura de prevaricação é necessário o conhecimento de quem a executa.
Por outro lado, a Sala IV (tribunal constitucional) da Suprema Corte de Justiça ordenou, no dia 20 de outubro, a paralisação das obras de desmatamento, atendendo um recurso de amparo contra o decreto do Poder Executivo, que foi apresentado pelo cidadão Edgardo Araya e pela associação local Norte pela Vida. A empresa Infinito estima que, na próxima década, vai extrair 700 mil onças de ouro da mina, com investimento de US$ 66 milhões. O distrito rural de Cutris, de 873 quilômetros quadrados, tem cerca de oito mil habitantes mergulhados na pobreza. A maioria trabalha em Ciudad Quesada, capital de San Carlos. Boa parte da população se mostra favorável à exploração de ouro, pois criaria postos de trabalho. Além disso, a empresa prometeu melhorar instalações dedicadas aos cuidados com a saúde e educação.
“Não é que eu esteja a favor da mina, mas de oportunidades de desenvolvimento, e para nós representa isso”, disse ao Terramérica Luis Guillermo Alvarez, morador de Coopevega, uma das comunidades próximas da mina. “A infra-estrutura que a empresa deixar servirá para desenvolvimento da área. Estradas, pontes, eletricidade, telefone, tudo isso ficará”, acrescentou. “Quem diz que não haverá problemas ambientais mente, mas os ambientalistas são uns extremistas. É uma mina moderna e estará regulamentada pelo Estado. Será preciso sacrificar um pouco o ambiente para viver. Deverão ser vigiadas as políticas de mitigação. Os ambientalistas satanizam a questão da arara-verde-grande, mas vivo aqui há 25 anos e vi milhares de amendoeiras amarelas serem cortadas”, acrescentou.
O advogado Pena diz entender as pessoas de Las Crucitas, pois “o Estado se esquece de determinadas áreas, facilitando projetos como este, que distribuem migalhas à comunidade. São obras que deveriam estar prontas há muito tempo, mas preferem arriscar sua saúde e seu futuro em favor destas migalhas”. O ministro Dobles negou, no dia 27 de outubro, na Assembléia Legislativa que a arara-verde-grande faça ninhos em Las Crucitas, acrescentando que a concentração de amendoeira amarela não é significativa na região. Também ressaltou que a empresa está obrigada a plantar cem árvores para cada uma cortada.
Pena disse que este “é um conceito errado. Provavelmente dom Roberto Dobles saiba muito de energia e telecomunicações (também áreas de sua pasta), mas não de meio ambiente. Uma floresta demora de 40 a 50 anos para se recuperar”, afirmou. o ministro garantiu que o projeto todo se apoiou em estudos da Secretaria Técnica Nacional Ambiental e que, se a Sala IV finalmente apreciar o decreto, o projeto irá adiante. Mas nem mesmo o bloco do governante Partido Liberación Nacional apoiou Dobles. A deputada Maureen Ballestero, que também preside a Comissão Permanente Especial de Meio Ambiente, criticou o debate que se pretendeu criar entre desenvolvimento econômico e ambiente.
Muito do crescimento do país decorre do turismo, que “deu mais riqueza do que as exportações”, afirmou Ballestero, acrescentando que o turismo costarriquenho se baseia em sua exuberante natureza. Organizações sociais e ambientalistas, no dia 27 de outubro, foram para a frente das sedes do Ministério e da Assembléia Legislativa para protestar contra o projeto e pedir a demissão de Dobles. Também participaram grupos favoráveis à mina, o que provocou situação de tensão. No dia 14 de novembro, os críticos farão uma manifestação nacional contra a mina em San Carlos.
(Por Daniel Zueras*, Terramérica, Envolverde, 03/11/2008)
* O autor é correspondente da IPS.